Está prevista para esta quarta-feira a retomada do julgamento, no Supremo Tribunal Federalista, da constitucionalidade do cláusula 19 do Marco Social da Internet. O ministro Dias Toffoli, relator de uma das ações em estudo, deve concluir seu voto, cuja leitura iniciou na semana passada. Toffoli criticou a regra atual, que só responsabiliza provedores porquê mídias sociais pelo teor produzido por terceiros caso haja descumprimento de ordem judicial de remoção de publicações – com exceção de dois casos em que basta uma notificação da segmento ofendida para possuir a responsabilização. Essa sintoma já aponta o caminho que ele deve adotar, em uma traço que provavelmente fará ainda mais estragos na liberdade de sentença no Brasil.
Comentando o texto do Marco Social da Internet, Toffoli disse que “não se pode mais ignorar a necessidade de sua atualização”, e esta, sim, é uma asseveração com a qual se pode concordar. A experiência de dez anos de emprego da legislação, com todos os fenômenos que temos presenciado neste pausa de tempo, nos permite concluir que há espaço para aperfeiçoamento da legislação. Isso, aliás, é alguma coisa que os próprios criadores da ideia que levaria ao texto lítico do Marco Social já previam: o caput do cláusula 19, ao estabelecer porquê regra universal a responsabilização unicamente em seguida decisão judicial, inclui a sentença “ressalvadas as disposições legais em contrário”, ou seja, deixa a porta ensejo para a introdução de novas exceções nas quais a responsabilização pode ocorrer a partir da notificação. Hoje, isso ocorre unicamente na violação de direitos autorais e a divulgação não autorizada de imagens ou vídeos de cunho sexual (a chamada “pornografia de vingança”), mas zero impede que o legislador amplie essa lista. Também por isso nos soa absurda a teoria de que o cláusula 19 possa ser considerado inconstitucional, pois não há nenhuma garantia ou recta previsto na Epístola Magna que esteja sendo violado.
Em alguns casos, muito específicos e bastante raros, o “dever de cuidado” e o “notice and takedown” podem servir para coibir o uso censurável das mídias sociais sem agredir a liberdade de sentença
No entanto, se por um lado é verdadeiro que o Marco Social da Internet possa ser aperfeiçoado, por outro lado as melhorias necessárias são bastante diferentes daquelas que Toffoli e ao menos segmento de seus colegas do STF gostariam de implantar. Infelizmente, a tendência dos ministros é usar uma enunciação de inconstitucionalidade para destruir justamente a regra mais sensata da lei: a norma universal que exige a decisão judicial de remoção para que só portanto uma empresa seja responsabilizada pelo teor publicado por terceiros. Se tal regra for substituída pelos modelos de “dever de cuidado” (pelo qual as redes ficam obrigadas a vigiar e remover todo e qualquer teor potencialmente problemático) ou de notice and takedown (no qual a responsabilização começa a partir do momento em que o provedor é notificado sobre a existência de teor suspeito), porquê norma universal, os ministros desferirão um golpe mortal na liberdade de sentença nas mídias sociais por incentivar a repreensão, porquê demonstramos neste espaço dias detrás.
Isso não significa, no entanto, que os dois modelos sejam completamente inúteis a ponto de não poderem ser usados em hipótese alguma; em alguns casos, muito específicos e bastante raros, eles podem servir para coibir o uso censurável das mídias sociais sem agredir a liberdade de sentença. É bastante razoável, por exemplo, estabelecer o “dever de cuidado” em duas situações extremas nas quais o delito é bastante evidente, dispensando qualquer estudo interpretativa, e exige ação imediata: a pornografia infantil (que poderia ser identificada até mesmo com a ajuda de lucidez sintético) e o aliciamento para o terrorismo.
Também seria verosímil ampliar cuidadosamente a lista de casos em que vigoraria o notice and takedown. Um exemplo é o da incitação ao cometimento de crimes – quaisquer crimes, contra a vida, contra o patrimônio, contra a propriedade, contra a liberdade, contra o Estado de Recta etc. –, prevista no cláusula 286 do Código Penal. Ou do instigação, instigação ou auxílio ao suicídio ou à automutilação (delito tipificado no cláusula 122 do Código Penal). A proteção de crianças e adolescentes, muito invocada durante as falas dos amici curiae na semana passada, também justificaria a adoção do notice and takedown para denúncias de crimes descritos no Regimento da Gaiato e do Juvenil, muito porquê para a incitação ao cometimento de crimes ou a apologia de crimes cometidos contra crianças e adolescentes. Por término, a divulgação pelas mídias sociais de informações resultantes de hackeamento ou outro tipo de violação da privacidade também poderia ser incluída nas hipóteses de notice and takedown.
À exceção desses poucos casos, todo o restante deveria permanecer porquê prevê hoje a legislação, com a exigência de decisão judicial de remoção de teor para que só portanto o provedor seja responsabilizado pela permanência de determinada publicação no ar. Quanto mais difícil é estabelecer a existência de ilícito ou delito, quanto mais contexto é necessário para se fazer a estudo correta, quanto mais subjetividade e versão estão envolvidas, maior deve ser o papel do Judiciário porquê perito final de disputas sobre a manutenção de conteúdos publicados. Mesmo que isso demande muito tempo e esforço, porquê reclamaram na semana passada Toffoli e aquele que o relator já chamou jocosamente de “censor-geral da República”, Alexandre de Moraes.
Se essas sugestões fossem transformadas em lei, acrescidas de mecanismos para prometer que a emprego das novas regras seja feita de forma congruente, sem favorecimentos a grupos de quaisquer natureza, temos certeza de que o envolvente virtual sairia ganhando: a liberdade de sentença estaria protegida, com reverência ao usuário das plataformas, enquanto os crimes que efetivamente se cometem nas redes sociais seriam coibidos com mais facilidade e rapidez. Mas, ainda que por qualquer milagre a maioria dos ministros do STF concordasse com todos esses pontos, não caberia a eles transformá-los em lei. Ativismo judicial, ainda que com efeitos bastante benéficos, não deixa de ser ativismo judicial, uma violação da tripartição de poderes. Essas são mudanças que cabe ao Congresso, e unicamente ao Congresso, realizar.