Em seguida um desempenho ruim da esquerda nas eleições municipais e o desenvolvimento da direita em grandes cidades, o Partido dos Trabalhadores voltou ao tema da regulamentação das redes sociais e apresentou na Câmara dos Deputados uma novidade versão do “PL das Fake News”, também sabido uma vez que “PL da Increpação”.
O novo projeto de lei (PL 4.144/2024), de autoria do deputado Pedro Uczai (PT-SC), propõe regulamentar o teor nas plataformas digitais, com foco no “combate à desinformação”, com a geração de uma escritório reguladora responsável por vistoriar a emprego das novas regras. As empresas que não cumprissem as determinações estariam sujeitas a multas e até à suspensão temporária.
Uczai defende que a medida é forçoso para “proteger a democracia e evitar que campanhas de desinformação comprometam o debate público”. Ao apresentar o projeto, ele diz ainda que há premência de combater a proliferação de informações falsas para proteger “eleitores contra campanhas de desinformação que manipulam a realidade e distorcem os fatos com objetivos escusos”. Porém, especialistas ouvidos pela reportagem alertam que, se aprovada, a proposta resultaria em controle excessivo das redes sociais, criando riscos para a liberdade de expressão.
A nova proposta foi um pedido da presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffman (PR), após ela ter feito um balanço do desempenho da legenda no pleito municipal deste ano, quando conseguiu eleger apenas um prefeito em capital, Fortaleza (CE), e mais 251 gestores em cidades de menor porte.
As chances de o projeto ter andamento, neste momento, são pequenas, já que o debate sobre a regulamentação das redes sociais está paralisado na Câmara desde junho, quando o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), determinou a criação de um grupo de trabalho para o “PL da Increpação”.
Projeto define conteúdos “enganosos” e estabelece multas para divulgação de Fake News
Confira:
O projeto do deputado Pedro Uczai define desinformação como “transmissão de informações incorretas de forma não propositado, que pode ocasionar confusão ou prejuízo ao público”, e informação enganosa como “a disseminação deliberada de informações falsas, com a intenção de enganar ou ocasionar dano, principalmente quando veiculadas uma vez que se fossem verdadeiras”. Para evitá-las, o deputado petista propõe uma série de regras a serem obedecidas pelas big techs:
- Divulgar de forma clara e acessível suas políticas para a prevenção e o combate à desinformação e à informação enganosa;
- Implementar sistemas que garantam a identificação e o combate à desinformação e à informação enganosa, como mecanismos de verificação de fatos, rotulagem de conteúdo que contenha informações contestáveis e criação de mecanismos de fácil acesso para usuários reportarem informações suspeitas;
- Cooperar com órgãos governamentais e associações do setor para o desenvolvimento de condutas que garantam práticas para prevenção e resposta à desinformação e informação enganosa;
- Promover campanhas educativas para informar os usuários sobre como identificar desinformação e informação enganosa;
- Promover a transparência na divulgação de algoritmos de recomendação de conteúdo e nas práticas de moderação, informando os usuários sobre suas políticas.
O texto delega ao Executivo a autoridade para aprovar códigos e “prescrever normas que sejam adequadas à proteção da sociedade brasileira de danos causados pela desinformação e pela informação enganosa” e para examinar “questões sistêmicas” da conduta das plataformas de rede social.
Além disso, a proposta prevê a criação de um órgão regulador para avaliar e definir o que configura a desinformação. O texto estabelece ainda a responsabilização das plataformas, que passam a ter que monitorar e remover conteúdo que se enquadre nos critérios de desinformação, sob pena de sanções, como advertência, multa e “suspensão temporária da atividade de veiculação de teor na plataforma”.
Jurista critica retomada de tentativa de censura sobre as redes
No passado, propostas semelhantes de controlar o conteúdo nas redes sociais não avançaram devido aos alertas sobre a censura que as novas regras permitiram.
O jurista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, critica a retomada do debate no novo projeto, afirmando que “as propostas de regulação no Brasil, vindas do Judiciário ou do Legislativo, são invariavelmente sinônimo de censura e controle,” e que, ao definir “conteúdo incorreto e enganoso” de forma vaga, o projeto abre margem para interpretações que podem limitar a expressão legítima.
A fala de Marsiglia reforça as preocupações de que, em um cenário de polarização, o texto, se aprovado, possa ser utilizado como ferramenta de controle político.
O líder da oposição na Câmara, deputado federal Filipe Barros (PL-PR), disse à Gazeta do Povo que “já ficou batida a litania do PT, que, a cada novo fracasso, corre para jogar a culpa nos usuários das redes sociais, ressuscitando continuamente seu macróbio libido de verberar a população”.
Na opinião do parlamentar, o PT, “por não conseguir mais falar com o brasílio”, recorrentemente sugere “propostas macabras para silenciar milhões de críticos ao lulopetismo”, que se utilizam das redes para expressar sua opinião.
