Nesta quarta (27), a Percentagem de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 164/2012. A proposta altera o art. 5º da Constituição para prometer o recta à vida “desde a concepção”. Com a aprovação na CCJ, a proposta segue para as próximas etapas da tramitação.
Em resposta à aprovação legislativa, diversos veículos de mídia ampla e especializada publicaram matérias afirmando que, caso aprovada, a PEC 164/2012 proibirá a prática do monstro em todas as hipóteses, incluindo os casos de estupro e risco de morte da gestante. Essa asserção é falsa e, por mais que apontem para supostos “especialistas” (nunca identificados, diga-se), expõe a leitura enviesada por secção da mídia pátrio na tarifa de costumes.
O reconhecimento do recta à vida desde a concepção não invalida as excludentes de ilicitude, que continuarão a autorizar a prática do monstro nas hipóteses hoje vigentes
As hipóteses legais onde a prática do monstro é permitida no país decorrem das chamadas excludentes de ilicitude, exceções estabelecidas por lei onde a conduta do quidam não é considerada porquê delito. A título de exemplo, o recta à vida, guardado pela Constituição no mesmo cláusula 5º, é protegido pela criminalização da prática do homicídio no cláusula 121 do Código Penal: “Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos”. Apesar disso, não é delito matar alguém em legítima resguardo, visto se enquadrar na excludente de ilicitude prevista no cláusula 23, II, do Código Penal.
A mesma sistemática se aplica ao caso do monstro. O reconhecimento do recta à vida desde a concepção não invalida as excludentes de ilicitude, que continuarão a autorizar a prática do monstro nas hipóteses hoje vigentes. Ou seja, ao contrário do sensacionalismo das mídias, a PEC 164/2012 não proíbe o “aborto legal”.
Podemos ir além: a PEC 164/2012 sequer impede uma eventual descriminalização prática do monstro. Um paralelo útil é o caso da Alemanha. O atual cláusula 218 do Código Penal Teuto criminaliza a prática do monstro. A Constituição da República Federalista da Alemanha, conforme interpretada pela Incisão Constitucional Alemã em 1975 (BVerfGE 39,1) e 1993 (BVerfGE 88,203), garante o recta à vida desde a concepção. Mas, a excludente de ilicitude no cláusula 218a do Código Penal Teuto permite a prática do monstro durante o primeiro trimestre da prenhez condicionada à realização de aconselhamento para desincentivar o abortamento com três dias de antecedência, previsto no art. 219, 2.
Visto isso, podemos perguntar: se a PEC 164/2012 não proíbe o “aborto legal” e tampouco impede uma futura liberalização da prática, qual a utilidade jurídica da proposta na visão de seus apoiadores? A resposta está no ativismo judiciário em torno da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, proposta pelo PSOL e em trâmite no Supremo Tribunal Federalista, que procura descriminalizar a prática do monstro até a 12ª semana de prenhez.
Em setembro do ano pretérito, a logo relatora do processo, ministra Rosa Weber, sustentou em seu voto que o recta à vida, inscrito no art. 5º da Constituição Federalista, não se estenderia àqueles ainda não nascidos. Através de uma semelhança com os critérios constitucionais de nacionalidade, a ministra sustentou que a titularidade dos direitos fundamentais estaria restrita aos detentores de cidadania brasileira e aos estrangeiros. Assim, não estariam protegidos pela garantia do recta à vida os seres humanos ainda em prenhez.
Importa observar que um dos argumentos da ministra Weber foi de que a inclusão da cláusula “desde a concepção” foi proposta na Plenário Constituinte, mas rejeitada pelos participantes. O que ela deixa de ressaltar, porém, é que os pareceres que motivaram a repudiação das propostas o fizeram por considerá-la redundante, “pois o ‘respeito a vida’ já inclui todas as etapas”. Triste decisão.
Ao mudar a redação do art. 5º da Constituição para ressaltar a garantia do recta à vida desde a concepção, a PEC 164/2012 esclarece o sentido solicitado pela Constituinte e assim entendido à quadra, reafirmando o recta à vida em todas as suas etapas. A PEC, logo, afasta a anfibologia textual utilizada pelo PSOL em seu malabarismo interpretativo, retirando o debate público sobre a liberalização do monstro do campo do ativismo judiciário e trazendo-o de volta ao palco do Poder Legislativo, locus próprio do debate democrático, porquê sempre deve ser.
Matheus Roble Dias, jurisconsulto, é diretor executivo da Associação Pátrio de Juristas Evangélicos (ANAJURE). É responsável do livro “O aborto e a redefinição da pessoalidade humana pelo Direito” (Editora Dom Modesto, 2021).