A guerra sangrenta que marcou o regime militar tem episódios ainda nebulosos e que talvez nunca sejam esclarecidos. Leste não é o caso da prisão e da morte do ex-deputado Rubens Paiva, em 1971.
Ainda não se sabe o que foi feito com o sucumbido dele. Mas é verosímil saber, além de qualquer incerteza razoável, o que aconteceu com ele desde o momento em que foi retirado da sua moradia no Leblon por militares da Aviação, na manhã de 20 de janeiro.
Fruto de família rica, membro do Partido Socialista Brasílico
Confira:
- 1 Fruto de família rica, membro do Partido Socialista Brasílico
- 2 Paiva sacou arma para agentes do DOPS
- 3 Procuração cassado em 1964
- 4 Missiva interceptada levou militares a buscarem Rubens Paiva
- 5 A prisão
- 6 A versão da fuga
- 7 Para Bolsonaro, Paiva foi morto por militantes de esquerda
- 8 Coronel admite farsa para ocultar morte de Rubens Paiva
- 9 Fado do corpo continua ignoto
Rubens Beyrodt Paiva nasceu em Santos (SP), em dezembro de 1929. Ele vinha de uma uma família rica: o pai era empresário e ganhou verba com as exportações de produtos agrícolas brasileiros. O porvir deputado federalista se formou em Engenharia na Universidade Mackenzie, em São Paulo, e teve cinco filhos com Eunice Facciolla Paiva — que é interpretada por Fernanda Torres em “Ainda Estou aqui“. Os dois haviam se divulgado ainda no escola.
Ainda no Mackenzie, Rubens Paiva se envolveu no movimento estudantil. Assim porquê o pai, ele se filiou ao Partido Socialista Brasílico, que — ao contrário do Partido Comunista — buscava a implementação do socialismo de forma gradual, usando a estrutura institucional da democracia.
Em 1955, ele abriu a S/A Paiva Construtora. Com engenheiro, ele integrou um dos times que apresentaram projetos para a construção de Brasília. Embora não tenha sucedido (a equipe de Lúcio Costa seria escolhida), Rubens Paiva participou da construção de nove viadutos na capital e de empreendimentos porquê o Hotel Vila Rica, em São Paulo.
Paiva sacou arma para agentes do DOPS
Rubens Paiva foi eleito deputado federalista pelo PTB em 1962, na primeira experiência porquê candidato. Ele deixara o PSB para aumentar suas chances de sucesso eleitoral.
Aos 34 anos, o jovem parlamentar tomou posse no ano seguinte. Seu momento de maior destaque foi a participação na Percentagem Parlamentar de Interrogatório (CPI) que apurava o envio de recursos do governo americano para desestabilizar o governo João Goulart por meio do Instituto Brasílico de Ação Democrática (Ibad).
Rubens Paiva tinha temperamento potente.
Em fevereiro de 1964, ele foi uma das duas milénio pessoas presentes ao lançamento da Frente de Mobilização Popular, em São Paulo. O grupo pretendia reunir forças de esquerda para resistir ao que chamava de “ameaça golpista”.
Durante um tumulto ao termo do evento agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) levaram recluso um professor da USP e sua mulher. Rubens Paiva subiu no capô da viatura para impedir que eles fossem levados. “Sou deputado federal! Soltem o casal que está nessa perua! Essa prisão é ilegal!”, ele gritava.
Os militares hesitaram e fizeram contato com os superiores pelo rádio. Eles receberam ordens de tirar Rubens Paiva do capô “a tapa”. Mas o deputado sacou o revólver que carregava, o que colocou termo à situação: sem querer produzir um incidente sangrento com uma mando da República, eles libertaram o par.
A história é contada pelo premiado biógrafo Jason Tércio, em um livro publicado pela Câmara dos Deputados.
Procuração cassado em 1964
O procuração do deputado socialista durou pouco. Paiva foi cassado em 1964 e se exilou na Iugoslávia até novembro. Em 1966, mudou-se de São Paulo para o Rio de Janeiro. Lá, ele foi diretor da Machado da Costa, uma grande empresa de engenharia. Quatro anos depois, passou a trabalhar para a Geobrás Engenharia e Fundações.
Não há registro de que Rubens Paiva tenha feito secção de grupos armados. Assim porquê Fernando Henrique Cardoso, de quem era companheiro, o ex-deputado acreditava que o conflito direto era uma estratégia infrutífera.
