A energia solar por assinatura e os incentivos aplicados a ela estão sob a mira do Tribunal de Contas da União (TCU). A Corte determinou que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apresente um plano de ação para melhorar a fiscalização e regulação da micro e minigeração distribuída de energia elétrica (MMGD).
A legislação estipula que a energia produzida nesse modelo é para consumo próprio, mas permite seu compartilhamento. Um relatório da unidade técnica do TCU, no entanto, aponta indícios de que energia de geração distribuída estaria sendo comercializada de forma ilegal e de que a Aneel seria omissa na fiscalização, “permitindo que empresas, inclusive ligadas a distribuidoras de energia elétrica, utilizem a MMGD para, na prática, vender energia elétrica”.
A geração distribuída é feita por fontes renováveis, como solar e eólica, em pequenas unidades próximas ao local de uso. O conceito é de autoconsumo, em que o gerador (uma residência, por exemplo) aproveita a energia que produziu. Eventuais excedentes são enviados para a rede elétrica da distribuidora local em troca de créditos, que podem ser abatidos na conta de luz.
O modelo que está na mira do TCU é a geração distribuída compartilhada, que está prevista em lei. Nela, o consumidor não precisa instalar painéis solares em sua casa; ele compra cotas de um gerador que tem sobra de energia. O “assinante” consegue descontos em sua conta de luz por meio de um sistema de compensação.
Assim como a produção de energia solar, a assinatura está em franca expansão no país. O modelo é liberado desde 2015 por resolução normativa da Aneel, e o número de unidades geradoras deu um salto nos últimos anos: apenas entre 2021 e 2023, passou de 1,9 mil para 7,7 mil, segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). Os investimentos acumulados passam de R$ 3 bilhões.
O Tribunal de Contas, porém, desconfia que grandes grupos do setor elétrico estariam enquadrados no modelo de geração distribuída – e usufruindo de seus subsídios – sem, na prática, gerar energia para autoconsumo, e sim para a venda. O objetivo da Corte é impedir essa prática.
“Assim, tais estruturas, ao almejarem o lucro, estão apenas se revestindo do manto jurídico das cooperativas sem ser uma verdadeira cooperativa. Em outras palavras, podem estar se utilizando de um arranjo legal para realizar venda deliberada de energia, aproveitando-se dos subsídios da MMGD, previstos apenas para uso próprio”, diz trecho do relatório do TCU.
Os subsídios para a geração distribuída são bancados pelo conjunto da população, por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um encargo cobrado na conta de luz dos consumidores regulados. Hoje a CDE – que banca incentivos a fontes renováveis e programas como a tarifa social – representa em média 13,7% da tarifa, segundo o Subsidiômetro da Aneel.
Os dados mais recentes da Aneel, de março, mostram que o Brasil tem mais de 2,4 milhões de sistemas fotovoltaicos conectados à rede de distribuição de energia elétrica. Além disso, mais de 3,5 milhões de unidades consumidoras utilizam os excedentes e os créditos da energia gerada nos sistemas instalados.
Ainda segundo a Aneel, em 2023 foram instalados mais de 625 mil sistemas fotovoltaicos de geração distribuída no Brasil, com o acréscimo de 837 mil unidades consumidoras que passaram a utilizar os excedentes e os créditos da energia gerada nos sistemas instalados.
Aneel diz que já entregou ao TCU plano relativo à energia solar por assinatura
A Aneel informou à Gazeta do Povo que a sua auditoria interna já emitiu ofício apresentando o plano de ação com as medidas de aprimoramentos na fiscalização sobre o devido cumprimento e aperfeiçoamento da regulação, bem como os respectivos prazos para a implementação.
A agência também disse estar trabalhando para cumprir outra determinação do TCU, de concluir um processo de coleta de informações, diagnóstico e avaliação da necessidade de aprimoramentos nos normativos relacionados à Lei 14.300/2022, que estabelece o Marco Legal da Geração Distribuída. Segundo o Tribunal, não há decisão ou documentos públicos no momento.
“Nesse cenário, concluiu-se pela necessidade de a Aneel realizar fiscalização para identificar e atuar em casos de comercialização ilegal de energia, bem como aprimorar a regulação para coibir práticas que se caracterizem como venda de energia, de créditos de energia ou de excedentes de energia no âmbito da MMGD”, disse o relator-ministro do processo, Antonio Anastasia.
A Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) considera legítima a preocupação com os benefícios comerciais, mas salienta que a geração distribuída gera oportunidades para as empresas e benefícios econômicos e sociais, e que a fiscalização deve ser “equilibrada e focada em garantir transparência e integridade no modelo”, sem comprometer seu desenvolvimento e incentivos.
“O modelo de assinatura de energia viabiliza o acesso de consumidores de menor renda e pequenos negócios a fontes de energia limpa e mais barata, democratizando o acesso à geração distribuída sem que seja necessário um investimento inicial para a instalação de sistemas fotovoltaicos ou outras estruturas de geração”, disse a ABGD, em nota.