O avanço da Polícia Federal (PF) nas investigações sobre a distribuição das emendas parlamentares nos últimos anos reabriu entre os deputados uma ofensiva para tentar aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição que visa blindar os parlamentares de operações policiais. Apelidado de ‘PEC da Blindagem’, o texto limita, por exemplo, buscas e apreensões em espaços institucionais, como as sedes da Câmara e do Senado.
O tema ganhou força depois que o gabinete do deputado Afonso Motta (PDT-RS) foi alvo de uma operação por parte dos agentes da PF no último dia 13. A investigação tinha como alvo o chefe de gabinete do deputado gaúcho, Lino Rogério Furtado. O assessor foi exonerado na terça-feira (18), como uma das determinações do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), responsável por autorizar os pedidos de busca e apreensão.
A discussão sobre uma proposta para regulamentar esse tipo de operação nas sedes do Legislativo foi apresentada na reunião de líderes, logo após a operação que mirou o gabinete de Afonso Motta. Ouvidos pela reportagem, líderes de quatro siglas confirmaram que houve a conversa inicial sobre o tema e que a construção do texto ainda precisaria amadurecer junto aos demais partidos.
Uma das possibilidades apresentadas ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), foi a de tentar desengavetar uma PEC apresentada em 2021 pelo então deputado Celso Sabino (União-PA), atual ministro do Turismo do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O texto foi protocolado logo após o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinar a prisão do agora ex-deputado Daniel Silveira.
Uma outra PEC na mesma linha foi apresentada pelo deputado Rodrigo Valadares (União-SE), após os casos envolvendo os parlamentares da direita. Na justificativa da proposta, Valadares argumenta que as medidas buscam proteger os mandatos dos parlamentares “contra repetidos abusos cometidos pelo Poder Judiciário”.
Para o deputado, o texto “não visa dificultar a investigação contra parlamentares nos casos de crimes cometidos pelos mesmos”, mas sim garantir o respeito ao “exercício do mandato parlamentar contra abusos que possam ser cometidos contra outro poder”. Apesar da pressão, Lira optou por não retomar o tema diante do final do seu mandato no comando da Casa.
Agora, parlamentares do Centrão admitem que é preciso retomar a discussão para regulamentar o artigo 53 da Constituição, que trata das prerrogativas do Poder Legislativo, para evitar excessos de outros Poderes. Ao assumir a presidência da Câmara, no começo deste mês, Hugo Motta defendeu a imunidade parlamentar.
“Queremos uma Câmara forte, com a garantia de nossas prerrogativas e em defesa de nossa imunidade parlamentar”, disse Motta.
Motta vai levar discussão sobre PEC da Blindagem ao STF
A pressão sobre Motta acontece em meio às investigações da PF que apuram supostas irregularidades na distribuição das emendas parlamentares nos últimos anos. A apuração foi determinada por Flávio Dino, ministro que, desde o ano passado, tem travado um embate com o Congresso sobre as regras de transparência na destinação desses recursos.
Na semana passada, por exemplo, o magistrado determinou que a Controladoria-Geral da União (CGU) faça uma auditoria sobre emendas parlamentares que foram liberadas sem a apresentação de um plano de trabalho para o uso dos recursos. Segundo Dino, esse problema atinge 644 emendas que somam aproximadamente R$ 469 milhões.
A CGU terá prazo de 60 dias para apurar a falta desse detalhamento. Na decisão, Dino também determina que a Procuradoria-Geral da República (PGR) seja informada dos dados para promover a responsabilização “em relação aos gestores estaduais e municipais omissos, inclusive no que se refere à eventual improbidade administrativa”.
As emendas são um dos principais instrumentos de poder no cenário político atual. Por meio delas, parlamentares disputam com o Executivo a capacidade de determinar a destinação do Orçamento da União. Elas são usadas por deputados e senadores para mandar recursos para suas bases eleitorais. Em 2024, foram cerca de R$ 52 bilhões destinados pelos congressistas, por exemplo.
“Temos que encontrar um equilíbrio entre não interferir nos espaços institucionais e ao mesmo tempo não diminuir o combate à corrupção. Um ajuste fino com o Supremo Tribunal Federal. Tenho certeza de que Hugo (Motta) vai tratar bem sobre isso”, explica o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder do PL, o partido de Bolsonaro.
Investigações sobre as emendas no STF
Além da operação que mirou o gabinete e um assessor de Afonso Motta, outro caso chegou ao STF também na semana passada, envolvendo o nome do deputado Junior Mano (PSB-CE). Os detalhes sobre a citação ao nome dele e a eventual suspeita de que ele possa ter participado do esquema ilegal estão sob sigilo e seguem em apuração.
Em nota, Mano lamentou o vazamento de informações que estão sob sigilo e informou ainda que já pediu, “mas ainda não teve acesso aos autos para se inteirar do conteúdo das acusações”. “De qualquer forma, é importante deixar claro que emendas parlamentares são recursos públicos devidamente regulamentados, cuja execução é de responsabilidade dos entes federativos e gestores locais”, disse.
O STF não confirma quantos inquéritos envolvendo suspeitas de desvios de emendas estão em análise na Corte. A PF já realizou ao menos sete operações cujos desdobramentos tornados públicos até o momento já atingiram políticos do PL, União Brasil, PDT e PSB.
O número não leva em conta investigações conduzidas na primeira instância e que não contam com envolvimento de pessoas com foro privilegiado. No final do ano passado, por exemplo, a PF deflagrou a operação Overclean, que apura desvios em um contrato do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS).
A autarquia foi um dos redutos de indicações das emendas do chamado “orçamento secreto”, as emendas de relator, e o caso foi remetido ao STF no começo deste ano devido às suspeitas envolvendo políticos com foro privilegiado. O caso está sob a relatoria do ministro Kassio Nunes Marques.
Além disso, a Primeira Turma do STF deve analisar nesta terça-feira (25) o inquérito que acusa os deputados Josimar Maranhãozinho (MA) e Pastor Gil (MA) e o suplente Bosco Costa (SE), todos do PL, de corrupção na distribuição de emendas. De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), os parlamentares pediram, “de modo consciente e voluntário”, propina de R$ 1,6 milhão ao então prefeito de São José do Ribamar (MA), José Eudes Sampaio Nunes.
O valor seria dado em contrapartida à destinação de recursos público ao município. A PGR concluiu que os deputados negociaram emendas com a prefeitura de São José de Ribamar, na grande São Luís, em troca de um “percentual” pelos recursos repassados. Segundo a investigação, a propina foi repassada em troca de R$ 6,67 milhões em emendas destinadas ao município.
“Os elementos informativos demonstram, portanto, que os denunciados formaram organização criminosa, liderada por Josimar Maranhãozinho, voltada à indevida comercialização de emendas parlamentares”, diz a denúncia.
Os parlamentares negam irregularidades no direcionamento dos recursos. As defesas pediram ao STF a rejeição da denúncia por falta de provas.