Eleito presidente da Câmara em 1º de fevereiro deste ano, Hugo Motta (Republicanos-PB) impôs um novo ritmo – mais lento – para as votações no plenário da Casa ao longo dos últimos meses. Neste período, o deputado dedicou parte da sua agenda para viagens fora do Brasil e travou o avanço de propostas como a anistia aos presos do 8 de janeiro, encampada pela oposição, e a da isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, do governo.
Na semana passada, por exemplo, Motta paralisou as votações na Câmara e apenas sessões solenes aconteceram no plenário. O presidente da Casa participou entre terça-feira (13) e quarta-feira (14) da semana passada de um fórum com empresários e outras autoridades em Nova York, nos Estados Unidos.
“Nós vamos trabalhar para blindar a nossa pauta da polarização. Tenho me esforçado bastante para que implementemos essa agenda. Essa pacificação passa pela harmonia entre os Poderes, mas cada Poder tem que fazer autocrítica para colaborar com essa harmonia”, disse Motta durante o evento.
Nos bastidores, líderes partidários do Centrão admitem que Motta tem colocado para avançar apenas temas de consenso, enquanto segura as pautas de interesse da oposição, liderada pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, e também as da base do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A bancada do PL aguarda, por exemplo, que o presidente da Câmara retorne à Câmara para discutir uma resposta institucional ao Supremo Tribunal Federal (STF) no caso do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ). A Primeira Turma da Corte resolveu, por unanimidade, limitar os efeitos de uma resolução aprovada pelos deputados e que havia determinado a suspensão da ação penal contra Ramagem enquanto durar o mandato do parlamentar. Em paralelo, o julgamento avança no STF com o interrogatório de testemunhas.
“Nós estamos com a assessoria jurídica da Casa estudando o assunto para ver como a Câmara irá se posicionar”, disse Motta à CNN Brasil ao ser questionado sobre o tema nos EUA.
A expectativa do partido de Ramagem é de que o presidente da Câmara atue para defender as prerrogativas constitucionais dos parlamentares. “Quando um único ministro escolhe desconsiderar, de forma explícita, a vontade expressa da maioria do Parlamento, ele ataca a representação popular, o princípio democrático e a independência entre os Poderes”, afirmou Luciano Zucco (PL-RJ), líder da oposição.
Anistia e CPI do INSS ficam na gaveta de Hugo Motta
Antes da viagem aos EUA, Hugo Motta também já havia se ausentado do Brasil durante uma semana em março. À época, ele integrou a comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na viagem ao Japão e ao Vietnã.
Na ocasião, a ausência de Motta inviabilizou, por exemplo, a articulação da oposição para que o projeto da anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023 fosse discutido na Casa. Após retornar ao Brasil, o presidente da Câmara costurou um acordo junto ao Colégio de Líderes para que o requerimento de urgência da proposta não fosse pautado no plenário, mesmo diante da assinatura da maioria dos deputados.
Durante ato em Brasília, em 7 de maio, o deputado Luciano Zucco foi um dos parlamentares que cobraram o presidente da Câmara e pediram para que Hugo tenha “respeito” aos parlamentares. “Presidente Hugo Motta, respeito é uma via de mão dupla. Respeite os deputados, os senadores, respeite o Brasil. Paute a anistia, pois ela é com certeza a maior justiça que o senhor vai fazer”, afirmou o líder da oposição na Câmara.
Já o deputado Nikolas Ferreira afirmou que o presidente da Casa não pode ficar refém de uma decisão de uma pessoa, em referência ao ministro Alexandre de Moraes, do STF. “Deputado Hugo Motta, você foi eleito com os nossos votos. Confiamos, e o povo brasileiro está aqui andando, caminhando e pedindo para você: paute anistia por honra, por dignidade e por fazer o que é certo, porque o nosso país não pode ficar refém simplesmente por uma decisão de uma pessoa”, declarou.
Além da anistia, Hugo Motta também deixou na sua gaveta o pedido de instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para tratar da crise do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O requerimento foi protocolado no dia 30 de abril, mas Motta já sinalizou que existem pelo menos 12 pedidos de CPIs protocolados e que estão à espera de algum encaminhamento.
O regimento interno da Câmara permite que até cinco CPIs funcionem ao mesmo tempo. Atualmente, nenhuma está ativa na Casa. Caso a iniciativa não avance, a oposição também protocolou um requerimento que pede a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), formada por deputados e senadores. Esse tipo de colegiado deve ser instalado pelo presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (União-AP). A estratégia busca driblar o cenário apertado para a instalação de uma CPI na Câmara.
Agenda do Palácio do Planalto está estagnada na Câmara dos Deputados
Em outra frente, o esvaziamento da pauta da Câmara também tem impactado a agenda de prioridades do governo Lula. Das 48 propostas prioritárias listadas pelo Palácio do Planalto para este ano, apenas duas foram aprovadas pelos deputados.
A primeira trata das novas regras de alocação de recursos federais em situações de calamidade e que já foi sancionada por Lula. Além disso, os parlamentares também aprovaram um projeto para a ampliação para 30% nas cotas raciais no serviço público, mas ele ainda aguarda sanção.
Por outro lado, propostas importantes para o governo não foram discutidas, especialmente a que trata da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Hugo Motta indicou o deputado Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da Casa, para ser o relator do projeto e instalou no dia 6 de maio a comissão especial para tratar do tema, mas o colegiado ainda não se reuniu diante do esvaziamento da Câmara.
O relator tem sinalizado que pretende entregar o seu parecer até o final de junho, antes do recesso parlamentar. “A nossa vontade é entregar, ainda no primeiro semestre, o projeto enxuto, correto, se possível já negociado ao longo do tempo com o relator no Senado”, afirmou Lira.
Já o presidente da Câmara chegou a falar que a votação em plenário pode ficar apenas para o mês de agosto, após o recesso parlamentar. “Penso que talvez fique para a Câmara votar após o recesso, já no segundo semestre. Não acredito que a Câmara vote isso antes do segundo semestre, porque é uma medida que tem um impacto muito grande, dependendo de como ela vai ser construída, para a nossa economia”, disse Hugo Motta.
A empresários em Nova York, o deputado sinalizou na semana passada que o principal desafio na proposta do governo diz respeito às formas de compensação para bancar a isenção. O texto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prevê que ela seja compensada por meio de uma alíquota mínima de 10% sobre a renda das pessoas que ganham acima de R$ 50 mil mensais. A tributação desse grupo, no entanto, enfrenta resistências dentro do Congresso.
“Nosso maior desafio é encontrar uma compensação justa para que não tenhamos nenhuma medida sendo tomada que venha a prejudicar o crescimento econômico do nosso país”, disse Motta.