Ao chegar a Rapa Nui — nome dado pelos habitantes nativos à Ilha de Páscoa, no Pacífico Sul, pertencente ao Chile — em 1964, para estudar a cultura, o ambiente e as doenças locais, um grupo de 40 médicos canadenses ficou intrigado com um fato inusitado: ninguém sofria de tétano no local, apesar do solo pedregoso, que causava muitas perfurações nos pés dos nativos, que andavam descalços. Um deles, o microbiologista Georges Nógrády, resolveu descobrir por quê. Em 1965, ele conseguiu. Nógrády isolou uma substância de uma bactéria do solo, chamada Streptomyces hygroscopicus, a qual deu o nome de rapamicina, em homenagem à denominação indígena da ilha.
Inicialmente, o novo composto chamou a atenção por suas propriedades imunossupressoras, sendo aprovada para prevenir a rejeição de órgãos em pacientes transplantados. Hoje, seu uso é ampliado para alguns tipos de câncer, uma vez que inicia uma via de sinalização celular conhecida como mTOR, envolvida no crescimento de tumores.
Nos últimos anos, no entanto, a rapamicina tem ganhado destaque por outro motivo: seu potencial de retardar o envelhecimento. Veículos como o New York Times e o Washington Post têm publicado reportagens sobre essa substância, que já mostrou prolongar a vida de animais de laboratório e vem sendo objeto de estudos científicos para essa aplicação em humanos. A dúvida é se a rapamicina pode mesmo ser uma chave para prolongar a vida humana de forma saudável, e, caso seja, como essa novidade poderá impactar o Brasil.
“Em estudos com camundongos e outros animais, a rapamicina demonstrou que pode aumentar a expectativa de vida”, explica o biólogo Marcelo Alves da Silva Mori, professor de bioquímica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Esse efeito ocorre porque a rapamicina atua inibindo a proteína mTOR, que desempenha papel fundamental na regulação da divisão, crescimento e metabolismo celular.”
Devido a esse efeito de inibição de mTOR, a rapamicina e seus derivados (como everolimus e temsirolimus) também podem ser usados clinicamente em tratamentos de certos tipos de câncer, onde a via de mTOR está desregulada, contribuindo para inibir o crescimento tumoral. “Além disso, também a coloca como uma candidata promissora no campo da gerontologia e das intervenções antienvelhecimento”, acrescenta Mori.
Fase experimental
Embora a rapamicina tenha mostrado resultados promissórios em animais, seu uso em humanos para retardar o envelhecimento ainda está em fase experimental. “Não há, até o momento, um grande ensaio clínico de longo prazo focado exclusivamente na longevidade humana”, alerta Mori. “O que existe são estudos de curto prazo, que avaliam biomarcadores de envelhecimento, como inflamação crônica e função mitocondrial.”
Além de humanos, há também estudos clínicos testando o efeito da rapamicina sobre o envelhecimento de cães. “Assim sendo, por enquanto, o uso de rapamicina ou de seus derivados como intervenção para promoção de longevidade ou para retardar o envelhecimento permanece no campo experimental”, diz Mori.
O farmacêutico-bioquímico Roberto Parise Filho, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), por sua vez, ressalta que os resultados, até agora, são encorajadores. “Um estudo recente, publicado na Lancet Healthy Longevity em 2024, sugere que a rapamicina melhora a imunidade e a saúde cardiovascular e da pele em humanos”, explica. “No entanto, não houve efeitos consistentes em áreas como os sistemas endócrino, muscular ou neurológico.”
De acordo com Parise Filho, outros sistemas, como o respiratório e digestivo, ainda precisam de maiores estudos. Isso significa que, apesar das evidências iniciais, a rapamicina ainda não pode ser considerada uma solução mágica para retardar o envelhecimento em humanos. “Embora os resultados sejam promissores, pesquisas adicionais são necessárias para entender seus efeitos a médio e longo prazos no campo do envelhecimento”, reforça Parise Filho.
Riscos
Apesar de promissora, o uso da rapamicina não está livre de riscos, especialmente quando utilizada por longos períodos. Por ser um imunossupressor, seu uso pode aumentar a suscetibilidade a infecções ou a resistência à insulina. “Por isso, seu uso deve ser cuidadosamente controlado e é alvo de pesquisas contínuas para explorar novas formas de aplicação terapêutica, especialmente no contexto do envelhecimento saudável”, diz Mori.
Segundo Parise Filho, embora em pessoas saudáveis, a substância não tenha apresentado efeitos adversos graves, o mesmo não ocorreu em pessoas com doenças relacionadas à idade. “Nesses indivíduos, houve aumento nos casos de infecções e nos níveis de colesterol e triglicerídeos”, alerta. “Assim, os resultados sugerem que a utilização de rapamicina precisa ser muito bem avaliada, especialmente em pacientes com doenças pré-existentes.”
De acordo com a farmacêutica Márcia Fernanda Galvão, do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no Brasil, o medicamento está aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apenas para prevenção de infecção em transplantes renais e para o tratamento de linfangioleiomiomatose (LAM), uma doença pulmonar rara. Seu uso fora desses casos, como no combate ao envelhecimento, ainda é experimental e deve ser feito com muita cautela, dada a lista de contraindicações. “O medicamento exige vigilância médica rigorosa, devido ao seu potencial imunossupressor e hepatotóxico”, explica.
Alto custo
Um dos grandes desafios para o uso da rapamicina no Brasil, seja para envelhecimento ou outras aplicações, é o custo. Medicamentos à base de rapamicina, como o sirolimo, são caros e acessíveis apenas para uma pequena parcela da população. Além disso, como destaca Galvão, a falta de aprovação para usos além dos transplantados limita seu acesso.
Diante disso, mesmo que as pesquisas continuem mostrando que a rapamicina pode ser uma ferramenta eficaz no combate ao envelhecimento, suas previsões de uso no Brasil enfrentam obstáculos específicos, desde o alto custo até a regulamentação rigorosa para novos usos de medicamentos.
Apesar de a rapamicina ter se destacado como uma substância promissora para prolongar a vida de animais e apresentar potenciais benefícios para a saúde humana, ainda é cedo para considerar esse medicamento como a solução definitiva contra o envelhecimento. Os estudos estão em andamento, e, até que haja dados mais robustos e de longo prazo, seu uso deve ser tratado com cautela, especialmente no Brasil, onde o acesso a tratamentos caros pode limitar a adoção em larga escala.
Enquanto isso, a expectativa em torno da rapamicina só aumenta, alimentando debates sobre como a ciência pode reescrever o envelhecimento humano. Mas, por agora, a porta para a longevidade saudável ainda está trancada, à espera de mais pesquisas.