A suspensão das linhas de crédito rural por meio do Plano Safra abriu um novo embate entre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o setor do agronegócio. De um lado, o Palácio do Planalto tentou responsabilizar o Congresso Nacional pela falta da aprovação do Orçamento de 2025, enquanto integrantes da Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA) reagiram e criticaram a “falta de responsabilidade fiscal” do Executivo. Segundo eles, essa situação pode levar a novo aumento nos preços dos alimentos.
O Plano Safra oferece diversas linhas de crédito com taxas de juros subsidiadas, incentivos fiscais e programas de apoio para produtores rurais, desde agricultores familiares até grandes empresas. Ao todo, o programa 2024/2025 prevê o montante de R$ 400 bilhões em crédito para médios e grandes produtores e outros R$ 85,7 bilhões para a agricultura familiar. O governo não informou quanto já foi contratado.
Na quinta-feira (20), o governo anunciou a suspensão temporária do programa com a justificativa que a alta da taxa básica de juros elevou o custo de equalização. Segundo integrantes do governo Lula, quando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) foi enviada ao Congresso, em abril de 2024, a taxa Selic estava em 10,75% e atualmente, está em 13,25% ao ano.
“O presidente (Lula) pediu uma solução imediata para o problema. O fato de não ter o Orçamento aprovado efetivamente coloca problemas na execução orçamentária. Nós estamos editando uma MP abrindo crédito extraordinário para atender às linhas de crédito do Plano Safra”, disse Haddad após uma reunião em São Paulo.
Segundo o chefe da pasta, a normalidade do programa deve ser retomada ainda na próxima semana. A decisão de lançar a medida provisória foi adotada após conversa com o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Vital do Rêgo.
“O ministro do TCU deixou claro que, efetivamente, sem essa solução que foi encontrada não haveria possibilidade do Plano Safra. Então, a solução é um crédito extraordinário em um valor necessário para que não haja descontinuidade. Semana que vem as linhas de crédito estarão normalizadas mesmo sem a aprovação do Orçamento”, completou Haddad.
Governo tentou responsabilizar o Congresso por crise do Plano Safra
Confira:
Para equalizar o programa ao cenário atual da taxa de juros, o governo tentou usar a suspensão do Plano Safra para pressionar o Congresso a votar a Lei Orçamentária Anual (LOA). O Legislativo encerrou as atividades de 2024 sem aprovar o Orçamento para este ano e, com isso, o Executivo só pode gastar, por mês, o equivalente a 1/12 do previsto para o ano inteiro na LDO.
“Em geral, a gente compensa o aumento da Selic para não comprometer a produção. O problema de hoje é que nós precisamos aprovar o Orçamento. Nós estamos já no final de fevereiro, daqui a pouco é carnaval, quer dizer… para onde vai isso?”, questionou Haddad, mais cedo, durante entrevista ao canal ICL Notícias.
A votação do Orçamento ficou travada em meio à crise do Congresso com o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as emendas parlamentares. Desde a retomada dos trabalhos do Legislativo, em 1º de fevereiro, líderes de diversos partidos já vinham sinalizando que a peça orçamentária só seria destravada após um acordo com o Judiciário sobre as emendas.
“Se não tiver acordo para liberar emenda, o Orçamento fica na gaveta. Não é bravata, não é arrogância. E a gente prorrogando e prorrogando porque um Poder quer interferir num outro Poder”, disse o senador Angelo Coronel (PSD), relator do Orçamento de 2025, ainda no começo deste mês.
Com as trocas de comando no Congresso, os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), vão se reunir pela primeira vez com o ministro Flávio Dino para tratar sobre o tema na próxima quinta-feira, 27 de fevereiro. Como mostrou a Gazeta do Povoa expectativa é de que eles apresentem uma proposta de acordo para viabilizar a liberação das emendas, que são recursos destinados pelos parlamentares para suas bases eleitorais.
FPA aponta irresponsabilidade fiscal do governo Lula
Após o governo tentar responsabilizar o Congresso pela suspensão do Plano Safra, integrantes da FPA ressaltaram a “falta de responsabilidade fiscal” por parte do Executivo. “Culpar o Congresso Nacional pela própria incapacidade de gestão dos gastos públicos não resolverá o problema. A má gestão impacta no aumento dos juros e impede a implementação total dos recursos necessários”, diz a frente.
De acordo com a FPA, o plano da próxima safra foi aprovado no Orçamento de 2023 e anunciado como “o maior Plano Safra da história”. Entretanto, “no momento em que os produtores ainda colhem a primeira safra e iniciam o plantio da próxima, os recursos já se esgotaram”.
