Junto das críticas por desvio de finalidade em convênios e patrocíniosos gastos da Itaipu Binacional passaram a ser questionados por conta da transparência na prestação de contas das parcerias firmadas dentro dos programas socioambientais. Além disso, as informações mensais sobre os convênios firmados com a usina hidrelétrica deixaram de ser divulgadas no site oficial pelo lado brasileiro: não há atualizações desde julho de 2024.
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Sob o governo Lula, nos últimos dois anos a Itaipu Binacional passou a destinar bilhões de reais para atender a “missão socioambiental” imposta pela gestão petista com recursos encaminhados para eventos como o “Janjapalooza” e para obras de infraestrutura da COP-30, a conferência mundial do clima que será realizada em novembro em Belém (PA). Associações ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras (MST) e ONGs indígenas também foram beneficiadas pelos convênios.
São exemplos considerados por representantes do setor de energia como desvio de finalidaderespaldados no argumento de que o orçamento da Itaipu Binacional deveria ter o objetivo de garantir o abastecimento elétrico dos consumidores com a menor tarifa possível. Enquanto isso, a renegociação do anexo C do tratado da Itaipu renovado pelo governo Lula com o Paraguai, em 2024, foi marcada pelo aumento do preço para o lado brasileiro.
Até então, a expectativa era de queda no valor cobrado do consumidor, alternativa que era encarada como possível a partir da economia de cerca de US$ 1,5 bilhão por ano após a quitação do financiamento de 50 anos para construção da usina, localizada na fronteira, a partir do estado do Paraná, com o país vizinho.
As críticas contra a política petista de repasses para eventos controversos e convênios com afinidades ideológicas se agravaram nesta semana com a suspeita de irregularidades no convênio “Bio Favela”, firmado entre a Itaipu e a Central Única das Favelas (Cufa). O programa de 36 meses foi anunciado pela usina hidrelétrica em agosto do ano passado, com investimento de R$ 24,5 milhões para atividades em 100 favelas no Paraná.
Segundo apuração da Folha de S. Pauloo Instituto Athus – responsável pelo projeto social em parceria com a Cufa – apresentou notas de aquisição de bolas de basquete e futebol em uma quantidade acima da demanda de jovens atendidos pelo convênio. De acordo com o jornal, cada participante do programa social poderia receber até três bolas de alto rendimento para as atividades esportivas, conforme a prestação de contas em outubro de 2024.
“Será promovida a inclusão social através da prática esportiva e do lazer saudável de crianças, adolescentes e jovens das favelas, levando atividades esportivas semanais a pelo menos 5 mil crianças, adolescentes e jovens”, anunciou a Itaipu à época da assinatura do convênio.
Parlamentares tentam emplacar CPI para investigar gastos da Itaipu
Confira:
Na avaliação do deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), a suspeita de irregularidades reforça a necessidade da implementação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a destinação dos recursos da Itaipu Binacional em eventos e convênios sob a justificativa de investimentos socioambientais. “Até agora, as denúncias eram de desvio de função – e não são poucas. A gente já tinha o suficiente para abrir uma CPI e veio mais essa suspeita à tona envolvendo a compra de bolas para um convênio”, afirmou o parlamentar em entrevista à Gazeta do Povo.
Segundo Orleans e Bragança, 75 deputados assinaram o pedido de abertura da CPI. São necessárias mais 100 assinaturasaproximadamente, para encaminhamento da investigação no Congresso Nacional.
Ele também critica o “favorecimento de partidos e prefeituras” que recebem os recursos de Itaipu, por meio de convênios na área de influência da usina, o que abrange cidades do Paraná e do Mato Grosso do Sul. Segundo ele, o uso dos recursos com fins político-partidários tem comprometido a adesão de deputados à CPI da Itaipu.
“Os partidos do Centrão estão vinculados e não querem assinar. É muito nítida a interferência do Centrão também na Itaipu, não é só a esquerda que ganha com esses vazamentos (de recursos) da usina hidrelétrica”, apontou Orleans e Bragança.
A Itaipu Binacional publicou uma nota oficial no site da empresa na qual afirmou que os convênios são acompanhados por órgãos de fiscalização internos e por auditorias externas independentes. “A empresa adota rigorosos padrões de controle, incluindo a conformidade com a Lei Sarbanes-Oxley (SOX), garantindo transparência e responsabilidade na aplicação dos recursos. Itaipu segue as normas mais atuais de fiscalização e controle financeiro, assegurando boas práticas na gestão de seus investimentos socioambientais”, declarou a hidrelétrica.
Sobre a denúncia publicada pela Folha de S. Pauloa Itaipu informou que o número de bolas compradas pela entidade conveniada será utilizado em todo o projeto. A previsão é de atendimento de 5 mil crianças, com expansão para outras cidades do estado do Paraná.
“A discussão não é sobre legalidade, mas sobre decisões tomadas nas escolhas do projeto que atende as periferias”, rebateu a binacional. O Instituto Athus foi procurado pela Gazeta do Povomas não retornou ao pedido de esclarecimentos sobre o caso até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para o posicionamento.
Itaipu deixa de publicar gastos com convênios
Desde julho do ano passado, a Itaipu Binacional deixou de publicar mensalmente os convênios firmados nos quais constam os valores de repasses aos beneficiários, o que diminui a transparência e aumenta a dificuldade para a sociedade acompanhar o destino dos recursos. Um dos convênios que foi firmado no período sem apresentação dos dados no site oficial da usina hidrelétrica foi o “Bio Favela” em parceria com a Cufa.
