A recente vitória de Donald Trump na eleição presidencial dos Estados Unidos reacendeu, de maneira oportuna, o debate sobre as relações entre Brasil e EUA. Embora se vislumbrem alguns indicativos de qual deverá ser a tônica dessas relações, o visível é que, em um cenário otimista, as duas maiores economias das Américas e parceiros importantes, cada um com seu papel e espaço, necessitariam estabelecer um entendimento mais largo, alçado ao nível de diálogo estratégico concreto, tendente a um padrão de estabilidade no relacionamento bilateral, com benefícios econômicos e políticos para ambos, que descortinasse oportunidades, eliminasse desconfianças e, no projecto mais largo da cooperação hemisférica, reduzisse assimetrias e instabilidades regionais.
Não vejo isso acontecendo com as atuais diretrizes de política externa da dupla Lula-Amorim e sem o necessário resgate e regeneração institucional do Ministério das Relações Exteriores das garras do lulopetismo.
O Brasil é dos poucos países do mundo que contam com um diplomata porquê herói vernáculo. Posto que outros Estados tenham personagens históricos em alguma medida análogos ao Barão do Rio Branco, eles figuram nos respectivos panteões da memória vernáculo por seus feitos humanitários (casos do suíço Carl Lutz, do sueco Raoul Wallenberg e do holandês Jan Zwartendijk, que merecidamente se destacaram por exprimir passaportes e vistos para judeus europeus cujas vidas estavam sob prenúncio do III Reich) ou por méritos não diretamente relacionados às suas atividades diplomáticas (casos dos norte-americanos Thomas Jefferson e Benjamin Franklin, que, além de serem uns dos “founding fathers” — “pais da pátria” — dos Estados Unidos, são mais conhecidos, respectivamente, pela autoria da Enunciação de Independência daquele país e por suas invenções e experimentos científicos).
O brasílio José Maria da Silva Paranhos Júnior, mas, deve sua inestimável relevância principalmente aos êxitos diplomáticos resultantes dos processos negociadores das fronteiras do Brasil com quase todos os seus vizinhos sul-americanos. Logrados durante seu período primeiro do Ministério das Relações Exteriores – MRE (1902-1912), tais realizações não somente consolidaram o regime jurídico dos limites nacionais porquê também lançaram as bases para relações pacíficas e amistosas com os dez países (nove sul-americanos e um europeu) com os quais compartilhamos fronteiras. Para além da proeza negocial em temas fronteiriços, os princípios que até hoje informam (ou deveriam informar) as relações do Brasil com os Estados Unidos remetem à política de aproximação com Washington concebida pelo Barão do Rio Branco, visando sobretudo a contra-arrestar a influência europeia na América do Sul.
O legado histórico do Barão perfaz, portanto, o ponto inicial da trajetória do Itamaraty porquê instituição comprometida com os interesses permanentes da País brasileira e pivô de êxitos diplomáticos e estratégicos posteriores à sua gestão. Foi com base na tradição principiológica de Paranhos que homens de Estado da realce de Osvaldo Aranha e Mario Gibson Barboza, dentre outros, puderam agir com a flexibilidade estratégica demandada por um contexto internacional em estável transformação, visando ao incremento de ganhos para o Brasil a partir dos escassos recursos de poder dos quais historicamente dispusemos.
A geração do Instituto Rio Branco, em 1945, constituiu, simultaneamente, decisão acertada de profissionalização da curso diplomática brasileira e homenagem ao patrono da diplomacia vernáculo, selando o compromisso do Estado brasílio e de seus diplomatas com a adequação da visão do Barão sobre os interesses permanentes do País em temas externos.
Essa reputação que o serviço diplomático brasílio construiu sobre o legado de Rio Branco começou, no entanto, a ser corroída no início deste século, com resultados visíveis e danosos tanto no domínio da política externa propriamente dita quanto dos interesses nacionais do País, em sentido mais largo.
Desde o governo Lula 1 (2003-2007), o Brasil tem perdido:
- 1) transparência na definição dos objetivos e interesses nacionais, sendo estes substituídos por meras preferências ideológicas e estreitos interesses partidários;
- 2) protagonismo estratégico na América do Sul;
- 3) participação nas correntes de transacção e cadeias de valor globais;
- 4) filial nas suas relações com os países desenvolvidos, em um movimento que vai desde a subalternização da agenda externa brasileira aos interesses de países europeus à alternância entre esvaziamento e deterioração do relacionamento bilateral com os Estados Unidos;
- 5) alinhamento progressivo tanto a países de tendência autoritária, com histórico de flagrantes e sucessivas violações de direitos humanos, quanto a grupos classificados porquê terroristas pela imensa maioria dos países civilizados.
