Uma recente pesquisa da Embrapa, em colaboração com cientistas internacionais, revelou 60 novas espécies de psilídeos em diferentes biomas do Brasil, incluindo a Amazônia, a Mata Atlântica e o Cerrado. O estudo, publicado na revista Zootaxa, amplia significativamente o conhecimento sobre essa família de insetos e reforça a importância de medidas de conservação.
Os psilídeos, também chamados de “piolhos-de-planta saltadores”, desempenham funções essenciais nos ecossistemas. Algumas espécies são utilizadas no controle biológico de plantas invasoras, enquanto outras podem ser indicadoras de qualidade ambiental ou até mesmo entrar na lista de insetos ameaçados de extinção. Com a descrição dessas novas espécies, o Brasil passa a ser um dos principais centros de diversidade do grupo na América do Sul.
O estudo, conduzido ao longo de mais de uma década, analisou amostras coletadas em aproximadamente 50 parques nacionais, estaduais e municipais. Os pesquisadores percorreram 15 estados brasileiros entre 2011 e 2021, utilizando técnicas avançadas de identificação, como sequenciamento genético e análise detalhada da morfologia dos insetos. Após uso de sequenciamento de DNA (barcoding), a equipe identificou uma nova espécie de Klyveria e 59 novas espécies de Melanastera, demonstrando que a biodiversidade desses insetos é muito maior do que se imaginava.
O que é o Psilídeo?
Confira:
Os psilídeos são insetos da superfamília Psylloidea (Hemiptera). Dividem-se em sete famílias (Aphalaridae, Calophyidae, Carsidaridae, Liviidae, Mastigimatidae, Psyllidae e Triozidae), com mais de 4000 espécies descritas no mundo. Estes insetos são, muitas vezes, confundidos com pulgões, mas distinguem-se destes pelas patas posteriores fortes e adaptadas para saltar; usualmente com 10 segmentos nas antenas (três a seis segmentos, nos pulgões); maior esclerotização do exoesqueleto (estrutura de proteção externa contra choques físicos e desidratação presente nos insetos e demais artrópodes que confere sustentação aos músculos e órgãos). No caso dos psilídeos, estes têm mais quitina no exoesqueleto do que os pulgões, o que os tornam mais resistentes.
Algumas espécies são pragas nativas como por exemplo o psilídeo da erva-mate (Gyropsylla spegazziniana), uma das principais pragas dessa cultura. Outras são pragas exóticas, que foram acidentalmente introduzidas no País nas últimas duas décadas, como exemplo podem ser citadas: Diaphorina citri, Ctenarytaina spatulata, Ctenarytaina eucalypti, Blastopsylla occidentalis e Glycaspis brimblecombei.



Foto: divulgação
A descoberta dessas novas espécies evidencia o potencial inexplorado da biodiversidade brasileira e ressalta a necessidade urgente de investimentos em pesquisa e conservação. “Cada nova espécie descoberta é uma peça fundamental para entendermos os ecossistemas e protegermos nosso patrimônio natural”, destaca Dalva Queiroz pesquisadora da Embrapa Florestas (PR) e coautora do estudo e coordenadora do projeto que gerou a base de dados utilizada neste estudo.
A pesquisa também chama atenção para a ameaça crescente aos biomas brasileiros. A Amazônia já perdeu mais de 14% de sua cobertura florestal, enquanto o Cerrado enfrenta um ritmo acelerado de conversão para uso agrícola. “Ambientes em risco podem abrigar um número ainda maior de espécies desconhecidas. Mapear e descrever essa diversidade é fundamental para que possamos entendê-la e conservá-la”, defende a pesquisadora.
Nesse sentido, ela relata que os avanços científicos gerados por essa pesquisa são relevantes não apenas para a entomologia, mas também para a conservação da fauna brasileira. A catalogação e o monitoramento de novas espécies são passos fundamentais para a elaboração de estratégias de proteção ambiental. “Ao expandirmos nossa compreensão sobre a biodiversidade, também fortalecemos os argumentos para sua preservação”, conclui Queiroz.
