A instrução normativa da Receita Federalista que ampliava a fiscalização sobre uma série de transações, incluindo aquelas feitas por meio do Pix, trouxe preocupação para grande segmento da população sobre o sigilo bancário e um provável aumento da trouxa de impostos, principalmente para os trabalhadores informais. O temor criou uma crise no governo federalista e a gestão petista voltou detrás, revogando a norma e editando uma medida provisória para confirmar que não pode ter cobrança de valores diferenciados nos pagamentos por Pix.
Mas, mesmo assim, ainda restam dúvidas sobre a possibilidade de taxação do pix, a capacidade de monitoramento da Receita Federalista e o que o governo está tentando esconder. Confira o tira-dúvidas que a Jornal do Povo preparou para ajudar a esclarecer alguns pontos importantes:
A normativa da Receita queria taxar o Pix?
Não, mas ela abria margem para que trabalhadores informais tivessem suas transações monitoradas de forma mais efetiva pela Receita. Isso poderia facilitar uma taxação futura por meio de impostos já existentes.
Segundo o economista e exegeta de mercado Rui São Pedro, a Receita Federalista poderia, ao investigar movimentações não declaradas por contribuintes, mandá-los para a malha fina, no Imposto de Renda, por exemplo. E isso poderia forçar, entre outras medidas, trabalhadores informais a buscarem formalização e pagamentos de impostos, o que não atingiria exclusivamente grandes sonegadores ou o delito organizado.
Parlamentares de oposição cometeram fake news ao criticar o monitoramento de movimentações financeiras supra de R$ 5 milénio?
A maioria não. Assim uma vez que Nikolas Ferreira (PL-MG), eles explicaram que não havia uma cobrança no Pix em si, mas que a medida abriria a possibilidade de o governo federalista tributar no horizonte pessoas que hoje trabalham na informalidade.
Para o legista constitucionalista André Marsiglia, o simples indumento de o deputado Nikolas Ferreira ter feito essas divulgações pode colocá-lo irregularmente na mira das investigações a partir do pedido feito pela AGU à Polícia Federalista sobre notícias falsas e desinformações.
O que diz a novidade medida provisória do governo publicada em 16/01 para substituir a normativa?
A medida proíbe cobrança suplementar por Pix e diz prometer o sigilo fiscal em transações realizadas por esse meio de pagamento. A MP determina que o preço cobrado no Pix deve ser igual ou subalterno ao valor pago em numerário e também classifica uma vez que prática abusiva a cobrança de qualquer pensão suplementar. A eventual cobrança extra será considerada uma infração.
“Os fornecedores de produtos ou serviços, em estabelecimentos físicos ou virtuais, deverão informar os consumidores, de forma clara e inequívoca, sobre a vedação de cobrança de preço superior, valor ou encargo adicional para pagamentos por meio de Pix à vista”, diz um trecho da MP.
Por que o governo editou uma medida provisória dizendo que cobrar mais por Pix no negócio é delito?
A medida reforça o argumento do governo de que a normativa da Receita foi anulada não porque era abusiva e poderia fazer as pessoas pagarem mais impostos já existentes, mas porque pessoas começaram a cobrar a mais por pagamentos em Pix.
O governo diz que os comerciantes passaram a cobrar por vendas em Pix porque pensaram que essas transações seriam taxadas. Mas outra explicação provável para esse comportamento é que segmento desses comerciantes teria começado a cobrar mais em vendas por Pix porque tinham o receio de serem taxados posteriormente, no imposto de renda.
“O governo comunicou muito mal toda a situação abrindo margens para a desinformação, mas o maior problema foi na esfera econômica: a medida não foi adequada para o momento. Não foi só um problema de comunicação, mas um desgaste à economia e ao próprio ministro da Fazenda [Fernando Haddad], que sai menor e derrotado nesta história. Uma fragilização imensa para o governo”, avalia o consultor econômico, Marcelo Dias.
O governo disse que crimes foram cometidos por desculpa de fake news. Quais crimes foram esses?
O Ministro da Rancho, Fernando Haddad, disse que notícias falsas de que a transferência via Pix seria taxada deram margem para estelionatários se passarem por funcionários da Receita Federalista e criarem um novo tipo de golpe. Eles teriam mandado boletos de cobrança falsos para vítimas. Embora não seja provável descartar a hipótese, Haddad não deu detalhes sobre o alegado golpe nem apresentou números de casos identificados, tampouco casos concretos.
A novidade Medida Provisória garante mesmo o sigilo das transações por pix?
O governo tentou tranquilizar os usuários sobre o sigilo bancário, reforçando na MP publicada em edição extra do Quotidiano Solene da União (DOU) desta quinta-feira (16), o que já é guardado pela lei. Atualmente, a privacidade das informações financeiras, seja via Pix ou pelo Sistema de Pagamentos Instantâneos (SPI), cabe ao Banco Medial (BC), de pacto a LC 105/01. O texto da medida reafirma a exigência, garantindo a impossibilidade de identificação dos usuários, “observadas as exceções legais”.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o BC foi ouvido na elaboração da norma. Porém, a medida não altera os mecanismos existentes de fiscalização por parte da Receita Federal, entre eles os convênios com o próprio BC e com estados e municípios para o repasse de informações. A norma revogada retira apenas uma camada de controle do Fisco.
Para o economista Rui São Pedro, a MP não garante o sigilo. Ele ainda reafirma que não existe sigilo sobre movimentações financeiras, sobretudo ao se tratar de valores mais elevados. Ele lembra que desde 2003 as instituições financeiras estão obrigadas a informar à Receita Federal e aos órgãos de fiscalização e controle as movimentações financeiras com valores mais expressivos.
“Se você fizer um Pix de R$ 10, R$ 20 ou R$ 50 a Receita não monitora, mas se você fizer um Pix de R$ 10 mil, R$ 15 mil, necessariamente você precisa informar o CPF do beneficiário e é repassado aos órgãos cometentes. Então não existe a condição de sigilo e vai continuar não existindo”, disse.
Desacreditar o Pix é crime?
Haddad disse que desacreditar um instrumento público é crime. Mas o crime de desacreditar medidas públicas não existe. “Crimes uma vez que injúria e mordacidade contra pessoas já são cobertos pela lei. Agora, questionar medidas públicas é recta de todo cidadão e, inclusive, responsabilidade dos jornalistas”, afirmou o ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallagnol.
Durante a discussão pública sobre o assunto, veículos de imprensa classificaram alguns dos argumentos contrários à instrução normativa como “fake news”. Mas as notas da comunidade, sistema usado para combater a desinformação no X, ajudaram a trazer contextos e informações relevantes em reportagens enviesadas.
Uma das correções feitas pelas notas da comunidade refutou a declaração de uma jornalista que afirmou que “desacreditar e atacar medidas públicas é crime”. O texto, elaborado por usuários, lembrou que a liberdade de duvidar e criticar ações do governo é um dos pilares da democracia, como está previsto pela Constituição Federal e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Qual a estratégia de comunicação do governo?
O governo tenta focar na narrativa de que a taxação do Pix é “notícia falsa” para desviar a atenção do público sobre a possibilidade de monitoramento mais agressiva das transações financeiras. O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, chegou a dizer que a decisão de revogar a medida se deu porque “as pessoas distorceram” a interpretação sobre a fiscalização e que então “decidimos revogar”.
No meio da polêmica, Lula chegou a mudar o comando da Secretaria de Informação e colocou o marqueteiro Sidônio Palmeira no lugar do deputado petista Paulo Pimenta. Mas a tentativa de virar os danos do caso do Pix não funcionou.