Ministros e líderes do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) intensificaram a pressão junto aos parlamentares da base para tentar evitar a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre os descontos irregulares nas contas dos aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O objetivo dos petistas é tentar evitar que o Congresso amplie a exposição sobre o escândalo e, para isso, esperam contar com a aliança com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
Na Câmara, um requerimento de CPI chegou a ser protocolado pela bancada da oposição, liderada pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. O pedido, no entanto, integra uma lista com outros 12 requerimentos de CPIs, sobre temas distintos, e que aguardam deliberação por parte do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). O regimento interno permite que apenas cinco comissões de investigação atuem simultaneamente e está sendo usado pelo presidente Hugo Motta para barrar a iniciativa.
Para tentar contornar essa regra, deputados e senadores também protocolaram um pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Essa instalação cabe ao presidente do Congresso, Davi Alcolumbre.
Atualmente, pelo menos 230 deputados e 39 senadores assinaram o requerimento. Para que uma CPMI seja instalada, é necessário o apoio de 171 deputados e 27 senadores. O recolhimento das assinaturas foi capitaneado pela deputada Coronel Fernanda (PL-MT) e pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF). Segundo elas, o objetivo é ampliar o número dos apoiadores, justamente para evitar que o governo desidrate o requerimento.
Alcolumbre esteve com Lula na viagem pela Rússia e China e comunicou ao governo que pode adiar, mas não impedir a instalação da CPMI. No Congresso não há o impedimento de uma lista de comissões em fila para serem instaladas. O requerimento deve ser lido na próxima sessão conjunta de deputados e senadores, marcada para 27 de maio.
O vice-líder da oposição, deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS), disse acreditar que a realização da CPMI no Congresso é menos interessante para a oposição por causa da influência de uma maioria governista no Senado. “Na Câmara, uma CPI teria maior autonomia para investigar tudo, doa a quem doer”, disse o deputado nesta segunda-feira (19) à Jovem Pan News
O Palácio do Planalto, no entanto, vai trabalhar junto aos seus líderes para tentar derrubar a sessão do Congresso. A medida adiaria a leitura do requerimento para junho, prazo que o governo pretende usar para retirar as assinaturas dos parlamentares.
“Uma CPMI, no ambiente de exploração política em que está sendo proposta, pode comprometer o sucesso da investigação policial. Este governo já suspendeu os descontos, acabando com o roubo aos aposentados, demonstrou que levará as investigações até as últimas consequências e trabalha para ressarcir as vítimas o mais rápido possível”, argumentou a ministra Gleisi Hoffmann, da Secretaria de Relações Institucionais.
A ministra da articulação política de Lula se reuniu com parlamentares de partidos como PSD, MDB e União Brasil ao longo da última semana para fazer um apelo contra o pedido de instalação tanto da CPI quanto da CPMI. Assessores do Palácio do Planalto, ouvidos pela reportagem, admitem que o governo teme que uma eventual instalação do colegiado acabe ampliando a crise sobre as fraudes no INSS por meses.
Isso porque uma investigação no Congresso pode se arrastar por até seis meses e, além de ser dominada pela oposição, poderia ampliar a impopularidade do presidente Lula, faltando menos de um ano e meio para as eleições de 2026. “A crise do INSS está extinta. A CGU levantou a investigação. Já prendeu gente, tem gente investigada. Caiu o presidente do INSS, caiu o ministro. Qual é a crise agora?”, disse o senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado, tentando minimizar a crise.
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Troca de ministro não reduz pressão da oposição contra o governo
Apesar da sinalização do líder do governo, a demissão de Carlos Lupi do Ministério da Previdência não foi suficiente para reduzir a pressão sobre o governo. O agora ex-chefe da pasta caiu após ser pressionado pelos governistas diante da exposição negativa para Lula no escândalo no INSS.
Durante audiência na Câmara dos Deputados, por exemplo, Lupi admitiu que tinha tomado conhecimento das denúncias sobre os descontos irregulares nas contas dos aposentados e pensionistas, mas não abriu processo investigativo. O INSS está sob o guarda-chuva do Ministério da Previdência.
