Vamos aos fatos: um avião com brasileiros deportados dos Estados Unidos teve de fazer um pouso em Manaus. Constatou-se que os brasileiros estavam algemados e acorrentados. O ministro Ricardo Lewandowski, que está pouco se lixando para os presos do 8//1, ficou hipocritamente revoltado.
Não foi o primeiro voo do tipo. Longe disso! Desde 2023, 32 voos pousaram no Brasil trazendo cidadãos que tentavam a vida no país agora governado por Donald Trump, o Malvadão.
Justiça Seletiva
Confira:
Ao que consta, as algemas e as correntes que tanta indignação causaram ao ministro da Justiça Seletiva são uma praxe. Enfim, estamos falando de pessoas muitas vezes desesperadas. Mas, nas mãos dos fabricantes de narrativa do PT, agora sob o comando de um tal Sidônio Palmeira, essas pessoas viraram símbolo da vexame trumpista.
Pelo menos isso é o que parecia constar do briefing reproduzido à exaustão por um prensa que há tempos mandou às favas os escrúpulos de consciência.
Vida x narrativas
E aqui temos mais um exemplo da prensa que se ocupa de narrativas que interessam ao governo (ou à oposição) e se esquece daquela que deveria ser sua matéria-prima: a vida. Uma prensa que, infelizmente, faz jornalismo para um público também interessado em narrativas e que ignora seu semelhante, considerado coligado ou inimigo de congraçamento com as conveniências.
Não por casualidade, nessa história dos deportados os colegas ignoraram as particularidades dos indivíduos expulsos dos EUA, tratando-os todos uma vez que uma coisa só: ou criminosos ou vítimas da política anti-imigração do novo governo americano. E cá sou obrigado a mencionar um pormenor convenientemente ignorado por quem quer tirar proveito político da situação: o processo de deportação desses brasileiros não começou no dia 20 de janeiro de 2025, depois que Trump tomou posse.
Dramas
Quero, porém, voltar à segmento em que falo que os indivíduos deportados e que cá chegaram algemados e acorrentados, uma centena deles, têm histórias. Algumas provavelmente trágicas, outras marcadas pela malandrice & esperteza. Se há alguma história de transgressão não sei e não quero mostrar o dedo, mas não é improvável. E onde é que estão os jornalistas para revelar os dramas por trás dessas vidas todas?
Entre os deportados, talvez haja criminosos. Ou aventureiros. Ou gente perdida e que acreditou no american dream. Mais: deve ter alguém que foi obrigado a deixar um paixão ou um projeto em solo americano. História de paixão e sonho que podem não ter serventia alguma para a narrativa do ministro Ricardo Lewandowski ou dos trumpistas tupiniquins que pronunciam o th com som de f.
Sonhos, delírios, sacrifícios, lágrimas
Mas que são histórias de vida, poxa! São ou foram sonhos, delírios, sacrifícios e, pode apostar, muita lágrima. E que deveriam despertar o interesse dos poucos jornalistas que ainda sabem que sua matéria-prima não é o release do governo nem a nota fria da chancelaria, e sim o ser humano em toda a sua dificuldade e incoerência.
Outra preterição importante por segmento da prensa, preterição essa que atende aos interesses do governo petista, mas que ignora o público e o espírito da profissão: já parou para se perguntar o que levou os deportados a se aventurarem ilegalmente nos Estados Unidos? Alguns tiveram de enfrentar a travessia pelo México, com todos os perigos que ela representa. Terá sido sofreguidão? Desilusão amorosa? Talvez uma incapacidade de se apropriar ao infame jeitinho brasiliano… Ou susto de continuar vivendo em meio à violência que, bom, nem preciso explicar, né?
Desespero que um dia foi esperança
Por que nós, jornalistas, e vocês, leitores, não estamos interessados nos pormenores desse desespero que um dia foi esperança? E que pode, no horizonte, vir a afetar alguém próximo e que não queira viver sob uma regime dominador nem passar necessidades materiais uma vez que nossos vizinhos venezuelanos. Por quê?!
Pergunto e eu mesmo respondo: porque tudo é publicidade. Todos os gestos e palavras. Repare: as histórias só despertam o interesse dos jornalistas e do público se puderem ser usadas uma vez que argumento emocional pela esquerda ou pela direita. Se o deportado é bolsonarista, bem-feito! Agora, se ele teve de ir embora do Brasil por justificação da crise causada pelo sinistro Dilma, veja muito, foi gópi, etc.
Olhar infelizmente nublado pelas ideologias
E assim seguimos compartimentalizando as histórias pessoais de congraçamento com interesses partidários mais mesquinhos. E, por consequência, agindo assim acabamos nos desinteressando pela vida. Pelo ser humano que é nosso semelhante. Tudo para nos submetermos ao ritual macabro de adaptarmos a veras à situação narrativa mais deleitável ao nosso olhar infelizmente nublado pelas ideologias.