A produção de abacaxi no Espírito Santo ficou praticamente estável em 2023, com uma área colhida de 2.250 hectares ante 2.246 hectares em 2022. A produtividade teve uma leve queda, de 46.270 para 43.887 mil frutos entre os dois anos, assim como o rendimento médio, que passou de 20.601 quilos por hectare para 19.505 quilos por hectare. Marataízes permanece como o maior produtor, respondendo por 58,12% da produção, seguido de Presidente Kennedy (30,08%) e Itapemirim (6,77%).
O pesquisador do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), Luiz Carlos Santos Caetano, afirma que os desafios dos produtores para ampliar a produção estão ligados a problemas crônicos, como a alta incidência de doenças. Fusariose, murcha e viroses têm causado, segundo ele, perdas significativas na produção, fazendo com que a colheita comercial fique em torno dos 50% do total plantado.
O vírus da murcha causa prejuízos de dois modos: levando a planta à morte, antes mesmo da frutificação, ou impedindo a frutificação normal pelo elevado número de refugos. Os primeiros sintomas desta murcha são constatados no sistema radicular, que apresenta crescimento prejudicado. Já a fusariose é uma doença que afeta o abacaxizeiro e é considerada a mais importante para a cultura no Brasil. Também conhecida como “Gomose” ou “Resinose Fúngica”, a fusariose é causada por fungos do gênero Fusarium, que podem ser encontrados no ar, água, solo, plantas e substratos orgânicos. As informações são da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Foto: Sara Dousseau / Incaper
A mudança de cultivar, no entanto, não é vista como solução para os problemas da produção de abacaxi no Sul capixaba, já que o abacaxi Pérola, amplamente utilizado na região, mostra-se adaptado às condições locais. “O melhor manejo das lavouras e a mitigação da incidência das doenças são os maiores desafios e precisam continuar a ser trabalhados”, salienta.
Frutos que vêm do Norte
Mas nem só no Sul nasce o abacaxi capixaba. Municípios do Norte do Espírito Santo começam a despontar, com uma produção ainda tímida, mas crescente. São Mateus, por exemplo, é o quarto maior produtor e responde por 2,2% da produção do Estado, seguido de Jaguaré (1%) e Colatina (0,3%).
Em Sooretama, Boa Esperança e Mucurici, no Norte do Espírito Santo, uma inovação agrícola está transformando a forma como o abacaxi é cultivado e colhido. Trata-se do mulching, uma técnica que revoluciona a abacaxicultura ao proporcionar uma série de benefícios para produtores e consumidores. No epicentro dessa revolução encontra-se um projeto desenvolvido pelo Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper).
A Fazenda Experimental do Incaper em Sooretama é o coração pulsante do projeto pioneiro. Uma equipe de agricultores, técnicos, extensionistas e estudantes, sob responsabilidade da pesquisadora Sara Dousseau Arantes, desenvolve e aprimora a técnica do mulching na abacaxicultura, originalmente implementada no cultivo de morangos nas montanhas.
O mulching envolve o uso de lonas ou materiais plásticos para cobrir o solo ao redor das plantas. De acordo com Sara, o método traz uma série de vantagens. Uma delas é a possibilidade de colher os abacaxis fora da safra convencional. O tempo de cultivo, que geralmente demanda 18 meses, foi reduzido para 14 meses, permitindo que a colheita seja deslocada para um período de alta demanda e melhores preços, como junho e julho. “Com isso, os produtores conseguem obter um preço mais vantajoso”.
O plano de manejo elaborado pelo projeto é uma verdadeira engenharia agrícola. Ele começa com o plantio estratégico entre abril e maio. Após cerca de dez meses, é realizada a indução floral, o que resulta na produção de abacaxis justamente durante o período de maior lucratividade. As mudas utilizadas são das variedades Pérola, adquiridas em Marataízes; e Vitória, produzidas diretamente na Fazenda do Incaper em Sooretama.


