O início da ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus que também respondem pela suposta tentativa de golpe em 2022 demonstra que o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, quer dar ritmo rápido ao processo no Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar de algumas tentativas de arrastar o procedimento, Moraes tem dado decisões para adiantar as etapas até o julgamento.
Desde 26 de março, quando a Primeira Turma do STF aceitou, por unanimidade, a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), tornando Bolsonaro e outros sete acusados réus no processo, diversos atos de Moraes têm contornado pedidos das defesas, dando mais celeridade ao caso.
O ministro até encabeçou na semana passada uma negativa da Primeira Turma em acatar uma decisão da Câmara dos Deputados para suspender a ação penal pelo fato de um dos acusados, o Alexandre Ramagem, ser deputado federal em exercício de mandato. A Câmara está recorrendo.
No fim de abril, por exemplo, Moraes também mandou intimar Bolsonaro no leito de UTI para que apresentasse defesa prévia em cinco dias. Entendeu que, como o ex-presidente havia realizado uma transmissão ao vivo no hospital, estava apto para assinar a notificação e abrir o prazo para que seus advogados o defendessem nos autos.
Outras decisões, nos últimos dias, indicam o ritmo mais veloz. Em 30 de abril, Moraes decidiu que as testemunhas indicadas pelas defesas não precisarão ser intimadas pelo STF; caberá aos advogados garantirem que apareçam para depor nos dias agendados.
As seis testemunhas de acusação indicadas pela Procuradoria-Geral da República serão ouvidas, por videoconferência, no próximo dia 19 de maio. As oito testemunhas do delator Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, vão depor no dia 22. No período de 23 de maio a 2 de junho serão ouvidas 68 testemunhas de defesa.
Dentro do grupo, mais de 40 pessoas são servidores que têm direito de escolher data e hora do depoimento – parlamentares, militares, policiais, etc. –, mas segundo Moraes deverão se encaixar nos dias agendados.
“Há necessidade de iniciar a instrução processual final, com o agendamento da audiência de instrução, para oitiva das testemunhas de acusação e defesa, nos termos da Lei nº 8.038/90, do Código de Processo Penal e do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal”, escreveu o ministro na decisão em que marcou as datas dos depoimentos, no último dia 7 de maio.
Antes, Moraes aprovou alguns pedidos das defesas, rejeitou outros e deixou para adiante a decisão sobre outros.
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Moraes ainda vai analisar pedidos de Bolsonaro e Braga Netto
Vários réus haviam apontado, na defesa prévia, nulidades no processo que já tinham sido discutidas pela Primeira Turma no julgamento que recebeu a denúncia. Havia pedidos, por exemplo, para que Moraes se declarasse impedido ou suspeito por falta de imparcialidade; tentativa de retirar o caso do STF; e até apelos para a absolvição sumária de alguns réus. O ministro negou tudo, reiterando os termos da decisão de março em que seus pares na Corte rejeitaram os mesmos pedidos.
Moraes aceitou alguns pedidos, como o pedido do ex-ministro da Justiça Anderson Torres para tomar depoimentos de 37 testemunhas de defesa – ele é o réu com o maior número de pessoas chamadas para apoiar sua inocência.
O ministro, no entanto, ainda não analisou pedidos de Bolsonaro e do ex-ministro Walter Braga Netto para acessar mais provas do caso. O ex-presidente quer dados de um celular dele mesmo apreendido pela PF, além de arquivos de Mauro Cid capturados em e-mails e outros serviços de armazenamento na internet.
Bolsonaro também quer a íntegra dos dados de geolocalização e de entrada no Palácio do Alvorada e no Palácio do Planalto obtidos nas investigações.
Braga Netto, por sua vez, quer acessar um procedimento aberto na PGR para verificar a regularidade da delação de Mauro Cid – o órgão, inicialmente, se opôs ao acordo, firmado entre o tenente-coronel e a PF, apontando carência de provas entregues por ele. Ele também requereu acesso à íntegra do conteúdo encontrado num HD relacionado à colaboração do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
O ex-presidente e o ex-ministro ainda apresentaram pedidos para uma acareação entre os ex-comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Júnior, com as testemunhas de defesa. Os dois militares confirmaram, em trechos de seus depoimentos no inquérito, que Bolsonaro e Braga Netto articulavam uma intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para reverter o resultado da eleição de 2022.
Os advogados ainda pediram para participar do interrogatório das testemunhas de defesa dos outros réus e até a disponibilização de televisão para os ministros da Primeira Turma verem as provas que serão produzidas pelas defesas. Moraes escreveu que esses pedidos “serão analisados no momento processual adequado”.
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Ministros da Primeira Turma votam com Moraes
Como relator do caso, Moraes tem maior proeminência na condução do processo. Boa parte de suas decisões e votos têm lastro em centenas de ações penais julgadas nos últimos meses contra os réus do 8 de janeiro de 2023. Nessas decisões, os ministros do plenário e também da Primeira Turma já rejeitaram, em sessões virtuais, uma infinidade de pedidos de nulidade na investigação e no processo.
Na Primeira Turma, Moraes conta com o apoio irrestrito de Cármen Lúcia, Flávio Dino e Cristiano Zanin, que têm acompanhado seus votos sem ressalvas. O único a divergir, até o momento, foi Luiz Fux – no julgamento da denúncia, ele criticou penas altas impostas aos réus do 8/1, a negociação do acordo de delação de Cid, e ainda se opôs ao julgamento do caso pela Primeira Turma e pelo próprio STF.
Fux foi vencido e, no momento de receber a denúncia – em que se examina se há materialidade do crime e indícios de autoria – acabou seguindo Moraes, sempre elogiando o trabalho do colega.
Na última sexta-feira (9), Fux também acompanhou Moraes ao rejeitar a suspensão integral da ação penal, aprovada pela Câmara. Por unanimidade, a Primeira Turma decidiu que o ato só vale para o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) e sobre parte dos crimes a ele imputados, referentes ao vandalismo nas sedes dos Poderes no 8/1.