Nesta terça-feira, o Comitê de Política Monetária do Banco Mediano (Copom) inicia sua última reunião do ano, e a decisão sobre a taxa Selic será tomada em meio a um envolvente universal de pessimismo, disparado pelo tímido pacote de medidas econômicas – chamá-lo de “pacote de corte de gastos” seria um enorme excesso – anunciado no termo de novembro pelo ministro da Herdade, Fernando Haddad. A mais recente pesquisa Focus, divulgada nesta segunda-feira, mostrou uma vez que as previsões se deterioraram rapidamente, afetando inclusive as perspectivas para os próximos anos.
A recusa com o pacote tem as mesmas dimensões da expectativa que ele havia gerado, principalmente a partir de declarações de ministros uma vez que Simone Tebet, que pareciam estar acordando para o sério problema fiscal que o Brasil atravessa. Os déficits fiscais primários se tornaram recorrentes, a dívida pública uma vez que proporção do Resultado Interno Bruto (PIB) está em perigosa trajetória de subida, e a demanda cresce puxada por gastos do governo supra das receitas tributárias e por elevação do endividamento das famílias para compra de bens de consumo. Tudo isso cria pressão sobre a inflação; as consequências já bastante conhecidas deste roteiro são elevações na taxa básica de juros, aumento do preço do dólar (que superou a marca psicológica dos R$ 6) e queda no índice de ações na bolsa de valores (puxada, em secção, pela saída de investidores estrangeiros).
Um vista importante é que tais indicadores ruins ocorrem em um momento no qual não há crises de produção. O PIB não está em recessão, pelo contrário: as últimas análises especializadas, inclusive o boletim Focus, preveem que o PIB crescerá 3,39% neste ano e 2% ao ano entre 2025 e 2027. Outro indicador que apresentou melhora é o índice de tarefa, mostrando que o setor produtivo está em período ascendente. Apesar disso, as reações ao pacote de medidas do governo – principalmente a subida da taxa de câmbio, o recuo da bolsa e a expectativa altista da Selic – têm raízes na política fiscal (persistência de déficits fiscais e propagação da dívida pública, que aumentou R$ 1,8 trilhão na atual gestão de Lula e chegou a R$ 9 trilhões, o equivalente a 78,6% do PIB) e na percepção de que o governo inchou demais a máquina estatal, ampliou gastos com pessoal e custeio, muito uma vez que na percepção das empresas e das pessoas de que deve vir aumento da trouxa tributária, tanto a atual quanto aquela que resultará da reforma tributária em tramitação no Congresso Pátrio.
A decisão sobre a taxa Selic será tomada em meio a um envolvente universal de pessimismo, disparado pelo tímido pacote de medidas econômicas anunciado no termo de novembro
Apesar de o governo declarar que seu pacote terá um efeito de R$ 70 bilhões nos gastos entre 2025 e 2026, a promessa tem duas fraquezas sérias: a primeira é o roupa de não se tratar de um galanteio de gastos propriamente dito, mas de uma redução no ritmo da elevação do gasto público, que seguirá crescendo; a segunda é o roupa de não possuir explicação detalhada de uma vez que isso será executado. Outra crença incutida na mente dos investidores, empresários e agentes de mercado (inclusive profissionais liberais e trabalhadores em universal) é de que o governo aumentará ainda mais os gastos públicos em função de medidas uma vez que correção de benefícios sociais (uma vez que o BPC, o abono salarial, salário mínimo etc.), ao lado de medidas que reduzirão a arrecadação, a exemplo da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 milénio mensais e a taxação de 10% sobre rendimentos supra de R$ 600 milénio por ano, mesmo que isentos.
É muito verdade que o governo fala em rever a aposentadoria dos militares, limitar os supersalários do funcionalismo público e diminuir desembolsos com emendas parlamentares. Esse pacote se mistura a outros anúncios anteriores, uma vez que aumento da tributação dos super-ricos, a elevação no imposto sobre doações e heranças, e a tributação sobre dividendos (distribuição de lucros aos acionistas de empresas de capital franco), e tudo isso assusta o mercado e a sociedade em universal quanto à possibilidade de explosão da trouxa tributária, a ponto de desestimular a atividade econômica.
Nesse inextricável de medidas, vale registrar o caso específico da tributação sobre dividendos, distribuídos depois a empresa remunerar Imposto de Renda de 25% sobre o lucro, mais 9% de Taxa Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), perfazendo 34% de tributo sobre o lucro de empresas (para os bancos, a CSLL é de 21%; outras instituições financeiras pagam 16%). Todo esse aumento da trouxa tributária sobre bancos e outras instituições financeiras será repassado para os tomadores de empréstimos por meio de elevação das taxas de juros.
O Copom tem repetido, em seus comunicados e atas, que uma inversão do ciclo de aperto monetário atual depende de medidas fiscais sólidas e críveis. Que o pacote de Haddad não se encaixa nesse critério fica evidenciado pelas palavras do escolhido por Lula para ser o horizonte presidente do Banco Mediano. Em 28 de novembro, Gabriel Galípolo disse que a taxa básica de juros seguirá subida e será calibrada da forma necessária para segurar o progresso da inflação, que já superou o limite supremo de tolerância previsto para o ano, de 4,5%. Galípolo reiterou a premência de manter a Selic em patamar contracionista para atingir a meta de inflação fixada em 3%.
Dizendo de outra forma, o novo presidente do BC, que assume o função em janeiro, está afirmando que a taxa Selic pode continuar elevada. Enquanto isso, o presidente Lula e a deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, continuam sua campanha de ataques grosseiros ao atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, acusando-o de manter a Selic elevada para propiciar os banqueiros. A partir de 2025, quando os indicados por Lula serão maioria no Copom, o Brasil não sabe se prevalecerá o que diz Galípolo, ou se a taxa de juros será aquela que Lula mandar o Copom concordar – o presidente da República, recorde-se, já chegou a manifestar que não faz sentido o BC ter autonomia, nem o roupa de Lula não poder dar ordens ao presidente do órgão e demiti-lo caso ele não as cumpra (por mais que a Selic não seja decisão individual, mas dos nove membros que compõem o Copom).
Os elementos de toda essa confusão só podiam dar origem a um pacote tão multíplice quanto pífio, que amplia incertezas sobre sua aprovação e sobre o horizonte econômico do país. Não é zero surpreendente que, agora, o consenso sobre a reunião que se inicia nesta terça-feira aponte para uma elevação de 0,75 ponto porcentual na Selic, contra a subida de 0,5 ponto que se previa até poucos dias detrás. Porquê se não bastasse, a última pesquisa Focus mostra que o mercado financeiro espera a manutenção do ciclo de aperto em 2025, com uma piora ainda mais drástica nas previsões, que um mês detrás eram de Selic em 11,50% no termo do próximo ano, mas subiram para 12,63% na semana passada e 13,50% nesta segunda-feira. Para completar, a mediana das estimativas de inflação para 2025 também já estourou o limite supremo da orquestra de tolerância, indicando a persistência da temida “desancoragem das expectativas”, que o Copom considera o principal gatilho para novas altas de juros.