O diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Fernando Mosna classificou como possível “erro grosseiro” os cálculos apresentados pelo Ministério de Minas e Energia (MME) para baixar a conta de luz com a antecipação, via mercado financeiro, de valores devidos pela Eletrobras ao sistema elétrico.
O governo dizia que a operação contribuiria para uma redução média de até 4% na conta de luz do brasileiro. Análise feita pela Aneel, porém, indicou que a queda será inexpressiva – de 0,02%, em média. Em vez do ganho financeiro de R$ 510 milhões esperado pelo MME, a transação rendeu menos de R$ 50 milhões para baratear a energia, pelos cálculos da agência.
De acordo com o diretor da Aneel, a medida serviu para ajudar os bancos. “Além de tudo isso, o waiver fee – pagamento adicional aos bancos em razão do pré-pagamento das operações da Conta Covid e da Conta Escassez Hídrica – no valor de aproximadamente R$ 285 milhões representa cerca de seis vezes o benefício econômico final destinado ao consumidor, estimado em apenas R$ 46,5 milhões”, diz o relatório de Mosna sobre o caso, lido em reunião pública da diretoria da agência reguladora.
“Em outras palavras, o protagonista do setor elétrico – o consumidor – foi utilizado como justificativa para uma operação financeira da qual não foi o maior beneficiário, enquanto os bancos se posicionaram como principais ganhadores”, prossegue o texto.
Ao comentar a diferença entre os números que projetou e os efeitos concretos da operação, o MME afirmou que o resultado do benefício aos consumidores “foi sendo atualizado ao longo do processo”, por “naturalmente envolver incertezas inerentes a qualquer projeção”.
Ao falar em potencial “erro grosseiro” em seu relatório, Mosna o descreveu como “aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia” e lembrou que, segundo a legislação, “o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.
As palavras do diretor da Aneel esquentaram ainda mais a briga entre ele, que assumiu o cargo na direção da autarquia em 2022, no governo Bolsonaro, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
O ministro vinha cobrando agilidade da Aneel para analisar processos de interesse do governo e ameaçou intervir na agência caso o quadro de “inércia alongada” persistisse. Também criticou a Aneel pela falta de energia em São Paulo após o temporal ocorrido semanas atrás.
Diante da análise das informações, a diretoria da Aneel aprovou por unanimidade a abertura de consulta pública para discutir proposta de regulamentação dos efeitos para cada distribuidora da quitação antecipada das Contas Covid e Escassez Hídrica.
Essas duas contas, criadas no governo passado, foram medidas emergenciais para proteger os consumidores de aumentos tarifários e, ao mesmo tempo, ajudar as distribuidoras de energia elétrica a enfrentarem os desafios decorrentes da pandemia de Covid-19, como a inadimplência.
A diretoria da Aneel decidiu, ainda, instaurar um processo de fiscalização sobre os atos da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), responsável pela operação que antecipou recebíveis da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
O cálculo em questão trata-se da operação financeira que o governo fez em abril para pagar juros de dívidas da Conta Covid e da Escassez Hídrica, ambas contraídas nos últimos quatro anos e que impactaram na conta de luz da população.
Operação para receber pagamento antecipado reduziu conta de luz em apenas 0,02%
A proposta do governo com a antecipação de recursos da Eletrobras era migrar para taxas de juros menores que as aplicadas sobre as dívidas da Conta Covid e da Escassez Hídrica, ambas contraídas nos últimos quatro anos e que tiveram impacto sobre a conta de luz.
Em abril, o governo publicou a Medida Provisória 1.212, que previa o recebimento do dinheiro da Eletrobras por meio da venda de recebíveis – uma operação de mercado chamada de securitização. Com isso, o governo poderia pedir empréstimo ao setor privado tendo o dinheiro a ser recebido da Eletrobras como garantia. Mas, de acordo com a Aneel, só o governo e bancos se beneficiaram com a manobra.
A justificativa do governo para a MP era que a operação reduziria a conta dos brasileiros em 4%, e que a securitização dos recursos da Eletrobras poderia liberar R$ 510 milhões, os quais seriam revertidos em modicidade tarifária.
Segundo a Aneel, porém, a redução na conta de luz não passou de 0,02% e apenas R$ 46,5 milhões acabaram destinados a reduzir a conta de luz. Além disso, a medida beneficiou 50 distribuidoras, mas outras 53 terão prejuízo.
“Essa situação coloca em xeque a confiança da sociedade na condução das políticas públicas pelo MME, especialmente no que tange ao rigor e à transparência de operações que envolvem recursos tarifários e impacto direto aos consumidores”, escreveu o relator.
Na prática, explica a consultoria TR Soluções, a quitação antecipada das contas Covid e Escassez Hídrica – que deveria acabar em 2025 – já passou a ser considerada nos eventos tarifários a partir de outubro de 2024 e vai durar até 2027.
A empresa, especializada em estimativas tarifárias, ressalta que para considerar os efeitos reais da medida nas tarifas não basta subtrair os valores das contas. Isso porque, se por um lado os consumidores deixam de recolher as quotas da dívida, a quitação implica também a suspensão, por três anos, dos aportes da CDE Eletrobras às tarifas.
A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) é o fundo de onde o governo antecipou depósitos feitos pela Eletrobras. Ele é pago por todos os consumidores. Ou seja, todos pagarão por uma medida que não beneficiou a população.
“Com a MP 1.212, uma parte do benefício oriundo da desestatização da Eletrobras, que vinha sendo distribuído de forma igualitária entre todos os consumidores cativos do Brasil, será utilizado para quitar empréstimos que foram alocados de acordo com as necessidades específicas de cada distribuidora”, aponta análise da TR Soluções.
“Deixa de ser isonômica entre as concessionárias de distribuição, resultando em uma quebra de expectativas em relação aos benefícios esperados para mais de 67% do mercado cativo de energia do país”, prossegue o texto.
MME diz que negociação resultou em taxas de juros menores
O Ministério de Minas e Energia (MME), por sua vez, disse que a medida provisória estabelecia a condição de que os consumidores fossem beneficiados e que a negociação resultou em taxas de juros significativamente menores do que as anteriores.
“Enquanto os empréstimos das Contas Covid e Escassez Hídrica tiveram uma taxa de juros efetiva equivalente a CDI+3,6% ao ano, a operação de antecipação de recebíveis foi negociada com uma taxa efetiva equivalente a CDI+2,2% ao ano”, informou a pasta.
O ministério afirma que os impactos da quitação antecipada “extrapolam o benefício mensurado” na forma proposta pela referida Portaria Interministerial.
“Nesse sentido, por naturalmente envolver incertezas inerentes a qualquer projeção, o resultado do benefício aos consumidores foi sendo atualizado ao longo do processo, considerando-se, dentre outros aspectos, a data de quitação dos empréstimos, as expectativas relativas à evolução da taxa DI e à inflação, a atualização dos saldos devedores das Contas Covid e Escassez Hídrica, bem como os demais custos administrativos, financeiros e tributários envolvidos”.