“Eu praticamente fui surpreendido com o volume disto. Sabia que tinha uma denúncia aqui ou acolá, a gente sempre soube. A gente recebia queixa, a própria plataforma do INSS aparecia algumas pessoas se queixando. Mas nesse quantitativo, com uma organização, com uma quadrilha verdadeira (não imaginava)”, disse Lupi.
Segundo a Polícia Federal, as fraudes, que ocorreram entre 2019 e 2024, podem ter atingido nove milhões de aposentados e provocado desvios de até R$ 6,5 bilhões. As investigações apontaram que havia descontos sobre valores pagos mensalmente pelo INSS, como se os beneficiários tivessem se tornado membros de associações de aposentados, quando, na verdade, não haviam se associado nem autorizado os descontos.
Para tentar estancar a crise, Lupi acabou pedindo demissão no começo deste mês. Na ocasião, Lula indicou para o posto o então secretário-executivo da pasta, Wolney Queiroz, que era o número 2 na gestão de Carlos Lupi no ministério.
“O Lula, em vez de mudar realmente o ministro, faz uma troca que muda seis por meia dúzia. Sai Carlos Lupi, e entra Wolney Queiroz, seu braço direito, secretário-executivo que, desde 2023, participou 15 vezes de reuniões com os sindicalistas suspeitos e investigados pelas fraudes no INSS. É um deboche com a cara do povo brasileiro”, disse a deputada Carol de Toni (PL-SC), líder da minoria na Câmara.
Ainda de acordo com a parlamentar, o “governo Lula está envolvido até o pescoço nessa lama”. “É por isso que nós queremos uma CPMI, para investigar essas fraudes. Não adianta querer impedir a investigação, porque quem não deve não teme”, completou.
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Irmão de Lula pode ampliar desgaste para o governo durante CPMI do INSS
Um dos temores entre os integrantes do governo é de que a oposição use justamente as suspeitas contra o Sindicato Nacional dos Pensionistas e Idosos (Sindinapi) para desgastar a gestão petista. A entidade, investigada pela PF no caso dos descontos dos aposentados, tem como vice-presidente José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão de Lula.
Segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), a entidade teve um aumento de 564% em receitas entre 2020 e 2024, recebendo quase 10% dos repasses totais a sindicatos em 2023 (R$ 149 milhões). Até o momento, apenas o presidente do Sindinapi, Milton Baptista de Souza Filho, aparece entre os citados nas investigações. Já Frei Chico nega qualquer tipo de irregularidade.
Caso a CPI da Câmara ou a CPMI do Congresso seja instalada, o irmão do presidente Lula deverá ser um dos primeiros convocados pela oposição.
“E quem é um dos investigados? É simplesmente o Sindicato Nacional dos Pensionistas e Idosos, cujo vice-presidente é ninguém menos do que Frei Chico, irmão do presidente Lula. Basta o PT voltar que retorna o esquema de fraude no INSS, nos fundos de pensão, nos fundos privados agora para desviar do orçamento”, argumentou a deputada Carol de Toni.
Na Câmara, o presidente Hugo Motta já sinalizou que pretende analisar o pedido da oposição, mas obedecendo a lista de pedidos protocolados até o momento. Já a CPMI depende do aval do senador Davi Alcolumbre, que é um dos principais aliados de Lula no Congresso.
Caso o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, resista em instalar o colegiado, lideranças da direita sinalizam que usarão a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2021, que determinou a instalação da CPI da Covid, para pressionar Alcolumbre. Na liminar, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que não poderia haver “possibilidade de omissão ou análise de conveniência política por parte da Presidência da Casa Legislativa”.
À época, o ministro do STF destacou que a Constituição estabelece que as CPIs devem ser instaladas sempre que três requisitos forem preenchidos: assinatura de um terço dos integrantes da Casa; indicação de fato determinado a ser apurado; e definição de prazo certo para duração. Não cabendo, portanto, possibilidade de omissão ou análise de conveniência política por parte da Presidência da Casa Legislativa.
“O Senado e o Congresso Nacional têm que apurar. Se deixar por conta deste próprio governo, eles vão investigar umas entidades e deixar do lado de fora, por exemplo, a entidade que é ligada ao irmão do atual presidente Lula, o Frei Chico, de quem conheço a história há muitos anos”, disse o senador Márcio Bittar (União-AC).