O ministro Dias Toffoli, relator de uma das ações que pretende rever o item 19 do Marco Social da Internet (MCI), disse nesta quinta-feira (28), que a lei precisa ser atualizada. Ele iniciou seu voto sobre o tema com críticas à regra que isenta de responsabilidade as redes sociais pelo teor produzido por seus usuários. O texto diz que elas só podem ser punidas por qualquer material mau publicado caso descumpram uma ordem judicial que determine sua remoção.
Segundo o item 19 do MCI, as plataformas só podem ser responsabilizadas civilmente por danos causados pelo teor gerado por terceiros “se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente”.
“Vejam a burocracia, mesmo com a ordem judicial para remover. E a responsabilidade só surge depois disso tudo”, afirmou Toffoli no julgamento. O ministro ainda não terminou de ler o voto, o que deve ocorrer na próxima quarta-feira (4), na retomada do julgamento. Depois dele, irá votar Luiz Fux, relator da outra ação sobre o tema, e logo os demais 9 ministros.
Em seu voto, Toffoli reconheceu a relevância do Marco Social da Internet, mas ressaltou que ele precisa ser atualizado.
“O MCI representa ainda hoje uma grande conquista democrática na sociedade brasileira. Entretanto, decorridos mais de 10 anos de sua existência, e tendo em vista todas as transformações sociais, culturais, econômicas e políticas provocadas pelas tecnologias disruptivas internet-dependentes, e pelos novos modelos de negócios desenvolvidos e implementados a partir delas, bem como seus impactos negativos sobre a vida das pessoas, e o futuro dos estados democráticos, não se pode mais ignorar a necessidade de sua atualização, especialmente no que concerne ao regime de responsabilidade dos provedores de aplicação”, disse o ministro.
“Tal necessidade fica mais evidente quando se tem em conta os riscos sistêmicos ao próprio direito à liberdade de expressão, aos direitos fundamentais da igualdade e da preservação da dignidade da pessoa humana, ao princípio democrático, e ao estado de direito, e à segurança e ordem pública, criados ou potencializados a partir da popularização de algumas dessas tecnologias internet-dependentes, e sobretudo da automação e algoritmização dos ambientes digitais”, completou em seguida.
STF pressiona Congresso por novidade legislação
Desde o ano pretérito, o STF pressiona o Congresso por uma novidade legislação, mas o projeto de lei mais desenvolvido sobre o tema (PL 2630/2020) nunca alcançou votos suficientes para ser validado – a maior secção dos deputados considera que o texto estimula as redes a criticar usuários, por pânico de punições.
A proposta impõe a elas um “dever de cuidado”, conjunto de providências para coibir a disseminação de discursos violentos e criminosos. As plataformas resistem por considerarem que uma grande quantidade de postagens tem texto subjetivo, e haveria grande chance de que removessem teor crítico e incerto, porém lícito e legítimo, de forma excessiva por cautela e temor de punições.
No início do julgamento, nesta quarta, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou que pautou o tema por justificação da não aprovação, pelo Legislativo, de uma novidade lei.
A maior secção dessas duas sessões iniciais de julgamento foi dedicada à revelação das partes envolvidas e de entidades interessadas ou afetadas. O STF tem três alternativas: declarar a constitucionalidade do item 19 do MCI; derrubar a regra por inconstitucionalidade; ou sentenciar por uma “interpretação conforme a Constituição” – no caso, instaurar um modo de utilizar a regra de forma mais abrangente.
A hipótese menos provável é a da manutenção da regra. Nesse caso, o cenário permanece o mesmo: as redes só podem ser punidas a remunerar indenização a alguém ofendido ou lesado por uma postagem de um outro usuário se descumprirem uma ordem judicial de remoção.
Em caso de inconstitucionalidade da regra, a tendência é que as redes passem a remover qualquer teor a pedido da secção afetada. Bastará que ela notifique a plataforma sobre qualquer material que considere mau para que, a partir desse momento, a rede também se torne responsável por ele. Assim, se aquele teor permanecer no ar e posteriormente a Justiça considera-lo lesivo, a plataforma seria obrigada a indenizar a pessoa lesada.
Se a decisão for pela tradução conforme a Constituição, o mais provável é que o STF abra novas exceções à regra da responsabilização das redes. Hoje, pelo texto do Marco Social da Internet, elas já podem ser responsabilizadas, sem premência de ordem judicial de remoção, caso disponibilizem teor pornográfico não autorizado ou que viole direitos autorais.
Há propostas para que, além desses casos, também se responsabilizem por teor que envolva racismo e discriminação, terrorismo, incentivo ao suicídio, pornografia e doesto infantil, e também incitação a crimes contra o Estado Democrático de Recta. O receio é da inclusão de categorias mais abertas e sem definição lítico, porquê “desinformação” e “discurso de ódio”.
Pressão por remoção de conteúdos cresceu nos últimos anos
A pressão pela remoção desses conteúdos subiu nos últimos anos, principalmente por iniciativa do STF, a partir do momento em que os ministros e suas decisões passaram a ser criticadas de forma dura e massiva nas redes sociais. Inicialmente por justificação do desmonte da Lava Jato e depois pela oposição da Namoro ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
As manifestações de rua contra Namoro, ocorridas por incentivo de Bolsonaro desde 2020, fermentaram a pressão dos ministros por uma atualização do Marco Social da Internet. Para eles, boa secção das críticas eram alimentadas nas redes sociais, com mentiras, distorções e ameaças.
Na sessão desta quinta, Alexandre de Moraes, que passou a inspeccionar as redes de forma rigorosa dentro de inquéritos que conduz no STF contra “fake news” e “atos antidemocráticos”, disse que elas falharam no 8 de janeiro de 2023, por não retirarem, por iniciativa própria, convocações para a revelação que resultou na invasão e devastação dos prédios do STF, Congresso e Palácio do Planalto.
“O dia 8 de janeiro demonstrou a total falência do sistema de autorregulação de todas as redes. É faticamente impossível defender, após o 8 de janeiro, que o sistema de autorregulação funciona. Falência total e absoluta instrumentalização e, lamentavelmente, em parte conivência. Falência porque tudo foi organizado pelas redes. No dia, com a praça dos Três Poderes invadida, as pessoas fazendo vídeo, postando nas redes, chamando mais gente para destruir, e as redes sociais não retiraram nada. Porque like em cima de like, sistema de negócio, monetização”, disse o ministro.