No mesmo diapasão, o aumento das exportações nacionais — principalmente no que se refere a commodities agrícolas e metálicas — se deu às expensas da majoração, a níveis alarmantes, da sujeição em relação à China.
Já a dimensão ambiental da política externa, sob o panegírico simplista segundo qual o Brasil se converteria em uma “potência verde”, serviu, na prática, para a erosão da soberania sobre partes significativas do território vernáculo, sobretudo por meio da ingerência de entidades públicas e privadas de países desenvolvidos no processo legislativo, na formulação e realização de políticas públicas e no sumptuosidade judiciário brasileiros.
No contextura multilateral, o Itamaraty, sob a liderança de Celso Amorim (2003-2010), não somente realizou sofrível — para não proferir absolutamente desconectada da veras — avaliação das possibilidades de reforma das instituições de governança global, mormente o Juízo de Segurança das Nações Unidas, porquê também impôs o padrão falido derivado de tal avaliação às gestões seguintes, entre 2011 e 2016 e a partir de 2023, particularmente no que diz saudação à lisura sem critérios de postos diplomáticos no Caribe e na África (onde o Brasil conta com mais embaixadas residentes que o Reino Uno, apesar tais postos estarem cronicamente sublotados e não oferecerem aos diplomatas e outros funcionários do MRE condições razoáveis de vida, para não falar em boas perspectivas profissionais), demais de outras sandices irrefletidas que não atendem às demandas da atuação externa do Brasil.
Para além da terreno arrasada na agenda operacional da política externa brasileira, a gestão de Amorim primeiro do Itamaraty corroeu também o funcionamento interno da instituição, o que resultou, em última instância, na primazia de questões administrativas e interna corporis sobre aquelas relacionadas ao assessoramento do Presidente da República na formulação e na realização da política externa.
É importante salientar que a expansão do número de diplomatas, realizada por meio do ingresso, no IRBr, de turmas de aproximadamente 100 terceiros-secretários (classe inicial da curso de diplomata) entre 2006 e 2010 (a média das turmas até 2005 era de 30-40 diplomatas), era necessária, pois a amplitude dos interesses externos brasileiros só poderia mui deficientemente ser abarcada pelos muro de 900 diplomatas com os quais o País contava até 2006.
No entanto, a expansão dos quadros não foi acompanhada da imprescindível reforma da curso diplomática brasileira, que é estruturada com base em seis classes correspondentes ao proporção hierárquico dos diplomatas, e não necessariamente às funções por eles desempenhadas.
aqui convém realçar que os serviços diplomáticos das chancelarias mais eficientes do mundo não adotam padrão de curso sequer vagamente próximo ao do Itamaraty, cujos competentes quadros, que perfazem um dos melhores capitais humanos disponíveis na Gestão Pública brasileira, veem-se na contingência de se movimentar, internamente, em um envolvente de modus operandi mais similar ao de um clube de amigos que ao de uma burocracia estatal de inspiração weberiana.
É, aliás, francamente comentado por diplomatas de todos os níveis hierárquicos que a única lanço verdadeiramente meritocrática da curso é a aprovação no concurso de recepção, já que o padrão organizacional ora vigente é em si uma calabouço de incentivos à politiquice em detrimento do desempenho.
A defasada estrutura da curso diplomática brasileira, mas, serve perfeitamente ao propósito de ideologização do sistema de promoções e de remoções (movimentações entre a sede do MRE em Brasília e os postos no exterior e entre tais postos) implementado pelas gestões lulopetistas, conforme observado no governo do presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), durante o qual membros da subida chefia do Itamaraty deliberadamente sabotaram as diretrizes de política externa de um governo democraticamente eleito, o que é inadmissível. Alguns diplomatas sêniores (sobretudo embaixadores), é importante realçar, se vangloriaram, tão logo Lula foi eleito presidente da República em 2022, de suas atitudes de sabotagem, ativas e passivas, e foram premiados com bons postos.
