A bancada do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, tem buscado costurar uma reação contra o julgamento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubou parte da decisão da Câmara no caso do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ). O grupo da oposição articula uma resposta institucional por meio do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), que está fora do Brasil até o final desta semana.
Para o deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL, a reação precisa ser construída de forma conjunta, incluindo Motta e os demais líderes da Casa. “Um ministro está se sobrepondo à vontade de toda a Câmara. Com a palavra, o presidente Hugo Motta. Vai defender a soberania do Parlamento ou assistir calado?” defendeu.
No último sábado (10), a Primeira Turma formou unanimidade para manter em andamento parte do processo contra Ramagem no caso da suposta tentativa de golpe de Estado. A decisão da Corte limita os efeitos da resolução aprovada pela Câmara dos Deputados, que havia determinado a suspensão da ação enquanto durar o mandato do parlamentar.
Além disso, o texto dos deputados previa a paralisação de toda a ação do STF. A medida também poderia beneficiar o ex-presidente Bolsonaro e mais cinco réus do mesmo processo.
Apesar disso, o colegiado do STF determinou que a suspensão aprovada pelos deputados deve ser limitada a Ramagem e apenas aos crimes que ele supostamente cometeu após sua diplomação como deputado, em dezembro de 2022. Ou seja: deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União.
Para os demais crimes pelos quais o deputado é acusado, a ação segue normalmente. Com isso, Ramagem vai responder por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e envolvimento em organização criminosa armada. O processo é relatado pelo ministro Alexandre de Moraes.
Neste cenário, a bancada da oposição pressiona para que Hugo Motta apresente um recurso para que a decisão da Primeira Turma seja analisada pelo plenário do STF. Ou seja, pelos 11 ministros e não apenas pelos cinco membros do colegiado. O presidente da Câmara, no entanto, está em viagem para os Estados Unidos, onde participa de um fórum com empresários.
“Achamos que a Câmara deveria sim recorrer ao plenário (do STF). Mas agora só cabe ao Hugo. Ramagem está conversando com ele”, disse o deputado Sóstenes Cavalcante.
Aos seus aliados, Motta tem sinalizado que ainda vai decidir se vai ou não recorrer. A expectativa é de que a diretoria jurídica da Câmara prepare um parecer sobre o caso e apresente ao deputado a partir do seu retorno ao Brasil, a partir de quinta-feira (15).
Oposição cobra promessa de campanha feita por Motta
Líderes da oposição avaliam que o STF “atropelou” a decisão da Câmara, mesmo diante do placar expressivo pela aprovação da suspensão da ação contra Ramagem. Na votação, foram 315 votos favoráveis e 143 contrários.
“Alexandre de Moraes e o STF mais uma vez afrontam o Poder Legislativo quando ignoram a decisão soberana da Câmara. A democracia e a vontade popular não podem continuar sendo pisoteadas”, disse Marcel van Hattem (RS), líder do Novo.
Já o líder da oposição, deputado Luciano Zucco (PL-RS), classificou a decisão da Primeira Turma como mais um capítulo da “escalada autoritária” sobre o Estado de Direito no Brasil. “Quando um único ministro escolhe desconsiderar, de forma explícita, a vontade expressa da maioria do Parlamento, ele ataca a representação popular, o princípio democrático e a independência entre os Poderes”, afirmou.
Os deputados do PL lembram ainda que Motta, enquanto candidato à presidência da Câmara, se comprometeu a defender as prerrogativas constitucionais da Casa, como promessa de campanha. “A garantia das prerrogativas parlamentares é essencial para o fortalecimento do povo, pois cada um de nós está diretamente relacionado aos anseios daqueles que nos deram o voto”, disse Motta durante a disputa, em fevereiro deste ano.
Além das críticas dos parlamentares da direita, integrantes do Centrão avaliam nos bastidores que houve uma clara interferência do STF numa prerrogativa que consideram ser exclusiva do Parlamento. A decisão da Câmara sobre o caso Ramagem se baseou no artigo 53 da Constituição, que trata da imunidade parlamentar e permite que a Casa ou o Senado interrompam ações penais contra parlamentares durante o mandato deles, desde que sejam sobre crimes cometidos após a diplomação.
Governo comemora julgamento que limitou decisão sobre Ramagem
Por outro lado, aliados do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comemoraram o resultado da decisão da Primeira Turma do STF. O Palácio do Planalto chegou a mobilizar seus ministros para tentar impedir a votação do recurso na Câmara, mas a movimentação acabou não surtindo efeito, já que partidos da base votaram pela aprovação da suspensão da ação contra Ramagem.
Dos 315 votos favoráveis, ao menos 190 foram de deputados de partidos como MDB, PP, PSD, Republicanos, União Brasil, PDT e PSB. Integrantes do PT, no entanto, avaliam que os congressistas tentaram fazer uma “manobra” inconstitucional para beneficiar o ex-presidente Bolsonaro.
“A proposta de resolução aprovada (pela Câmara) caracteriza uma aberração jurídica de natureza teratológica, por violar diretamente a decisão anterior da Primeira Turma, que limitou, com maioria formada, a possibilidade de sustação apenas ao parlamentar individualmente denunciado e apenas quanto a crimes praticados após sua diplomação”, disse Lindbergh Farias (RJ), líder do PT na Câmara.
Já a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, chegou a sinalizar que a Câmara havia “excedido” as competências ao trancar a ação penal de Ramagem e dos demais réus do processo. “Ela (a Câmara) só poderia dispor para trancar um processo penal de um indivíduo, de uma pessoa; e avaliando a questão do deputado, e só dos crimes cometidos após a diplomação. Do jeito que foi aprovado, praticamente a Câmara está tentando trancar toda a ação penal”, disse a ministra.
Em abril, o relator do caso, Alexandre de Moraes, e o presidente da Primeira Turma do STF, Cristiano Zanin, já haviam se manifestado no sentido de limitar a suspensão apenas a Ramagem nos crimes supostamente cometidos antes da diplomação. A restrição da suspensão somente ao deputado se baseia numa súmula do STF (decisão que consolida uma jurisprudência) segundo a qual “a imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa” (súmula 245).
Em seu parecer, o deputado Alfredo Gaspar (União Brasil-AL), argumentou que mesmo os crimes que teriam ocorrido antes da diplomação estariam abrangidos pela sustação, porque seriam “permanentes”, ou seja, se prolongaram no tempo. Além disso, o parlamentar argumentou que incluiu os demais réus no recurso, pois o Ministério Público colocou todos no mesmo processo de Ramagem.
“Quem escolheu colocar o Ramagem e os outros numa mesma denúncia? Foi o Ministério Público, que, sabendo que ele era deputado, sabendo que ele estava no núcleo principal, segundo a denúncia, poderia ter tido o cuidado de fazer uma denúncia em apartado. Não, o Ministério Público colocou todos no mesmo vagão do trem”, disse o relator.