Os violentos ataques antissemitas, de grupos pró-palestinos, contra torcedores do Maccabi Tel-Aviv, na quinta-feira 7, fizeram as ruas de Amsterdã voltarem no tempo. Na história, a cidade já foi palco de muita intolerância religiosa, principalmente nos anos 1940, quando boa parte da população colaborou com o regime nazista.
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Testemunhas e vítimas descreveram os ataques contra os torcedores como orquestrados por gangues, predominantemente árabes e muçulmanas radicais, que utilizaram paus e facas para agredir os israelenses.
As autoridades locais não conseguiram impedir a violência, com relatos de motoristas de táxi também se envolvendo nos ataques. A polícia prendeu dezenas de suspeitos, mas muitos ainda estavam livres dias depois do ocorrido.
O episódio foi descrito como um pogrom (ataque a judeus na Europa nos séculos 19 e 20) pelo presidente israelense Isaac Herzog. A tensão religiosa na Holanda sempre teve picos, motivados por gatilhos respectivos a cada época.
Depois dos ataques do grupo terrorista Hamas, em 7 de outubro, que assassinou 1,2 mil pessoas e sequestrou mais de 250, essa hostilidade recrudesceu em algumas regiões da cidade holandesa.
A própria origem da Holanda, parte dos Países Baixos, carrega em parte uma tensão religiosa. O país ficou independente depois da Guerra dos 30 anos (1618-1648), um conflito devastador que envolveu grande parte da Europa.
Inicialmente travada entre católicos e protestantes, mas também entre potências políticas, a guerra foi crucial para a nação. Resultou na independência da região do Império Espanhol, com a assinatura da Paz de Westfália em 1648, que reconheceu os Países Baixos (República das Sete Províncias) como um Estado soberano.
Esta guerra também teve impactos econômicos e sociais profundos, ao promover a ascensão da burguesia e o fortalecimento do comércio e da navegação. Fez dos Países Baixos uma potência comercial global.
O caso de Espinosa na Holanda
O conflito, que ajudou a dar origem à Europa moderna, intensificou esse clima de intolerância religiosa. Muitas potências protestantes e católicas viam nos judeus um símbolo de divisão religiosa.
Na Holanda, porém, os judeus até que encontraram um grau considerável de tolerância. Que, no entanto, oscilava. Em vários períodos de crise, a tolerância era limitada e, muitas vezes, acompanhada de restrições sociais e legais.
No século 17, os judeus estavam entre os grupos tolerados na Holanda, mas sempre viveram sob uma vigilância crítica. O filósofo Baruch Espinosa (1632-1677), um judeu que se destacou por suas ideias liberais e críticas à religião, também foi uma figura emblemática desse período de coexistência tensa.
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Justamente por questionar a ortodoxia judaica e atribuir à bíblia um papel simbólico, como uma “alegoria metafórica”, acabou sofrendo o cherem (excomunhão, em hebraico), pela Sinagoga Portuguesa de Amsterdã.
Racionalista, com inspiração em René Descartes (1596-1650), Espinosa se expôs às críticas por sua visão panteísta, na qual Deus é a força imanente da natureza, em vez de uma entidade transcendental que controla o mundo.
Naquele momento, inseguros depois de os judeus passarem por várias perseguições, como as várias fases da Inquisição (desde 1182 até o início do século 20, em Roma), os dirigentes religiosos temiam criar pretextos para serem perseguidos também em território holandês.
Eles ainda tinham o trauma recente causado pela expulsão dos judeus da Espanha (em 1492, pelo Rei Fernando II de Aragão e Rainha Isabel I de Castela) e de Portugal (1497, pelo Rei Manuel I). Os episódios fizeram parte da Inquisição nos dois países.
O receio dos religiosos judeus era o de dar abertura para um de seus discípulos questionar o poder concreto de Deus. Tal conceito era contrário também aos preceitos cristãos.
Foi este o motivo principal da expulsão de Espinosa, que passou a trabalhar com polimento de lentes. Viveu em que em casas de famílias em Outerdek (perto de Amsterdã), e em Rijnsburg.
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Apesar de prosseguir na construção de sua obra, por meio de postulados, recusou várias oportunidades e recompensas durante sua vida, em cátedras em universidades.
Em cada época, um pretexto
Segundo o psicanalista Paulo Blank, doutor em Comunicação e Cultura, a relação entre a intolerância religiosa, que inclui o antissemitismo, e a Guerra dos 30 Anos pode ser vista a longo prazo: “Nos países de tradição protestante, também se alimentou o ódio aos judeus”, lembra o especialista.
“[Martinho} Lutero [1483-1546], teólogo alemão e figura central na Reforma Protestante, achava que os judeus se converteriam ao protestantismo, mas, quando isso não aconteceu, escreveu coisas horríveis sobre eles.” Este contexto reflete a complexa relação entre o protestantismo e o antissemitismo, que se perpetuou na Europa, inclusive nos Países Baixos.
Desde então, o antissemitismo passou a voltar com outras roupagens. Na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), foi alimentado pelo nazismo. E, nos tempos atuais, pode estar se caracterizando como um movimento originado na hostilidade radical islâmica ao Estado de Israel, conforme admite Blank.
“Em cada época houve pretextos bem diferentes para a perseguição de judeus.”