Para um equilíbrio social e desenvolvimento político adequado, precisam estar presentes elementos como a moral, a ética, a justiça, valores, cultura e educação. Contudo, para mirar nesses caros valores o ideal é que estejamos cientes que influências externas podem exercer sobre nós um certo torpor, ambiguidade, manipulação ou falsa percepção de ações como lógicas e reais. Em se tratando de um comportamento no âmbito político, temos que perceber a formação de paralogismos massivamente replicáveis na sociedade ainda que revestidos falsamente de forte altruísmo, justiça, verdade e combate ao mal.
Paralogismos são criados e utilizados na esfera política com estratégias diversas e usualmente resultantes de uma narrativa manipulatória e intencional, esses elementos falsamente utilizados têm aparência de verdade ou expectativa de ganho por parte de quem adquire e erroneamente dissemina. Colocando o indivíduo numa espécie de vertigem racional.
Precisamos refletir e tentar perceber se usamos ou somos vítimas dessas estratégias de manipulação, se fazemos parte dos manipulados ou manipuladores
Nesse sentido, cabe lembrar alguns mecanismos amplamente utilizados para a produção de paralogismos políticos. O primeiro deles é chamado de “palavra talismã”. Existem palavras que carregam em si uma aura de valor totalmente imaculada e insuscetível de avaliações, quiçá argumentos contrários. A esses termos o filósofo Alfonso López Quintás em sua obra, La Palabra Manipulada, nomeou de “palavras talismãs”, comumente utilizadas como uma das formas de manipulação para intenções que não necessariamente se encontram vinculadas a tal palavra talismã utilizada.
Palavras não estão necessariamente ligadas às ações e podem facilmente ter a intenção manipulatória. Além disso, palavras podem ser empregadas diferentemente do seu conceito etimológico e assim ganhar novas interpretações a depender da época e principalmente da intencionalidade de quem pretende usá-las.
Mas o fato é que, quando atingem um status de valor absoluto, servem para manipular, já que dificilmente serão questionadas como bem exemplifica Alfonso López Quintás: “Em certos momentos da história, algumas palavras adquirem um prestígio especial. Toda a vida humana parece gravitar ao redor desses termos. A palavra ordem (no século XVII), razão (no século XVIII) e revolução (no século XIX), foram tão valorizadas socialmente que praticamente ninguém ousava questioná-las. Essa auréola de prestígio coube, no século XX, à palavra liberdade, e continua a pertencê-la no início deste século XXI… É tão grande o poder fascinador das palavras talismã, que toda e qualquer proposta que pareça favorecer a liberdade, a autonomia, a independência, a cogestão… costuma ser apoiada de olhos fechado, sem a menor análise crítica. Se um partido político, por exemplo, consegue que sua denominação esteja de algum modo associada ao termo liberdade, tem mais facilidade para impor-se sobre os que não ostentem essa afinidade nominal, ainda que, porventura, sejam estes mais eficazes na defesa da autêntica liberdade humana”.
Outro mecanismo comum é o domínio de putas políticas. Assim como as palavras talismãs, outro aspecto que visa criar paralogismos políticos é o de tomar para si ou para seu espectro político total domínio sobre uma determinada pauta, passando a ideia de que somente esse grupo se preocupa realmente sobre o tema. Pautas gerais são importantes para uma sociedade e não deveriam, em tese, ser defendidas ou trabalhadas por apenas poucos agentes. Anticorrupção, fome, economia, desigualdade, preconceitos, liberdade, dentre outras, não podem servir como exclusividade para ninguém, já que, entende-se que são valores universais e que transpassam qualquer pretensão de amealhar-se em prol de ideologias. João Féder em sua obra Estado Sem Poder, afirma que: “Há líderes, efetivamente, que para se tornarem poderosos não precisam mais do que um simples símbolo”. Erra quem tenta tomar determinada pauta para si, erra quem aceita e passa a combatê-la.
Também pode-se usar ídolos e a crença de um bem sobre um mal para manipular, inclusive eleitores em época de eleições. Espera-se que líderes políticos estejam a serviço do seu povo, do desenvolvimento humano e da comunidade. No entanto, vivemos um processo não formal de beatificação de líderes políticos para que possam agir livremente e sem questionamentos. Essa paixão arrebatadora que não vê defeitos, ou quando enxergam, optam por não se indignar, passando por relativizar, ou por fim, entendem ser um meio necessário para um fim maior. Hoje esse paralogismo demonstra grande parte de sua criação na ideia de um bem contra o mal, a qual todos são bons e todos que não concordam são maus.
Outra estratégia comum é usar enquadramentos e definições. Enquadrar alguém sob uma nomenclatura político ou histórica, apesar de ser amplamente utilizado e aceito no jogo político, quando analisado mais de perto, quase sempre se trata de um paralogismo. Pois ainda que haja a possibilidade de comparação, no mais das vezes, consegue-se identificar prontamente uma forma rasa e eficaz, de manipulação.
Se tornou extremamente banal colocar as pessoas sob apelidos e ameaças. Tendo em alguns casos a percepção de que as pessoas que mencionam tais termos sequer sabem seu real significado e acabam por replicá-los no intuito de colocar seu adversário em situação vexatória, criminal ou publicamente exposta. Termos e argumentos como: “Fascista”; “Comunista”; “Vai pra Cuba!”; “Nazista”; “Faz o Ele”; “Bolsominion”; “Gado”; “Sai de Cima do Muro”; “Isentão” etc., são apenas alguns que fatalmente já ouvimos e temos de lidar no dia a dia. Isso tem o intuito de alimentar a nova cultura digital do cancelamento.
É essa a realidade que vivemos e precisamos refletir e tentar perceber se usamos ou somos vítimas dessas estratégias de manipulação, se fazemos parte dos manipulados ou manipuladores, me parece ser o melhor caminho no afastamento de paralogismos e práticas manipulatórias. A pluralidade de experiências e o convívio social nos faz perceber a necessidade estudar outros espectros políticos e sociais, a fim de conhecer, aprender e entender, para mais adiante refutar, aceitar ou incorporar. E também procurar pontos de equilíbrio e meio-termo para a ocupação de espaços na complexa arquitetura da “pólis”, ao invés de apenas um muro separando dois lados.
Carlos Machado Jr. é empresário, jurista com especialização em Direito Constitucional, filósofo, mantenedor do Grupo Noético e pesquisador em comportamento político no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – Labô.
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