“Nascemos do desejo de oferecer comunhão aos cristãos que não congregam em igrejas evangélicas em razão da aliança feita por pastores com o bolsonarismo e da falta de ensino sólido das Escrituras.”
A frase supra é a primeira da lista de princípios apresentada no site da Rede de Pequenas Igrejas, congregação independente surgida há pouco mais de dois anos no Rio de Janeiro. E não está lá por contingência.
Seu fundador, o pastor e teólogo Antônio Carlos Costa, de 62 anos, notabilizou-se por ser uma das principais referências antibolsonaristas do meio evangélico brasílico, a ponto de ter sua trajetória religiosa e pessoal viradela de cabeça para grave devido a sua oposição ferrenha ao ex-presidente.
No último termo de semana, Costa viralizou nas redes sociais com um vídeo no qual sugere que as igrejas dediquem um tempo de seus cultos para agradecer a Deus por ter impedido a volta da ditadura no Brasil.
“Deus nos preservou de assassinatos, desaparecimentos, torturas, censura, regime de exceção, fechamento do Congresso Nacional e do STF”, disse, referindo-se ao indiciamento de Jair Bolsonaro no interrogatório que investiga uma suposta tentativa de golpe de Estado em seguida a eleição de 2022.
A enunciação — amplamente comentada no círculo cristão — também chegou ao público secular, que pode ter se surpreendido com a figura de um pastor francamente progressista e tão patente de que o país esteve perto de tolerar um “banho de sangue” (nas palavras dele).
Mas o histórico duvidoso de Antônio Carlos Costa no evangelismo brasílico vem de longa data. Começa mais especificamente em 2007, quando Bolsonaro ainda era um deputado federalista mais ligado às demandas dos militares.
Naquele ano, Costa, portanto um líder presbiteriano, criou uma das ONGs mais conhecidas do país, principalmente por seu caráter midiático: a Rio de Sossego.
Para quem não está ligando o nome à organização, a Rio de Sossego é notória por promover manifestações públicas marcadas por imagens fortes, pensadas para invocar a atenção dos meios de informação para causas ligadas aos direitos humanos.
A estreia aconteceu na praia de Copacabana, onde o pastor e outros voluntários fincaram 700 cruzes na areia, para simbolizar vítimas de violência no Rio de Janeiro. O protesto virou notícia até na prensa estrangeira e, uma vez que a fórmula funcionou, o grupo passou a investir em performances ainda mais chocantes.
Porquê a instalação com roupas íntimas femininas montada para denunciar o aumento de casos de estupro. Ou os jovens pendurados em paus-de-arara em um ato para “valorizar a democracia”. E ainda as centenas de covas simbolizando as vítimas da pandemia da Covid-19.
Estes e outros protestos foram registrados num documentário, “A Estética da Luta” (2022), que conta com depoimentos de figuras do campo da esquerda uma vez que o padre Júlio Lancellotti, o político Marcelo Freixo e o repórter britânico Tom Phillips (correspondente do jornal progressista The Guardian na América Latina).
“Eu não crio essas imagens para quem passa pela rua. Faço para atrair o cinegrafista, o fotógrafo. E para causar constrangimento nas autoridades, que têm sua incompetência exposta”, diz Antônio Carlos Costa no filme, em resposta aos críticos que acusam suas manifestações de serem de mau palato e apelativas.
Pastor admite que trouxe temas “sociais” para dentro da igreja
O veste é que, desde a instauração da ONG, Costa passou a se dividir entre o púlpito de seu ministério presbiteriano na Barra da Tijuca e as manifestações uma vez que ativista político.
O que por si só causou um patente desgaste junto aos fiéis — acentuado pelos relatos, durante os cultos, de suas experiências em favelas, prisões e outros ambientes que passou a frequentar (a atuação da Rio de Sossego também inclui trabalhos assistenciais).
“Comecei a me deparar com pobreza, desigualdade, mortes violentas, balas perdidas, execuções extrajudiciais, policiais mortos em operações… Voltava para a igreja transtornado, porque tive contato com uma realidade que só conhecia de ouvir falar”, diz o pastor, em entrevista à Publicação do Povo.
Ele admite que pode ter “errado a mão” em algumas ocasiões nas quais trouxe sua militância para os encontros religiosos — questionando, para si mesmo e os seguidores, o que a moral cristã tinha a expor sobre a miséria e violência do país.
“Acho que houve uma sobrecarga emocional da minha parte. Não era fácil ter um autocontrole diante de coisas tão bárbaras que eu via pela primeira vez”, afirma o pastor, que em seguida escreveu livros uma vez que “Convulsão Protestante: Quando a Teologia Foge do Templo de Abraça a Rua” e “Teologia da Trincheira: Reflexões e Provocações sobre o Indivíduo, a Sociedade e o Cristianismo”.
Mas, até portanto, Antônio Carlos Costa era uma personalidade relativamente respeitada mesmo entre alguns evangélicos mais conservadores — que faziam ressalvas a seu ativismo, porém o viam uma vez que um teólogo consistente.
Em entrevistas, o pastor fazia críticas aos governos petistas (principalmente no tocante à questão da segurança pública) e chegou a participar das manifestações de julho de 2013 — numa delas, viu seu fruto ser recluso, confundido com um baderneiro black bloc (o jovem acabou sendo inocentado cinco anos depois).
No entanto, partir de 2018, o suporte massivo da comunidade evangélica a Jair Bolsonaro marcou o início de uma reviravolta na história de Costa.
“O caldo entornou de vez com o advento do bolsonarismo”, afirma o religioso, que passou a fazer uma oposição pesada ao presidente e sentenciar as igrejas que exaltavam seus valores — segundo ele, anticristãos.
“Eu não poderia ficar do lado de uma pessoa que defende o retorno ao regime militar, presta homenagem à memória de um torturador, diz para uma deputada que não a estupraria por ela ser feia. Não poderia associar minha fé a esse projeto político, tampouco ficar calado”, afirma.
O vértice dessa tensão aconteceu durante a pandemia, com o já citado protesto público da Rio de Sossego e o prova de Costa no Congresso Pátrio durante a CPI da Covid (meses depois, a mãe dele morreria por razão do vírus).
Religioso diz que foi boicotado por lideranças evangélicas
Antônio Carlos Costa acabou deixando a Igreja Presbiteriana em 2022. Disse que estava muito cansado e não conseguia atender todas as demandas da comunidade. Até chegar à epílogo de que a atuação de pregador era incompatível com a de militante, devido ao envolvente polarizado do país.
Mesmo assim, fundou a Rede de Pequenas Igrejas, iniciada unicamente com cultos online e que hoje promove reuniões semanais em Niterói (RJ).
Em seus vídeos mais recentes, afirma ter sido “cancelado” e posto no ostracismo por lideranças do meio cristão — que, segundo ele, tiraram secção de seu sustento ao boicotar seus livros e não o invitar mais para eventos.
No entanto, a julgar pelo texto de vários comentários deixados em suas postagens, Costa também foi sendo desabitado pelos próprios seguidores, que, independentemente de posições políticas, o admiravam por suas qualidades no púlpito.
Porquê afirmou uma antiga admiradora em sua conta no Instagram: “Era lindo quando você se dedicava à pregação do evangelho. Mas a militância pulsou mais forte que o chamado”.