Entre agosto de 2024 e fevereiro de 2025, o governo Lula “pegou carona” nos recursos de Itaipu para turbinar o orçamento de outras pastas. Em dezembro, a Itaipu Binacional lançou, com a presença da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, a licitação da Casa da Mulher Brasileira, em Foz do Iguaçu (PR), para atendimento de mulheres em situação de violência. Segundo a empresa binacional, o custo da obra é de R$ 11 milhões e a construção deve ser concluída neste ano, para entrada em funcionamento até 2026.
No início deste mês, o presidente Lula e o ministro da Educação, Camilo Santana, anunciaram em Brasília (DF) o convênio Alimentação Nota 10, com investimento de quase R$ 5 milhões provenientes da usina hidrelétrica. Neste caso, o repasse para o Programa Nacional de Alimentação Escolar tem influência direta da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ex-funcionária da hidrelétrica. No anúncio, o diretor-geral da Itaipu no Brasil, o petista Enio Verri, lembrou que os programas de capacitação das merendeiras e nutricionistas de escolas públicas começaram a ser desenvolvidos por Janja, quando ela atuava na área de responsabilidade social da usina.
Orçamento de Itaipu fica fora dos mecanismos de controle de TCU e Congresso
Os deputados da oposição ao governo Lula relatam dificuldades na fiscalização dos gastos da Itaipu pelo fato de a empresa binacional não se submeter aos órgãos de controle, sequer ao Tribunal de Contas da União (TCU), por conta da gestão compartilhada entre Brasil e Paraguai. Por se tratar de uma empresa juridicamente internacional, regida pelo tratado específico e seus anexos, a Itaipu também não se enquadra na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.537/11).
No mês passado, o deputado federal Nelson Padovani (União-PR), presidente da Subcomissão Especial da Itaipu, entrou com uma proposta de fiscalização e controle para que a Comissão de Minas e Energia acompanhe os gastos da empresa estatal com o auxílio do TCU. Segundo o documento, Itaipu gastou R$ 43,8 milhões em patrocínios a atividades não relacionadas à geração de energia elétrica.
“Em convênios com o setor privado, são mais de R$ 749 milhões, entre 2023 e agosto de 2024, de direcionamento questionável”, ressalta o pedido encaminhado pelo deputado ao TCU. Padovani explicou que caso seja autorizada a instalação de Comissão de Fiscalização e Controle, a Itaipu Binacional pode ser obrigada a apresentar dados sobre os convênios firmados, o que não ocorre desde agosto no site da empresa, e ainda os documentos de prestação de contas dos beneficiários para acompanhamento do destino do dinheiro público.
““Estamos estarrecidos com as notícias de gastança de Itaipu e fiz o requerimento para que o TCU auxilie na fiscalização”, disse o parlamentar. O documento recorda que a falta de fiscalização é justificada pelas autoridades pela omissão do tratado internacional ao abordar o tema e também pela necessidade de instituição de um órgão de controle específico para usina binacional.
“As informações mais recentes dão conta que a criação da ‘Comissão Binacional de Contas’, conforme acordo firmado entre o Brasil e Paraguai em novembro de 2021, encontra-se sem avanços e sem perspectivas”, acrescenta o pedido de auxílio.
Para o setor elétrico, consumidor paga a conta por gastos socioambientais de Itaipu
Na última sexta-feira (21), o Ministério das Relações Exteriores do Brasil comunicou que até o dia 30 de maio será firmado o novo anexo C do Tratado de Itaipu, nos termos do documento “Entendimento entre Brasil e Paraguai sobre Diretrizes Relacionadas à Energia de Itaipu Binacional”, que foi acordado entre os países parceiros em abril do ano passado.
O acordo é criticado por representantes do setor elétrico, que consideram que as negociações diplomáticas conduzidas pelo governo petista aumentaram o custo da energia para o Brasil. O presidente do instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, afirma que, se o mesmo entendimento for mantido, o consumidor brasileiro continuará pagando a conta pela má gestão dos recursos e pela fraqueza diplomática do governo na negociação com o Paraguai.
Sales lembra que o valor negociado do Custo Unitário do Serviço de Eletricidade (Cuse) foi fixado em US$ 19,28/kW ao mês até 2026, sendo que o Brasil poderia estar pagando cerca de US$ 10/kW mês pela energia de Itaipu. Além disso, ele comenta que a situação é agravada pelo “orçamento paralelo” do governo destinado aos eventos e convênios socioambientais sem os instrumentos normativos de controle.
“Não é submetido ao TCU, sequer aos critérios do Orçamento Geral da União. É um orçamento paralelo administrado pelo governo para fazer a política que ele quiseràs custas do consumidor de energia. Isso vai para a conta de luz do brasileiro”, ressalta.
Setor elétrico alerta que, se o entendimento for mantido, o consumidor brasileiro continuará pagando a conta pela má gestão dos recursos e pela fraqueza diplomática do governo Lula na negociação com o Paraguai.
O presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata, afirma que a quitação do financiamento para construção de Itaipu resultaria em uma “redução substancial” da conta de energia elétrica e, se os termos do acordo forem confirmados pela alta cúpula dos dois países, a discussão pode ser levada para o Congresso Nacional.
Após a oficialização do novo anexo C do Tratado de Itaipu, o documento assinado pelos representantes brasileiros precisa ser submetido ao Parlamento. “Esse acordo deverá ser levado ao Congresso e nós vamos sensibilizar os deputados e senadores do quão danosa essa negociação está sendo para os consumidores brasileiros. ”