Mas o deputado acredita que a eleição do republicano Donald Trump nos Estados Unidos e sua ofensiva contra a censura sobre as plataformas darão maior fôlego para debater a regulação no Brasil, partindo da premissa, segundo Barros, de que os direitos dos usuários devem ser preservados e de que o clima de “permanente caça às bruxas” precisa acabar.
Com Trump na presidência dos Estados Unidos, e o empresário Elon Musk, dono da rede social X, como seu aliado, a expectativa da direita é de que haja forte resistência a qualquer regulação de conteúdo digital que possa afetar a liberdade de expressão nos EUA.
Projeto para regular redes é um retrocesso para a liberdade de expressão, afirma advogada
O projeto protocolado na Câmara recentemente pelo deputado Pedro Uczai é um retrocesso claro para a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais, segundo afirma a advogada Anne Dias, presidente do LOLA Brasil (Ladies of Liberty Alliance) – organização mundial de mulheres que defendem a liberdade.
“Em vários momentos da história, vemos tentativas de exprobação quando o poder de notícia cresce e alcança a população em grande graduação. Um exemplo é o surgimento da prelo, que assustou as autoridades pela capacidade de vulgarizar teor rapidamente, levando a tentativas de controle. Esse projeto reflete o mesmo impulso: o temor que as autoridades têm do poder de mobilização social”, destaca Anne Dias.
Ainda de acordo com a presidente do LOLA Brasil, é natural que propostas desse tipo surjam, especialmente em contextos autoritários, e caberá a sociedade e ao parlamento resistir e se articular pela derrubada do projeto, assim como ocorreu com a iniciativa anterior de censurar as redes, por meio do PL 2.630/20.
Na opinião da advogada que comanda a organização de mulheres que defendem a liberdade, o texto tem pontos problemáticos, como citar de maneira genérica termos como liberdade de expressão e liberdade de imprensa.
“É uma vez que levantar uma bandeira pela liberdade enquanto se cria mecanismos para restringi-la. A violação à liberdade de prelo é clara em medidas uma vez que essa, um tanto que já vimos intercorrer com o uso criticável do judiciário para perseguir veículos”, ressalta Anne Dias.
“Antes, faltava respaldo lítico para justificar tais ações, mas, caso essa lei seja aprovada, será muito mais fácil que qualquer órgão regulador exija a remoção de teor que considere ‘desinformação.’ Foi o que vimos também nas eleições de 2022, quando o judiciário proibiu termos uma vez que ‘ex-presidiário,’ ‘descondenado,’ ‘ladrão,’ ‘corrupto,’ e ‘gerente de organização criminosa’ pela prelo para se referir a um candidato específico. Essas são interferências diretas que enfraquecem o princípio tão valioso da liberdade de sentença”, conclui a presidente do LOLA Brasil.
Outro aspecto que preocupa no projeto que pretende regulamentar as Fake News diz respeito a possibilidade de suspensão temporária das atividades de uma plataforma. “No Brasil, já testemunhamos uma medida semelhante, tomada sem qualquer respaldo lítico, quando um ministro determinou o bloqueio de uma rede social inteira [o X], por mais de um mês, e impôs multas desproporcionais, uma das maiores violações à liberdade de sentença da história recente do país”, lembra a advogada.
Para ela, medidas desse tipo ferem não apenas o princípio da liberdade de expressão e de imprensa, mas também a liberdade econômica, pois a suspensão de uma plataforma afeta não só o direito dos usuários de se expressarem, mas também compromete o funcionamento de negócios e o sustento de profissionais que dependem dessas redes para suas atividades.
“Ao conceder poderes tão amplos para intervir na operação das plataformas, o projeto abre espaço para abusos e pode estabelecer um precedente perigoso de exprobação do dedo, limitando a volubilidade de vozes e a circulação de informações”, conclui Dias.
Resistência ao controle das Big Techs no Congresso
O “PL da Censura”, relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), chegou a ter a urgência pautada no plenário no ano passado, mas não avançou por falta de acordo e acabou sendo “engavetado” por Lira, mesmo após mudanças e até uma tentativa de fatiamento do texto. O presidente da Câmara determinou em abril deste ano a instalação de um grupo de trabalho para retomar “do zero” o debate sobre as redes.
“Não é novidade que tentamos por diversas vezes, em diversas oportunidades, com esforço de todos os líderes, do relator, da presidência da Casa, votar o projeto. Subdividimos o texto na questão dos streamings e na questão dos direitos autorais e não conseguimos um consenso. Todos os líderes avaliaram que o projeto não teria como ir à pauta”, disse Lira.
Mas apesar da disposição em pautar a questão das redes, tentando evitar a polêmica e o que chamou de narrativas sobre censura e cerceamento da liberdade de expressão, o presidente da Câmara instalou o grupo de trabalho em junho. Até agora, porém, não houve sequer uma reunião.
O PL 4144/24, por sua vez, foi protocolado na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados em 30 de outubro. Porquê é um projeto de lei ordinária, ainda precisa ser distribuído pelo presidente da Câmara dos Deputados para as comissões temáticas que tratam dos assuntos correlatos à proposta.