Ao mesmo tempo, é verdade que ele prestou esteio, inclusive financeiro, para que Helena Bocayuva, integrante do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro), deixasse o Brasil rumo ao Uruguai.
O MR-8 participou do sequestro do emissário americano no Brasil, Charles Elbrick, em 1969.
Jason Tércio conta, sucintamente, outro obséquio de Rubens Paiva ao grupo: “Um dia ele entregou a Marco Antônio um caixote com armas, para que desse um sumiço ou fizesse o que considerasse mais adequado”.
O interlocutor era Marco Antônio Costa, ex-deputado federalista e integrante do Partido Comunista Brasílico. “O PCB era contra a guerrilha, e Marco Antônio repassou o caixote a seus colegas de clandestinidade, que o jogaram no mar pelo penhasco da avenida Niemeyer”, afirma Tércio.
Missiva interceptada levou militares a buscarem Rubens Paiva
O incidente da prisão de Rubens Paiva está indiretamente ligado ao sequestro do emissário suíço Giovanni Enrico Bucher pela VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), em 1970.
O par Luiz e Jane Viveiros de Castro estava entre os 70 presos libertados em troca da soltura do diplomata. Eles rumaram para o exílio no Chile.
Em janeiro do ano seguinte, a mãe de Luiz, Cecília Viveiros de Castro, e a mana de Jane, Marilene Corona Franco, foram visitar o par. Elas voltaram juntas ao Brasil em 20 de janeiro de 1970. Escondidas sob a roupa, as duas traziam consigo cartas dos exilados a familiares e amigos em território brasílico.
As duas foram abordadas por militares logo que desembarcaram no aeroporto. Não demorou para que as cartas fossem encontradas.
O informe do SNI (Serviço Pátrio de Lucidez), produzido à era, registrou que “ao ser interrogada, Marilene declarou que as cartas que conduzia deveriam ser entregues no Rio, a um Sr. por nome RUBENS, que as faria chegar aos destinatários”. Ligado ao MR-8, Carlos Alberto Muniz seria o destinatário final da missiva.
Na denúncia que ofereceu contra os acusados de matar Rubens Paiva, em 2014, o Ministério Público Federalista afirma que o material incluía “papéis com conteúdo político”.
Não há consenso sobre o teor da missiva. Uma das versões afirma que o teor tinha material para ser usado em publicações (clandestinas) do MR-8. Outra, defendida pelo historiador Luís Mir, de que havia “documentos” para o grupo guerrilheiro. Ao mesmo tempo, Mir afirma que a decisão de usar Paiva porquê intermediário da correspondência foi tomada por Helena Bocayuva e Luiz Viveiros de Castro “sem consulta a outros responsáveis da organização”.
Presa, Marilene foi obrigada a vincular para Rubens Paiva e avisar sobre a missiva. A conversa estava sendo gravada pelos policiais, que buscavam confirmar se o ex-deputado estava em moradia.
A prisão
Rubens havia voltado da praia e jogava gamão com Eunice quando militares da Aviação bateram à sua porta. Marcelo Rubens Paiva, fruto mais novo do ex-deputado e porvir noticiarista, ainda dormia.
Sem que o ex-deputado resistisse, os agentes o conduziram a uma unidade da Aviação — a III Zona Aérea (atual Comar 3), ao lado do aeroporto Santos Dumont. Cecília e Marilene já estavam presas na mesma unidade. Anos depois, elas afirmariam ter ouvido Rubens Paiva ser espancado numa sala.
Ele também foi disposto frente a frente com Marilene para uma acareação. Segundo ela, só logo ela associou o nome de Rubens Paiva a um rosto: por possibilidade, ela era professora do Escola Sion, onde os filhos dele estudavam.
Da unidade da Aviação, Rubens Paiva foi levado (assim porquê Cecília e Marilene) para DOI-CODI. No coche, Marilene disse ter visto Rubens Paiva com hematomas no rosto e na camisa suja de sangue. No DOI-CODI, elas ouviram mais berros do ex-deputado.
Elas ouviam Paiva manifestar que não tinha contato com Marilene e não sabia sobre cartas vindas do Chile. Ele também era interrogado sobre Jane e Luiz Rodolfo (os exilados que haviam sido libertados em seguida o sequestro do emissário suíço), e dizia que não os conhecia.
