O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a ouvir nesta segunda-feira (19) as primeiras testemunhas no processo que apura uma suposta tentativa de golpe de Estado após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas eleições presidenciais de 2022. As oitivas decorrem da Operação Tempus Veritatis, deflagrada em 8 de fevereiro pela Polícia Federal.
Entre os convocados para prestar depoimento estão os ex-comandantes do Exército, general Freire Gomes, da Marinha, almirante Almir Garnier, e da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, além do ex-governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).
As oitivas ocorrem no âmbito da ação penal movida contra Bolsonaro e outros sete investigados, acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de articulação para manter o então presidente no poder por meios ilegais. A fase de depoimentos se inicia após o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, negar o pedido feito pela defesa de Bolsonaro para o adiamento das audiências, neste sábado (17).
Em pedido ao ministro, a defesa do ex-presidente alegou que a quantidade de provas no caso é muito grande e há dificuldades técnicas para fazer o download de todo o material. A solicitação ocorreu após Moraes conceder a Bolsonaro acesso integral a provas da investigação.
Os depoimentos desta semana são considerados estratégicos para a instrução do processo, especialmente por envolverem nomes que, segundo a PGR, teriam sido abordados pelos acusados com o objetivo de aderirem a um suposto plano de golpe de estado. Em declarações prestadas anteriormente ao Ministério Público, os ex-comandantes das Forças Armadas disseram que rejeitaram qualquer movimentação nesse sentido, o que contribuiu para enfraquecer a tentativa de ruptura institucional.
A ação penal tramita em ritmo acelerado no Supremo, com Alexandre de Moraes buscando concluir a fase de instrução ainda neste primeiro semestre. Além de Bolsonaro e Anderson Torres, são réus no processo auxiliares próximos do ex-presidente, como Filipe Martins e o coronel Marcelo Câmara, apontados como elos entre o núcleo político e militar da alegada conspiração. Confira quem são os integrantes do núcleo 1.
Jair Messias Bolsonaro – ex-presidente da República;
Alexandre Ramagem – ex-diretor-geral da Abin e atual deputado federal;
Almir Garnier – almirante e ex-comandante da Marinha;
Anderson Torres – ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF;
Augusto Heleno – general da reserva e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
Mauro Cid – tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
Paulo Sérgio Nogueira – general e ex-ministro da Defesa;
Walter Braga Netto – general da reserva, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, e vice de Bolsonaro nas eleições de 2022.
Ex-comandantes disseram ter rejeitado plano de golpe
Em depoimento à PGR, Freire Gomes e Baptista Júnior afirmaram que foram procurados por integrantes do núcleo próximo a Bolsonaro com propostas de adesão a um plano para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo os depoimentos, a pressão aumentou após a derrota eleitoral do então presidente em 2022.
O ex-comandante do Exército afirmou que Bolsonaro o consultou, em reuniões com outros generais, sobre a possibilidade de decretar um Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), medida que poderia ser usada para contestar o resultado das urnas. Gomes também revelou que, diante da insistência de Bolsonaro e da escalada da crise institucional, chegou a dizer que prenderia o presidente, caso ele insistisse na tentativa de ruptura.
Na mesma linha, o brigadeiro Carlos Baptista Júnior, que comandava a Força Aérea Brasileira, confirmou à PGR que houve articulações dentro do Palácio do Planalto para viabilizar juridicamente um golpe, mas que todos os chefes militares se colocaram contra a proposta. Baptista Júnior também afirmou que ele e Freire Gomes também tentaram dissuadir Bolsonaro de realizar qualquer ação para evitar a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
O almirante Garnier, ex-comandante da Marinha, negou ter participado de qualquer plano de golpe de estado. Segundo o relato dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, o oficial da Marinha teria sido o único dos três comandantes das Forças Armadas a concordar com o plano.
Bolsonaro e Anderson Torres pediram acareação com ex-comandantes
As defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-ministro da Justiça Anderson Torres solicitaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) a realização de acareações com os ex-comandantes das Forças Armadas que relataram à PGR pressões e articulações para impedir a posse de Lula. A medida, segundo os advogados, visa esclarecer supostas contradições nos depoimentos prestados por testemunhas-chave do caso.
A defesa de Torres alega que o ex-ministro “jamais cogitou, participou ou anuiu com qualquer iniciativa tendente à abolição do Estado Democrático de Direito”. Segundo os advogados, a versão apresentada pelos militares, especialmente pelo general Freire Gomes e pelo brigadeiro Baptista Júnior, “não condiz com a realidade dos fatos” e deve ser confrontada diretamente com o réu, sob supervisão judicial. A intenção seria demonstrar que Torres não participou de qualquer trama.
Antes de obter acesso às provas do processo, em março, a defesa de Bolsonaro chegou a questionar o depoimento de Freire. Para o advogado do ex-presidente, Fabio Wajngarten, o general tem “memória seletiva”, pois recorda de “vírgulas, frases e palavras, mas não se recorda de datas”.
“Tem general com memória seletiva…. Recorda-se de vírgulas e frases e palavras, mas não se recorda de datas. Bem curioso. Mais ainda as defesas não terem nenhum acesso à esse depoimento folclórico”, disse Wajngarten.
Ministros da Primeira Turma votam com Moraes
Como relator da ação penal, o ministro Alexandre de Moraes tem papel central na condução do processo. Suas decisões se apoiam em um histórico robusto de julgamentos recentes relacionados aos atos de 8 de janeiro de 2023, nos quais o STF já analisou centenas de ações penais. Em sessões virtuais, tanto o plenário quanto a Primeira Turma rejeitaram diversos pedidos de nulidade apresentados pelas defesas dos réus.
Na Primeira Turma, Moraes tem contado com o apoio consistente dos ministros Cármen Lúcia, Flávio Dino e Cristiano Zanin, que vêm acompanhando seus votos de forma unânime. A única voz dissonante até agora foi a do ministro Luiz Fux. Durante o recebimento da denúncia, Fux criticou a severidade das penas impostas aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, questionou os termos da delação premiada de Mauro Cid e se posicionou contra o julgamento do caso tanto pela Primeira Turma quanto pelo próprio Supremo.
Apesar das críticas, Fux acabou vencido. No momento decisivo de acolher a denúncia — etapa em que se avalia a existência de indícios suficientes de crime e autoria —, ele acompanhou Moraes, elogiando sua atuação como relator.
Mais recentemente, no último dia 9, Fux também votou com Moraes ao rejeitar o pedido de suspensão total da ação penal, aprovado anteriormente pela Câmara dos Deputados. Por unanimidade, a Primeira Turma decidiu que a suspensão só se aplica ao deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) e apenas em relação a parte dos crimes a ele atribuídos, ligados aos atos de vandalismo nas sedes dos Três Poderes.