Porquê o processo de promoções de diplomatas não é público, não produz registros e não é informado por ferramentas formais de avaliação de desempenho, ele é um instrumento feito sob medida para a viabilização de favorecimentos de todo tipo, com ênfase naqueles que privilegiam laços pessoais e de afinidade ideológica.
Trata-se de estrutura, diga-se passagem, fundamentalmente distinta de todas as demais carreiras de Estado civis, nas quais a progressão funcional ocorre com base no cumprimento de requisitos previstos em lei e regulamentados por outros atos normativos, e não a partir de preferências pessoais e de proximidade com o núcleo de poder institucional (ao qual corresponde a designação para funções consideradas relevantes e/ou privilegiadas).
A atual estrutura da curso diplomática brasileira, ao não atender aos interesses nacionais e também aos profissionais da ampla maioria dos diplomatas, prejudica a realização da missão constitucional do Itamaraty.
É provável, a partir do entendimento das distorções às quais foram submetidos tanto a política externa brasileira quanto os responsáveis por sua realização ao longo dos últimos 21 anos, ter uma leitura mais complexa e abrangente do estado lastimoso em que ora se encontra a diplomacia brasileira.
Isolada no entorno estratégico sul-americano pelo contraste com os êxitos da Argentina sob a liderança de Javier Milei e envolvida em um dissídio intra-ideológico com a Venezuela bolivariana de Nicolás Maduro, a atuação externa do Brasil, comandada pelo chanceler-ideólogo de indumentária Celso Amorim, coleciona fracassos em múltiplas frentes: as relações com Israel atravessam seu nível mais reles desde a geração do Estado judeu, em 1948; a transigência – ora explícita, ora implícita – da diplomacia vernáculo com o terrorismo do Hezbollah e do Hamas, muito porquê a proximidade constrangedora com o um Estado pária (Irã), ensejam o distanciamento das principais potências europeias, que de resto só se lembram do Brasil e de Lula quando oferecem um ou outro hosana condescendente ao suposto horizonte do Brasil porquê “potência ambiental”, pavilhão sob o qual as lideranças globalistas do Velho Continente erodem a soberania brasileira sobre o território vernáculo.
No contexto multilateral, a humilhação à qual o País foi submetido na Cúpula do BRICS, em Kazan, com relação à proposta russa de adesão da Venezuela ao conjunto, dá o tom do incorrecção de Amorim e sua claque.
Finalmente, o evento que deveria constituir oportunidade para que o País demonstrasse liderança e destreza em um mensalidade multilateral importante, a Cúpula do G20 (no Rio de Janeiro, em 18 e 19 de novembro), foi esvaziado tanto pela inabilidade contida na teorema de iniciativas concorrentes (a tal “Aliança Global contra a Fome e a Pobreza”, retumbante fracasso de adesão que decerto será lembrado por seu nome popular, “Janjapalooza”) quanto pela recente eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.
Porquê abordei no item “O segundo mandato de Trump e o acerto de contas com a diplomacia lulopetista”, publicado nesta Jornal em 6 de novembro, o retorno de Trump à presidência dos EUA (com o senador Marco Rubio, notório crítico do governo Lula e da increpação imposta por instituições de Estado brasileiras, porquê secretário de Estado, Elon Musk porquê secretário de Eficiência Governamental e maioria republicana no Senado e na Câmara de Representantes) interporá desafios ao Brasil que, a julgar pela (in)conhecimento da dupla Lula-Amorim, provavelmente resultarão em deterioração das relações bilaterais entre Brasília e Washington.
Confiamos em que, a partir da eleição, em 2026, de um governo conservador e verdadeiramente comprometido com os interesses nacionais e com os valores da sociedade brasileira, idealmente capitaneado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, na hipótese de reversão de sua absurda inelegibilidade, será provável implementar uma política externa alinhada com tais interesses e valores. Para tanto, o resgate e a reforma institucional do Itamaraty e da relevância do serviço diplomático brasílio, em sintonia com os princípios perenes lançados pelo Barão do Rio Branco, serão indispensáveis.
Marcos Degaut é Doutor em Segurança Internacional, Pesquisador Sênior na University of Médio Florida (EUA), ex-Secretário Peculiar Ajuntado de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e Ex-Secretário de Produtos de Resguardo do Ministério da Resguardo