Outro recluso, Edson de Medeiros, confirmou ter visto Rubens Paiva ser levado para ser torturado.
Anos depois, o coronel Armando Avólio Fruto também admitiu que, depois de ter visto o que considerava uma violência excessiva no tratamento oferecido a Rubens Paiva, procurou o seu superior, José Antônio Nogueira Belham, para alertá-lo sobre a situação e o risco de que o ex-deputado morresse.
Chamado às pressas na madrugada de 21 de janeiro, um médico do Tropa, Amílcar Lobo, encontrou Rubens Paiva em uma situação sátira. Ele se queixava de dores no abdômen e tinha sinais de hemorragia interna — talvez por ruptura hepática. As marcas de lesão estavam por todo o corpo. O médico disse que, se não fosse levado ao hospital, o recluso (que ele não reconheceu) tinha poucas chances de sobreviver. O coronel Ney Fernandes desprezou o parecer. Quando o mesmo médico chegou no expediente, às 7h30 do dia seguinte, foi informado de que o recluso havia morrido.
Em um testemunho oferecido voluntariamente à Polícia Federalista em 1986, o médico confirmou a história.
Depois de permanecer sob o poder dos militares na própria moradia durante algumas horas, Eunice Paiva foi detida e permaneceu 12 dias detrás das grades. A filha Eliana, de 15 anos, passou um dia presa.
Elas não sabiam o que havia sucedido com o pai.
A versão da fuga
No dia seguinte à morte de Rubens Paiva, um capitão do Tropa escreveu um ofício ao director do DOI-CODI com um relato surpreendente: o ex-deputado na verdade havia sido resgatado por um grupo de guerrilheiros que abrira queima contra uma viatura. A história dizia que, quando o ataque ocorreu, Paiva estava sendo levado para mostrar a moradia de alguém que havia trazido cartas dos exilados no Chile.
A libertação de Rubens Paiva à força teria sucedido de madrugada, em uma estrada sinuosa no Eminente da Boa Vista.
Numa atitude incomum, os militares divulgaram um transmitido sobre o incidente e chamaram a prensa para fotografar o coche e dar visibilidade a um incidente que, do ponto de vista das Forças Armadas, poderia ser interpretado porquê uma humilhação. Segundo a versão apresentada, um dos tiros disparado pelos terroristas atingiu o tanque de gasolina e incendiou a viatura.
O informe original, assinado pelo militar Raymundo Ronaldo Campos, dizia: “Na pista de descida ao Alto da Boa Vista, lado da Usina, o Volks da equipe do DOI foi interceptado por dois Volks, um branco e outro verde ou azul-claro, que violentamente contornaram a frente do carro do DOI disparando armas de fogo. “
O relato também trazia detalhes da suposta fuga do ex-deputado. “O Sr Rubem (sic) saiu pela porta esquerda, atravessou a rua refugiando-se atrás de um poste enquanto elementos desconhecidos, provavelmente terroristas, pelo tipo de ação desencadeada, disparavam de atrás dos carros sobre o nosso carro, ele corria para dentro de um dos carros os quais logo partiam em alta velocidade”.
De forma universal, a prensa reproduziu a versão solene sem colocá-la em xeque.
No Jornal do Brasil, a chamada era “Terroristas metralham automóvel da polícia e resgatam subversivo”. “Terror resgatou preso em operação-comando”, anunciava a envoltório da Tribuna da Prelo
A envoltório de O Mundo trazia uma foto do Fusca incinerado e a manchete “Terror liberta subversivo de um carro dos federais”.
A história também foi repetida na tribuna da Câmara dos Deputados pelo deputado Nina Ribeiro, da Estádio.
“A versão que se tem, veraz, do acontecido, foi a de uma colisão com o automóvel em que se encontrava Rubens Paiva. Por que houve o ataque a essa viatura? Por que desapareceu ele? É algo que V.Exa. não pode exigir do governo, no momento. O governo não é um ser ciclópico, onímodo, onipresente, capaz de mergulhar até nos desvãos, nos porões sombrios da subversão”, ele disse. Ribeiro se dirigia ao colega Marcos Freire, do MDB, que mencionara a prisão de Paiva.
A versão da fuga, sustentada pelo Exército no julgamento do habeas corpus no Superior Tribunal Militar, foi usada para que o pedido fosse negado. Se Rubens Paiva fugira, não havia preso a libertar.