Foto: Sara Dousseau / Incaper
Um aspecto notável do projeto é a implementação de canteiros elevados e plastificados, equipados com sistemas de irrigação. Esse sistema inovador, ainda pouco utilizado por produtores capixabas, oferece benefícios significativos. Reduz em até 70% a necessidade de capina (principalmente nas fases iniciais do desenvolvimento do abacaxizeiro), economiza dois terços da água usada para irrigação e promove um crescimento uniforme das mudas. “Além disso, o ambiente úmido e protegido favorece o desenvolvimento do sistema radicular, resultando em frutos de maior qualidade. Essa abordagem também contribui para a redução do uso de agrotóxicos, alinhando-se com práticas mais sustentáveis”, destaca a pesquisadora.
Resistência e lucratividade
O projeto não apenas revolucionou a forma como o abacaxi é cultivado, mas também está comprometido em difundir a cultivar de abacaxi BRS Vitória, uma variedade genuinamente capixaba desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com o Incaper, que é resistente à fusariose, considerada a principal doença da cultura no Brasil. Cerca de 30 produtores já adotaram essa variedade, ampliando o cultivo no Norte do Estado.
“A fusariose é tão devastadora que chega a causar entre 20% a 50% de morte nas mudas nos primeiros meses do plantio e entre 30 a 40% de perdas na produção dos frutos”, afirma Sara.
Outro benefício da cultivar Vitória é que as folhas da planta não possuem espinhos, o que possibilita maior adensamento da lavoura, chegando a duplicar o potencial produtivo. Segundo a pesquisadora, a ausência de espinhos facilita os tratos culturais, uma vez que reduz as lesões no trabalhador do campo ao adentrar a lavoura.
“Vale ressaltar que hoje existe um predomínio no cultivo do abacaxi Pérola que, além de suscetível à fusariose, possui espinhos em todas as margens das folhas. Pesquisas apontam ser possível aumentar em 160% o lucro com o plantio do abacaxi Vitória. Portanto, ações de extensão rural são fundamentais para incentivar os agricultores a adotarem o plantio dessa cultivar”.
Desafios
Nesse contexto de inovação, a coordenação do extensionista Ivanildo Kuster (Incaper) é fundamental. Ele é o elo entre os agricultores e a pesquisa científica, assegurando que as técnicas sejam adequadamente compreendidas e implementadas. Além disso, o projeto busca disseminar o conhecimento por meio de materiais de difusão tecnológica, visando ampliar a adoção das práticas do projeto.
Para Kuster, sempre há resistência da parte dos agricultores na adoção de novas tecnologias. E em se tratando de fruticultura, essa barreira é ainda maior.
“O agricultor do Norte do Espírito Santo tem tradição na produção de commodities, principalmente café e pimenta-do-reino, culturas cujo mercado não sofre grandes alterações na demanda em função do preço do produto. Ademais, devido à perecibilidade do abacaxi, a comercialização da fruta fresca (principal forma de venda no Brasil), deve ser feita imediatamente após a colheita, portanto, depende da colocação imediata no mercado, o que é um grande desafio”, analisa.
Nesse sentido, o trabalho da extensão rural é sumariamente importante, pois orienta o agricultor quanto às diversas maneiras de colocar o abacaxi no mercado, como por exemplo, por meio dos programas governamentais: os nacionais de Alimentação Escolar (Pnae), de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Projeto Estadual de Compra Direta de Alimentos (CDA). “A incorporação do mulching e da fertirrigação no sistema produtivo do abacaxi no Norte do Estado foi bem aceita pelo agricultor, que prontamente compreendeu os benefícios da tecnologia”, ressalta Kuster.
Zenildo Valandro, de Sooretama, é um exemplo. Ele já tem uma agroindústria na propriedade e vende polpa de abacaxi para o PNAE. O agricultor conta que o plantio experimental começou com 4.000 pés e outros 8.000 foram plantados recentemente. Segundo ele, a mão de obra e a irrigação diminuíram, a roça ficou “mais bonita e organizada” e a fruta está maior após o uso do mulching. Valandro ainda fez consórcio entre abacaxi e acerola usando a tecnologia.