A medida também gerou reações por parte da oposição e, segundo o deputado Luciano Zucco (PL-RS), a suspensão do programa “lança uma sombra de incerteza sobre um setor que é pilar da economia e da segurança alimentar do país” e que a falta de recursos pode gerar graves consequências para o agronegócio, como o aumento de cursos de produção, desaceleração em investimentos, riscos à segurança alimentar e impacto nas exportações.
“O governo precisa encontrar urgentemente espaço no Orçamento e retomar as operações de crédito. Não há prioridade maior nesse país do que comida na mesa dos brasileiros”, disse o deputado.
Na mesma linha, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) salientou que o governo não pode “terceirizar as suas responsabilidades”, já que o próprio Executivo “não trabalhou para que o Orçamento de 2025 fosse aprovado”. “Não dá para colocar a culpa no Congresso. Não podemos esquecer que os juros altos, a inflação e a carestia são, sim, resultado da política econômica do (governo) Lula”, disse a parlamentar.
As críticas foram rebatidas pelo ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que alegou que o governo não pode ser irresponsável e continuar fazendo equalização sem o Orçamento da União aprovado. “Nós estamos com duas situações: subiu a Selic e não tem Orçamento aprovado. Tem que ser prudente, responsável e o Congresso precisa ter sensibilidade e votar rápido o Orçamento, porque, se não votar, começam a ter consequências. O plano Safra para”, destacou.
Suspensão do Plano Safra poderia impactar no preço dos alimentos
A suspensão do Plano Safra aconteceu justamente em meio à queda de popularidade do governo Lula e no momento da disparada dos preços dos alimentos nos supermercados. O grupo “alimentos e bebidas” subiu 0,96% em janeiro, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) do mês. O número ficou bem acima da inflação geral, que fechou em 0,16%.
Segundo a FPA, a suspensão do Plano Safra poderia afetar diretamente itens da cesta básica, como proteínas e ovos, uma vez que as rações utilizadas para alimentar os animais são produzidas a partir de grãos – cultura que sofre com a falta de recursos.
Além disso, a nova crise entre o governo e o agro também vai na contramão da expectativa dos integrantes do próprio, que apostam justamente em uma produção recorde para reduzir os custos dos alimentos e, com isso, tentar recuperar a popularidade de Lula.
“Com a queda do dólar, que começou a baixar para patamares mais aderentes aos fundamentos da economia brasileira, e com a safra que vai entrar a partir do final do mês, acreditamos que esses preços vão se estabilizar num patamar mais adequado”, disse Haddad.
Lula tem abordado o tema em diversas entrevistas nos últimos dias e cobrado de seus ministros uma solução para a crise da alta do preço dos alimentos. De acordo com a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), o preço dos ovos de galinha apresentou alta de até 40% desde a segunda quinzena de janeiro.
“Não se pode colocar o mesmo preço que você exporta. Quando me disseram que caixa de 30 ovos estava R$ 40, achei absurdo. No momento que estamos vivendo, não conseguimos controlar o preço do dia para noite”, disse Lula nesta quinta (20) durante entrevista à rádio Tupi.
Plano Safra cria nova crise política para o governo
Diante desse cenário, o conselheiro empresarial Ismar Becker avaliou que a suspensão do Plano Safra poderia, em um primeiro momento, prejudicar milhares de negócios agropecuários. Mas ele ressaltou que, antes de uma esperada pressão sobre os preços internos dos alimentos, o primeiro efeito seria político, com aumento da indisposição do setor com o governo petista.
“Não é um tiro no pé, mas uma metralhada. A equipe de Lula está se superando nos erros, criando uma tempestade sem precedentes para ele”, sublinhou.
O especialista explica que o governo se equivoca tanto do ponto de vista econômico como do político ao abordar a alta dos alimentos como culpa de produtores, atacadistas e varejistas. Nesta semana, o presidente Lula sinalizou que iria se reunir com donos de supermercados para tratar sobre os preços dos produtos nas gôndolas.
“Existe um conjunto de fatores que vão além do controle do governo, como o climático e a oferta. Fazer questão de atribuir responsabilidade a agentes econômicos é contribuir ainda mais para o desgaste do governo, que chegará “morto” em 2026”, avalia.
Na mesma linha, o economista e conselheiro financeiro VanDyck Silveira acredita que o governo tentou, por meio da suspensão do Plano Safra, forçar a redução das exportações para diminuir os preços dos produtos dentro do país.
“As vendas externas não são o problema, são a solução para a inflação, a começar pela estabilização do câmbio. É assustadora e perigosa a falta de compreensão de leis básicas da economia pelo presidente e sua equipe”, ressaltou.