O mundo inteiro reage às decisões de um único homem, Donald Trumpque, no comando da nação mais poderosa do planeta, decide impor tarifas (ou suspendê-las parcialmente por um prazo determinado, como acaba de acontecer enquanto escrevo estas linhas) contra quase todos os parceiros comerciais. Muitos de seus mais entusiasmados admiradores têm certeza de que tudo obedece a um grande “jogo geopolítico” para reduzir as tarifas alheias, para enfraquecer e “cercar” a China, entre outras especulações que têm lugar quando não se dispõe, é verdade, do conhecimento de todas as cartas à mesa.
São diversos, porém, os intelectuais e analistas “à direita”, como o grande Thomas Sowell, que advertem para os perigos das experimentações caóticas do presidente eleito pelo Partido Republicano, das incertezas demasiadas que cria para os agentes do mercado e para a saúde da economia global e de seu próprio país. É verdade que até mesmo Adam Smith admitia que se cogitasse a adoção de políticas protecionistas em casos muito excepcionais, estando entre eles a perspectiva consistente de “forçar” o país alvo a reduzir seus próprios impostos e a manutenção doméstica de setores considerados essenciais à defesa (como ele próprio julgava ser, especificamente, a indústria naval britânica em seu tempo).
+ Leia notícias de Economia em Oeste
Por outro lado, está demonstrado que os critérios adotados para os cálculos das tarifas impostas por Trump são de índole mercantilista (portanto, não-liberal e até mesmo mais primitiva que um paradigma socialista propriamente dito), fundamentados na balança comercial em vez de em uma suposta reciprocidade às taxas alheias — além do que o magnata americano defende a falsa virtude da ideia protecionista desde os anos 80, quando sequer pertencia ao seu atual partido, e assumiu este segundo mandato elogiando o ex-presidente McKinley, para quem impostos eram fonte de riqueza.
Analfabeto em liberalismo
Os liberais, no mínimo, tendo a seu dispor todo o patrimônio de conhecimento acumulado pela ciência econômica, devem hesitar diante de tal receituário trumpista. Porém, isso não justifica a idiotice extrema de acreditar na balela de países como Brasil e China como defensores do livre-comércio, da civilidade, do multilateralismo, protegendo os fracos e oprimidos contra o tacanho protecionismo norte-americano. O presidente Lula não pode achar que a sociedade brasileira é tão basbaque que não perceberá a pornográfica contradição de seu discurso com os mais óbvios imperativos do mundo real.
“Queremos o livre-comércio, o multilateralismo e uma relação civilizada entre o mundo”, disparou Lula, em sua conta no Twitter, no último dia 9. “Juntos, nós somos muito fortes.” Ainda em março, ele havia garantido que “estamos mostrando que não há nada melhor para um país como o Brasil do que apostar no multilateralismo. Somos favoráveis ao livre-comércio, não queremos protecionismo”. Também recentemente, Lula, que condenou o fantasma do “neoliberalismo” em toda a sua vida pública, resolveu reclamar de que Trump estava atraiçoando o “pacto neoliberal” de Ronald Reagan e Margaret Thatcher.
Do ponto de vista dos países membros do Brics, eles seriam promotores do diálogo, da tolerância, de uma ordem internacional marcada pela união. No dia em que o Brasil tiver um Judiciário situado em seu devido lugar e estabelecer a dosimetria de penas para os presos do 8 de janeiro, desfazendo-se de uma tecnologia burocrática que ameaça as liberdades individuais sob o pretexto de “proteção às instituições”; quando a China de Xi Jinping libertar os ativistas pró-democracia de Hong Kong e cessar seu suporte à ditadura medonha da Coreia do Norte; no lindo alvorecer em que, por exemplo, o Irã decidir não financiar mais o terrorismo e os aiatolás forem literalmente enxotados, aí, sim, é que esses países poderão falar alguma coisa sobre combater o extremismo e promover a negociação e a sociedade aberta. Aí, sim, Lula poderá ter alguma expressão moral para pelo menos ser ouvido ao dizer estultices como a de que os EUA elegeram um nazista para a Casa Branca.
O fracasso petista
Do ponto de vista econômico, a piada não poderia ser mais sem graça. O protecionismo tem uma longa trajetória no Brasil, desde o industrialismo de Roberto Simonsen, passando pelo desenvolvimentismo embasado nos economistas estruturalistas cepalinos. Um estudo da Inter B Consultoria mostrou que a média da participação do comércio exterior brasileiro em relação ao PIB entre 2009 e 2015 (tudo dentro da era PT anterior, portanto) foi de 24%, sendo a média global superior ao dobro. Constituímos ainda um dos países mais isolados comercialmente do mundo — e nossa população paga o preço por isso, sendo forçada a adquirir produtos mais caros. O resultado de décadas de apostas contínuas nesse sistema foi a consolidação de deficiências crônicas em nossa economia e nenhum retorno efetivo em produtividade ou geração de renda.
Trump até pode ter muitas coisas a aprender. Lula, porém, não tem nada a ensinar a ele.
O post Será o advento do ‘liberalismo sino-lulista’? apareceu primeiro em Revista Oeste.
Leia a materia original do artigo