O princípio da publicidade é um dos pilares do Estado Democrático de Recta, assegurado pela Constituição Federalista de 1988, que impõe a transparência uma vez que uma diretriz forçoso para a governo pública e, por extensão, para os procedimentos eleitorais. Nesse contexto, a utilização das urnas eletrônicas, sem a sensação do voto para auditoria, levanta questões sobre a compatibilidade com esse princípio, principalmente no que se refere à possibilidade de recontagem do voto pelo cidadão. Neste cláusula, filio-me à hermenêutica de Felipe Gimenez, luzente procurador do Estado de Mato Grosso, e analiso essa antinomia, levando em consideração normas constitucionais, legislações eleitorais e resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O princípio da publicidade está previsto no cláusula 37, caput, da CF/88, que determina que a governo pública direta e indireta deve observar, entre outros, os princípios da validade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A publicidade, nesse sentido, visa prometer a transparência dos atos públicos, permitindo que os cidadãos tenham entrada às informações de interesse coletivo, sendo um mecanismo forçoso para asseverar o controle social e a legitimidade dos atos praticados pelos órgãos públicos.
O uso de urnas eletrônicas sem a sensação do voto interno para auditoria do cidadão representa uma questão complexa, que envolve clara antinomia entre a segurança do sigilo do voto e a urgência de publicidade e transparência do processo eleitoral
No contexto eleitoral, o princípio da publicidade se manifesta na urgência de que todos os procedimentos relacionados às eleições, incluindo a apuração dos votos, sejam acessíveis e verificáveis pela sociedade, de modo a prometer a lisura e a crédito do processo eleitoral. O cláusula 14 da CF/88, ao estabelecer que a soberania popular será exercida pelo votação universal e pelo voto direto e secreto, exige que o processo de resenha e auditoria dos votos respeite a transparência e a integridade.
A introdução das urnas eletrônicas no Brasil, regulamentada pelo Código Eleitoral (Lei 4.737/1965) e normatizada por resoluções do TSE, uma vez que a Solução TSE 23.673/2021, trouxe avanços significativos para a rapidez e segurança do processo eleitoral. Porém, a falta de uma sensação física do voto para auditoria gera um justo receio sobre a violação do princípio da publicidade.
A Lei 13.165/2015, ao modificar a Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), previa a obrigatoriedade da sensação do registro do voto, com o objetivo de permitir uma eventual recontagem. No entanto, essa norma foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federalista (STF) em 2018, através da ADI 5889, sob a justificativa de que a sensação do voto colocaria em risco o sigilo e a inviolabilidade do voto.
Filiando-me à versão de Felipe Gimenez, observo que tal decisão do STF gerou um aparente conflito normativo, uma antinomia entre a urgência de publicidade e transparência no processo de apuração e a proteção ao sigilo do voto. Embora a urna eletrônica seja auditável por meio de mecanismos digitais, a falta de um comprovante físico conseguível para auditoria individualizada limita a possibilidade de verificação pública do resultado, o que poderia contrariar o princípio da publicidade previsto na Constituição.
O cláusula 5º, inciso XXXV, da CF/88 estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Nesse sentido, a falta de uma forma de auditoria conseguível ao sufragista pode ser considerada uma restrição ao recta de verificação do processo eleitoral, o que poderia ser questionado uma vez que uma violação do recta à transparência e ao controle social. Outrossim, o cláusula 37 da CF/88 exige que os atos públicos sejam transparentes e acessíveis à fiscalização. Aplicado ao contexto eleitoral, isso significa que a apuração e a totalização dos votos devem ser passíveis de verificação pelos cidadãos, sem que haja barreiras técnicas ou operacionais que impeçam tal controle.
O Código Eleitoral também reforça esse entendimento ao prever, em seu cláusula 221, inciso III, que uma eleição pode ser anulada se “não for feita apuração conforme as normas estabelecidas”. A transparência do processo de apuração é, portanto, uma requisito forçoso para a validade do resultado eleitoral.
A Solução TSE 23.673/2021 dispõe sobre os procedimentos para a fiscalização e auditoria do sistema eletrônico de votação, prevendo, entre outras coisas, testes públicos de segurança e auditorias posteriores à votação. Esses mecanismos visam prometer que o processo seja seguro e confiável, embora não substituam plenamente a possibilidade de recontagem física dos votos. Sob a hermenêutica de Felipe Gimenez, a falta de um comprovante impresso de voto é vista uma vez que uma limitação significativa no manobra da auditoria pública e individualizada, uma vez que impede que os eleitores e partidos políticos possam conferir diretamente os votos registrados. Essa situação suscita críticas sobre a suposta incompatibilidade com o princípio constitucional da publicidade, que requer não unicamente transparência técnica, mas também acessibilidade às informações pelos cidadãos comuns.
O uso de urnas eletrônicas sem a sensação do voto interno para auditoria do cidadão representa uma questão complexa, que envolve clara antinomia entre a segurança do sigilo do voto e a urgência de publicidade e transparência do processo eleitoral. Filiando-me à hermenêutica de Felipe Gimenez, destaco que, embora o atual sistema eletrônico de votação seja auditável e seguro segundo as normas técnicas do TSE, ele não permite uma forma de auditoria direta e tangível pelo cidadão, o que pode ser interpretado uma vez que uma limitação e uma negativa de eficiência ao princípio da publicidade consagrado na Constituição Federalista.
Faz-se necessário um debate mais profundo, jurídico, sobre a implementação de mecanismos que harmonizem o sigilo do voto com a transparência e a possibilidade de auditoria conseguível ao público, sem comprometer a integridade do processo eleitoral. O desenvolvimento de tecnologias que permitam a sensação do voto das urnas eletrônicas para conferência interna e ulterior auditoria pública, sem violar o sigilo do voto, pode ser uma solução para asseverar a conformidade com os princípios constitucionais da publicidade e da validade.
André Lucena é jurisconsulto pós-graduado em Recta Público.
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