Para Bolsonaro, Paiva foi morto por militantes de esquerda
A versão de que Rubens Paiva fugira (ou fora levado à força) por guerrilheiros permaneceu popular em certos grupos pró-regime militar.
Em 2012, o então deputado Jair Bolsonaro afirmou, em um discurso na Câmara, que Paiva havia sido morto pelo grupo de Carlos Lamarca. Mas, na interpretação de Bolsonaro, Paiva na verdade havia sido libertado pelos militares — e não retirado da viatura pelos terroristas.
“O grupo do Lamarca suspeitou que Rubens Paiva o havia denunciado. E esperaram o momento certo. Quando o Rubens Paiva foi detido pelo Exército, posto em liberdade, com toda a certeza, foi capturado e justiçado pelo bando do Lamarca e pelo bando da Esquerda, da VPR. E aí a culpa recai sobre as Forças Armadas”, discursou o porvir presidente da República.
De acordo com Bolsonaro, Lamarca tinha o apoio logístico do ex-deputado: “O Lamarca usava aquela região, indicada por Rubens Paiva, e bancado, financeiramente, por Rubens Paiva.”
Dois anos depois, Bolsonaro insistiu na tese e apresentou uma explicação mais detalhada: ele afirmou que Paiva havia cedido uma propriedade rural para Lamarca e seus comparsas se instalarem, e que foi morto para não contar o que sabia aos militares.
“Do topo da cidade de Eldorado Paulista, cidade bastante pequena, via-se a chácara de Rubens Paiva, a montante do Rio Ribeira de Iguape, Fazenda Palmital, área de guerrilha, área onde Lamarca mobilizou. E fornecida por quem? Está na cara: Rubens Paiva deu a área de guerrilha para Lamarca”, afirmou Bolsonaro.
O deputado, então no PP, prosseguiu: “Interessava ao Grupo VPR, de Dilma Rousseff, executar Rubens Paiva. Ele, que seria o delator, deveria ser justiçado.”
Coronel admite farsa para ocultar morte de Rubens Paiva
De indumentária, o pai de Rubens Paiva tinha 5 milénio alqueires de terreno em Eldorado Paulista ainda em 1941. Mas o uso da espaço para atividade de guerrilha não aparece nos relatórios das Forças Armadas sobre a prisão do ex-deputado.
A versão apresentada por Bolsonaro, que foi criado em Eldorado Paulista e morava na cidade quando o grupo de Lamarca passou por lá, não parece ser referendada pelos militares que investigaram Rubens Paiva.
O informe do SNI, datado de 25 de janeiro, registra a prisão de Rubens Paiva e fala das cartas vindas do Chile, mas não menciona a suposta fuga.
A reviravolta definitiva na versão solene aconteceu exclusivamente em novembro de 2013. Em testemunho à Percentagem da Verdade do Estado do Rio de Janeiro, o coronel reformado Raymundo Ronaldo Campos admitiu que a cena foi montada de forma propositado, depois da morte de Rubens Paiva.
Ele contou que ele e outros dois militares foram de viatura até o Eminente da Boa Vista. Logo, eles dispararam contra o coche e atearam queima no veículo. A ordem para a encenação teria partido do major Francisco Demiurgo Santos Cardoso com o objetivo acobertar a morte de Rubens Paiva.
Fado do corpo continua ignoto
Ao longo dos anos, surgiram diferentes versões sobre o orientação do corpo de Rubens Paiva: lançado ao mar, jogado em um rio, sepultado porquê indigente no Cemitério do Caju, enterrado em uma espaço de mata no Eminente da Boa Vista.
A escassez de um sucumbido atrasou a emissão do atestado de óbito, que só foi emitido em 1996. Na última quinta-feira (23), o documento foi transformado para incluir a informação de que ele foi morto violentamente pelo Estado brasílico.
Em 2014, o Ministério Público Federalista ofereceu denúncia contra cinco militares acusados de envolvimento no homicídio do ex-deputado: José Antônio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Raymundo Ronaldo Campos, Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza.
Outros quatro militares que já haviam morrido à era da denúncia também são citados porquê responsáveis pela morte: Antonio Fernando Hughes de Roble (que teria sido o principal torturador de Rubens Paiva), Freddie Perdigão Pereira, Ney Fernandes Antunes e João Paulo Burnier.
Depois de idas e vindas, o processo tramita atualmente no STF (Supremo Tribunal Federalista).