Insetos importantes
A importância dos psilídeos vai além da biodiversidade. Alguns deles são pragas agrícolas, podendo impactar lavouras comerciais. “O conhecimento sobre esses insetos é essencial para o manejo agrícola e a proteção de cultivos”, explica Queiroz. O estudo também sugere que certas espécies podem ser utilizadas no combate a plantas invasoras, contribuindo para a segurança alimentar e a saúde dos ecossistemas. “Os psilídeos são pouco conhecidos do grande público, mas desempenham papéis importantes no equilíbrio ecológico, pois interagem com inúmeras plantas e podem, em alguns casos, atuar como pragas agrícolas ou vetores de patógenos”, conta a cientista.
Descrever as espécies nativas é o primeiro passo para conhecer a biodiversidade deste grupo embasando o monitoramento e o manejo das espécies pragas. “Alguns desses descritos têm uma importância muito grande, por exemplo, temos a espécie Melanastera smithi que está sendo testada para o controle biológico de Miconia calvescens, uma planta invasora no Havaí e outras ilhas na Oceania”, exemplifica Queiroz.
Formação de novas coleções
A pesquisa resultou na criação de três coleções científicas de psilídeos no Brasil: uma no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), outra na Embrapa Amazônia Ocidental, em Manaus (AM) e a terceira no Museu de Zoologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Essas coleções vão auxiliar futuras pesquisas e garantir a preservação do material biológico.
Com a descrição de 60 novas espécies, os cientistas reforçam que este é apenas o começo. Estima-se que ainda existam centenas de espécies de psilídeos a serem descobertas no Brasil. A continuidade de estudos na área será essencial para a preservação da fauna e para o aprofundamento do conhecimento sobre esses insetos tão pequenos, mas de grande impacto para os ecossistemas.
Os cientistas estimam o número de espécies brasileiras em mais de mil. “Ao descrever 60 novas espécies de psilídeos, este estudo mostra apenas a ponta do iceberg”, declara Daniel Burckhardt, um dos autores do trabalho. “Cada espécie descoberta é um lembrete da complexidade e fragilidade dos nossos ecossistemas. A conservação dessas áreas é crucial, pois muitas espécies podem desaparecer antes mesmo de serem conhecidas pela ciência”, alerta o cientista.
Autores
O estudo publicado na revista Zootaxa é parte de um projeto iniciado em 2012, fruto de uma parceria entre a Embrapa e o Naturhistorisches Museum Basel (NHMB), da Suíça. O artigo é assinado pelos pesquisadores: Liliya Š. Serbina, Igor Malenovský, Dalva L. Queiroz e Daniel Burckhardt.
Que nome dar a uma nova espécie?
Quando uma nova espécie é encontrada e descrita, é preciso nomeá-la. Este nome deve ser em latim ou grego e pode ser uma referência a uma característica do inseto, à planta hospedeira do inseto, ao local, ao coletor, ou ainda uma homenagem a alguém. A primeira autora, Liliya Serbina, conta que, como se tratavam de muitas espécies, teve bastante trabalho para escolher os nomes e precisou usar todas essas estratégias.
Por exemplo, uma espécie foi denominada em homenagem à mãe dela (Olga) (Melanastera olgae). Outra para o marido (Michal) (Melanastera michali), e outra aos filhos da terceira autora, Flávia (Klyveria flaviae) e Francis (Melanastera francisi) e uma também ao professor Marliton Barreto (Melanastera barretoi).
Projeto iniciou em 2012
Realizado em parceria entre a Embrapa e o Naturhistorisches Museum Basel (NHMB), Suíça, o projeto coordenado pela pesquisadora Dalva Luiz de Queiroz visa ao avanço do conhecimento sobre os psilídeos no Brasil, País com uma fauna ainda pouco explorada. O trabalho envolve coletas, identificação e descrição de novas espécies de psilídeos. Alguns desses insetos causam grandes prejuízos agrícolas e florestais, principalmente devido à transmissão de doenças bacterianas como o HLB dos citros, a principal enfermidade da cultura. Os dados obtidos são essenciais para o controle dessas pragas e sua gestão no setor agrícola e florestal.
Os impactos desse trabalho são significativos para a defesa fitossanitária, especialmente no monitoramento e no manejo de espécies que afetam a produtividade das florestas plantadas e nativas. Por meio da colaboração entre as instituições parceiras, o projeto também promoveu o treinamento de estudantes, profissionais na área de taxonomia de psilídeos, e de agentes da vigilância sanitária. As informações geradas contribuíram para o planejamento estratégico e o aprimoramento das práticas de manejo, fornecendo maior eficiência no controle de pragas.