Em dezembro de 2021, os outrora adversários Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin se encontraram na sarau de término de ano do grupo Prerrogativas — criado por advogados de esquerda, principalmente ligados ao Partido dos Trabalhadores, para combater a Operação Lava Jato e tirar Lula da calabouço.
Foi a primeira aparição pública em conjunto dos dois políticos desde o término da polarização entre o PT e o PSDB. E uma sinalização de que a fala para aproximá-los, até portanto desenvolvida somente nos bastidores, estava caminhando para desembocar em uma federação para as eleições de 2022.
Três anos depois, o evento anual do “Prerrô” (porquê o coletivo também é divulgado) giraria em torno de outra figura: a primeira-dama Janja Silva, homenageada no último dia 6 durante um jantar para 750 pessoas na capital paulista, com recta a shows de Maria Rita e Ivo Meirelles e convidados da escol política, empresarial e jurídica do país.
Segundo o grupo, o motivo da reverência à socióloga foi seu compromisso com “um sistema de Justiça mais inclusivo, diverso e representativo da sociedade” e alinhamento às pautas da sustentabilidade, do feminismo e do combate à lazeira.
“Ela carrega dentro dela o espírito da advocacia, que é o senso de Justiça”, disse ao jornal O Mundo o jurista Marco Aurélio de Roble, coordenador e um dos fundadores do Prerrogativas.
Depois receber a homenagem, Janja discursou contra a misoginia e defendeu a nomeação de mulheres para o Judiciário (mesmo que seu marido tenha nomeado dois homens para ocupar as vagas abertas no Superior Tribunal Federalista).
Também afirmou ter uma “carteirinha fictícia da OAB” — o que não deixa de ser uma ironia diante da revelação, feita neste ano pelo portal UOL, de que em 2018 ela se passou por advogada para visitar Lula na carceragem da Polícia Federalista, em Curitiba (pois ainda não era “oficialmente” namorada do petista).
Mas por trás de toda essa bajulação do Prerrô à socióloga, há um objetivo que passa muito longe de seu alegado paixão às causas humanitárias. Na prática, o evento foi um verdadeiro “beija mão” promovido para agradecer o escora de Janja ao coletivo. E, por “apoio”, leia-se pressão para indicar membros do coletivo a cargos no Executivo e no Judiciário.
Segundo um levantamento realizado em agosto pelo site Poder 360, o Prerrogativas já emplacou 28 integrantes no governo Lula. Eles ocupam postos nos tribunais superiores, em empresas públicas porquê os Correios e em ministérios.
Aliás, cinco ministros fazem segmento do coletivo e contam com filiados trabalhando em suas pastas: Fernando Haddad (Quinta), Anielle Franco (Paridade Racial), Jorge Messias (Advocacia-Universal da União), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) e Vinícius Marques de Roble (Controladoria-Universal da União).
Seriam seis, se Silvio Almeida não tivesse sido ejetado do Ministério dos Direitos Humanos em seguida ser criminado de praticar assédio sexual — na ocasião, o grupo foi criticado por demorar para exprimir uma enunciação pública sobre o escândalo.
Essa “forcinha” dada por Janja já seria suficiente para justificar o festerê da semana passada. O evento, no entanto, acabou tendo um propósito extra: tentar limpar um pouco a imagem da primeira-dama depois das inúmeras gafes e situações desconfortáveis que ela protagonizou nos últimos meses. Um festival de descompostura que chegou ao vértice com a provocação ao empresário (e agora figura de proa do novo governo americano) Elon Musk.
“Foi um ano difícil”, disse Janja para fechar sua fala no jantar, referindo-se à itinerário do governo nas eleições municipais — e, provavelmente, ao próprio estrago que causou.
Grupo agora faz campanha contra a anistia aos envolvidos no 8 de janeiro
Mas não pense que a lazeira do Prerrogativas foi saciada. O grupo, criado há dez anos a partir de conversas no WhatsApp, tentou ir além em sua já expressiva influência no governo, porém foi freado pelo núcleo mais duro do Planalto.
Nos bastidores, fala-se que o Prerrô sofreu três derrotas marcantes ao longo dos últimos dois anos. Na sucessão do STF, o coletivo tinha outros nomes favoritos às vagas que acabaram sendo ocupadas por Cristiano Zanin e Flávio Dino.
Também esperava que Marco Aurélio de Roble, filiado ao PT desde a juventude e companheiro de Lula, fosse convidado para o lugar de Dino no Ministério da Justiça. Neste último caso, há quem diga que foi uma expectativa ingênua. Por fim, o presidente não tem o escora da maioria do Congresso, e por isso governa de braços dados com seus aliados do Supremo (daí a decisão de indicar Ricardo Lewandovski, recém-saído do STF diretamente para a pasta).
Enquanto faz lobby para ampliar ainda mais sua influência, o Prerrogativas investe em novas pautas. Depois de militar contra a Operação Lavo Jato e em prol do “Estado Democrático de Direito” (que, segundo o coletivo, foi atacado durante a gestão de Jair Bolsonaro), o grupo agora faz campanha para prender o ex-presidente e aumentar o rigor penal nos processos dos envolvidos no 8 de Janeiro.
Para os “advogados do zap” do Prerrô, a anistia só vale para um setor da sociedade: os amigos deles.
A reportagem da Publicação do Povo entrou em contato a equipe do Prerrogativas para solicitar uma entrevista com Marco Aurélio de Roble, mas não obteve um retorno até o fechamento deste texto.