Jason Stanley, professor de filosofia da Universidade Yaledecidiu deixar os Estados Unidos. Aos 55 anos, o acadêmico vai se mudar para o Canadá, levando os filhos e encerrando uma trajetória de décadas no meio universitário norte-americano. As informações foram divulgadas pelo G1do Grupo Globo.
O motivo, segundo ele, é direto: o país, sob o governo de Donald Trump, mergulhou em um sistema que já não respeita os pilares democráticos. Stanley afirma que as liberdades civis vêm sendo desmanteladas de forma acelerada.
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Em entrevista à BBC News Mundo, o professor classificou a situação como “o pior ataque à liberdade acadêmica” de sua vida. Para ele, a repressão contra professores e estudantes chegou a níveis inéditos, mesmo na comparação com períodos como o macarthismo.
Filho de imigrantes europeus — sua avó escapou da Alemanha nazista em 1939 —, Stanley passou os últimos anos dedicando-se ao estudo do fascismo e à análise de discursos autoritários.
Ele é autor do livro Como funciona o fascismopublicado em 2018 e traduzido para mais de 20 idiomas. Sua obra mais recente, Apagando a História: Como os Fascistas Reescrevem o Passado para Controlar o Futuroaprofunda essa leitura.
Crítica ao governo Trump e defesa da liberdade nos EUA
Confira:
Para Stanley, a pressão do governo sobre instituições de ensino cruzou todos os limites. Ele cita o caso da Universidade Columbia, que atendeu exigências do Executivo para manter o financiamento público, como um exemplo de submissão das universidades ao poder político.
“Pessoas fora do mundo acadêmico não entendem o quão dramático isso é”, disse Stanley. “Intervir em um departamento acadêmico por razões ideológicas é algo completamente novo.”
A demissão forçada da professora Katherine Franke, por exemplo, gerou forte reação entre docentes e ativistas. Stanley vê nesse tipo de “coerção” uma estratégia autoritária disfarçada de moralismo político.
Para ele, o uso seletivo da acusação de antissemitismo tem servido como ferramenta para silenciar críticas à política externa de Israel e à condução da guerra em Gaza.
A suposta ameaça crescente nas universidades dos EUA
Embora não esteja envolvido diretamente com os protestos no campus da Universidade Columbia, Stanley observa os reflexos do mesmo padrão em Yale. Ele relata que estudantes judeus, progressistas e críticos da guerra têm sido tratados como traidores ou agentes subversivos.
“As pessoas fizeram distinção entre judeus bons e maus”, afirma o docente. “Os judeus bons eram aqueles que apoiavam as ações de Israel em Gaza, e os maus eram aqueles que protestavam. É antissemita fazer distinções entre judeus bons e maus.”
Nos protestos contra a guerra, segundo Stanley, a diversidade de vozes foi ocultada. Estudantes árabes e judeus passaram a ser alvos indistintos. Ele avalia que a mídia e as autoridades optaram por generalizações ideológicas que não resistem à realidade dos campus universitários.
Instituições fragilizadas nos EUA
Stanley acredita que o sistema de freios e contrapesos nos EUA entrou em colapso. Para ele, o Judiciário não atua mais como limite ao Executivo, o Legislativo se tornou submisso, e a imprensa sofre ataques diretos do governo.
A repressão não se limita ao ambiente acadêmico. Estrangeiros passaram a ser ameaçados com deportações ou revogação de vistos caso emitam opiniões políticas. Stanley alerta que essas práticas, antes impensáveis, se tornaram corriqueiras no atual mandato presidencial.
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Questionado sobre o apoio popular ao presidente Trump, mesmo diante de denúncias e investigações, Stanley foi direto: “Em todos os países, 30% das pessoas querem o fascismo”.
Ele cita pesquisas na Rússia que apontam altos índices de aprovação ao ditador Vladimir Putin — mesmo diante de restrições severas à liberdade de expressão.
A lógica, segundo Stanley, é a mesma. As pessoas votam em líderes que prometem proteger a nação de inimigos externos e internos, ainda que isso custe suas liberdades individuais.
Outro fator decisivo na mudança para o Canadá foi a segurança da família. Stanley é pai de duas crianças negras e judias. Ele denuncia que a identidade dos filhos está sendo apagada e que o ambiente social passou a hostilizá-los de maneira cada vez mais explícita.
O professor também criticou a nomeação de membros do próprio conselho como substitutos de dirigentes universitários que renunciam sob pressão.
Para ele, essa prática não representa mudança real, apenas uma troca simbólica que preserva o domínio institucional por parte dos aliados do governo.
Além da política dos EUA
Como professor de filosofia, Stanley enxerga no momento atual uma crise que vai além da política. Ele argumenta que há uma questão antiga que ressurge: por que tantas pessoas aceitam sofrer para sustentar um regime que as prejudica?
“Muitos apoiadores de Trump sofrem terrivelmente com essas políticas para dar dinheiro a bilionários”, ressalta Stanley. “É uma velha questão que também surgiu com a monarquia: por que tantas pessoas estavam dispostas a morrer para que um rei pudesse se vangloriar?”
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Nos próximos meses, Stanley vai se unir aos colegas Timothy Snyder e Marci Shore, também professores de Yale, que aceitaram cargos na Universidade de Toronto.
A mudança marca um novo capítulo na carreira do acadêmico, que agora se dedicará a denunciar, desde fora, o que chama de “decadência acelerada da democracia americana”.