Tempos polarizados pedem um jornalismo com posicionamento firme? Ou, no mínimo, congruente? Se depender dos 250 milénio leitores do Washington Post que cancelaram suas assinaturas nos últimos dias, a resposta é sim.
De propriedade do bilionário Jeff Bezos, fundador da Amazon, o jornal endossou os candidatos democratas à presidência dos EUA nas duas últimas eleições. Trata-se de uma prática geral na prensa americana, que remonta ao final do século XIX e se limita aos editoriais.
Porém, numa manobra inesperada e de última hora, Bezos vetou, na última sexta-feira (25), a publicação de um editorial em base à vice-presidente Kamala Harris. E portanto o caos se instaurou no Post – tanto na redação quanto no departamento mercantil.
Uma material apresentada pela National Public Radio (NPR) calcula que o veículo perdeu 10% de sua base de assinantes em menos de uma semana.
Boa secção desse público migrou para concorrentes uma vez que Philadelphia Inquirer, Boston Globe e da versão americana do jornal britânico Guardian, todos apoiadores da candidata democrata (a informação é do site da Instalação Nieman para o Jornalismo, mantida pela Universidade de Harvard).
Internamente, a opção pela “neutralidade” também pegou mal: três dos mais importantes editorialistas pediram para deixar o parecer e se destinar somente à reportagem, enquanto outros 21 colunistas assinaram uma enunciação de repúdio ao recuo do bilionário. Segundo o texto, “a recusa do empregador em apoiar um candidato presidencial é um erro”.
Mesmo William Lewis, editor-executivo do jornal, e que ficou do lado de Bezos, fez um mea culpa. “Reconhecemos que isso será lido de várias maneiras, incluindo um endosso tácito de um candidato, ou uma condenação de outro, ou ainda uma abdicação de responsabilidade. Isso é inevitável.”
Na segunda-feira (28), foi a vez do próprio Bezos se pronunciar nas páginas do Washington Post. De concordância com o segundo varão mais rico do mundo (o primeiro é Elon Musk), os endossos a políticos “não fazem nada para influenciar a balança de uma eleição” e “criam uma percepção de parcialidade”.
Tendência de não endossar candidatos tem desenvolvido entre os jornais dos EUA
A neutralidade defendida por Jeff Bezos segue uma tendência recente na mídia americana. Na mesma semana do proclamação feito pelo Post, o Los Angeles Times também desistiu de concordar Kamala Harris – o que causou a repúdio do coordenador de editoriais e de outros dois membros do parecer.
O jornal é também comandado por um bilionário, Patrick Soon-Shiong, do ramo biofarmacêutico. Ele afirma que tomou a atitude, vista uma vez que um ato de increpação pelos jornalistas, por temer endossar um político que aumentasse a partilha do país.
Glenn Taylor, possuinte do time de basquete Minnesota Timberwolves, é outra figura riquíssima que saiu desse “jogo”. Em agosto, ele proibiu os editorialistas de seu jornal, o Star Tribune, de explicitar qualquer tipo de resguardo a um dos candidatos.
A lista não para por aí. O fundo de investimento Alden Global Capital, proprietário de mais de 200 veículos de prensa (entre eles o Chicago Tribune e o Denver Post), já havia enunciado em 2022 que não apoiaria mais candidatos nacionais em seus espaços de opinião.
Aliás, permitir a parcialidade somente no contexto regional é outra propensão do mercado. Um bom exemplo – e de grande graduação – é o do USA Today, um dos jornais com maior circulação do país.
Na última segunda-feira (28), o grupo entrou na novidade vaga e abriu mão de endossar um presidenciável. No entanto, liberou os editores das muro de 200 publicações de sua rede espalhadas pelo país para “apoiar em nível estadual ou local”.
As justificativas são sempre as mesmas: não acirrar ainda mais um debate público já radicalizado, buscar a imparcialidade que está (em tese) na raiz do jornalismo e invadir os leitores de núcleo, abandonados há mais de uma dez.
Campanha nas redes também incentiva o boicote ao Amazon Prime
Mas nem toda guinada para a dita neutralidade é muito aceita pelo público, uma vez que se vê no caso dos 250 milénio ex-assinantes do Washington Post – a maioria eleitores democratas descontentes com o recuo do veículo em concordar Kamala Harris.
Para eles, Jeff Bezos e outros magnatas da mídia estão tomando esse tipo de decisão movidos por uma postura “preventiva” em relação a possíveis retaliações de Donald Trump (que, segundo os analistas, aumentou suas chances de ser eleito nas últimas semanas).
Bezos, por exemplo, precisa de base federalista para expandir a Blue Origin, sua empresa de foguetes e voos espaciais com tripulantes – um mercado escravizado pela SpaceX de Elon Musk, padroeiro ferrenho de Trump.
E não pense que os republicanos estão do lado de Bezos. Ao contrário, querem mais é ver o circo pegar lume. Enfim, o bilionário tem uma richa antiga com o ex-presidente, e o jornal passou os quatro anos de seu governo o tratando uma vez que um tirano fascista.
Muitos “trumpistas”, inclusive, entraram de cabeça numa campanha informal que vem ganhando força nas redes: “Não cancele apenas sua assinatura do Washington Post. Cancele também o Amazon Prime!”.
O debate, portanto, vai além da questão da neutralidade jornalística – pelo menos neste incidente protagonizado por Jeff Bezos e outros empresários de olho nos próximos quatro anos.