Em viagem pela Rússia e pela China nos últimos dias, os discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tiveram novo alvo: as tarifas comerciais impostas pelo presidente Donald Trump. Ao mesmo tempo em que reforçou o apoio político a Xi Jinping e Vladimir Putin, o presidente brasileiro evitou fazer críticas diretas ao dólar como moeda de comércio para não provocar Trump demasiadamente e assim não atrair novas tarifas para o Brasil.
Desde que retornou ao Palácio do Planalto para seu terceiro mandato, Lula tem alinhado seu discurso com os interesses de Pequim e Moscou, defendendo mecanismos de pagamento alternativos e que dispensem o uso do dólar. Em viagem que fez à China em 2023, a moeda americana esteve entre o principal foco de críticas do mandatário brasileiro.
“Por que todos os países são obrigados a fazer seu comércio lastreado no dólar? Quem é que decidiu que era o dólar a moeda depois que desapareceu o ouro como paridade?”, declarou Lula em Xangai, em março de 2023. A chamada desdolaziação é uma das principais bandeiras de chineses e russos, que buscam promover uma visão de mundo que chamam de multipolar – em oposição à hegemonia americana no cenário internacional.
No ano passado, Trump chegou a afirmar que taxaria em 100% os país que promovessem essa ideia. “Exigimos que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda do Brics nem apoiar qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano ou eles eles enfrentarão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana”, disse o republicano.
Analistas viram com preocupação as críticas de Lula ao dólar. Segundo Vitélio Brustolin, pesquisador da Universidade de Harvard, a pauta da desdolarização é especialmente cara à Russia, que tenta fugir de sanções internacionais por causa da invasão da Ucrânia. O país foi banido do sistema de pagamentos Swift, que usa o dólar como moeda de compensação de transações internaicionais. Já a China está interessada na criação de um sistema alternativo para evitar eventuais futuras sanções.
Após as ameaças do presidente americano, Lula se calou e evitou novos ataques à moeda americana. Em viagens nesta semana, o petista demonstrou apoio a Jinping e Putin em busca de novas parcerias e investimentos, especialmente para a construção de uma ferrovia que ligaria o Atlântico ao Pacífico com apoio dos chineses, e para a transferência de tecnologia de reatores nucleares em parceria com os russos.
Ainda que possa existir teor retórico em algumas das declarações de Donald Trump, as últimas iniciativas do presidente norte-americano indicam a necessidade de haver cautela por parte dos outros governos. Nesse sentido, embora critique as políticas econômicas do republicano, a percepção é de que Lula esteja evitando atrair novas tarifas para o Brasil com críticas ao dólar.
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Críticas a Donald Trump substituíram ataques ao dólar
Lula vinha evitando fazer críticas diretas a Donald Trump desde que o Brasil entrou no alvo de retaliações tarifárias. Depois que o republicano tomou posse em janeiro e fez ameaças de taxar nações acusadas de “cobrarem taxas demais dos EUA”, o petista evitou menções diretas ao líder norte-americano.
Os discursos do petista só mudaram de tom após o chamado “Dia da Libertação”, quando ficou definido que o Brasil seria afetado pela taxa mínima de 10% sobre suas importações para os EUA. Em Pequim e ao lado do autocrata chinês, Xi Jinping, Lula fez críticas direcionadas ao presidente dos Estados Unidos.
“É muito importante dizer para vocês que não existe saída para um país sozinho. É preciso que a gente tenha consciência que nós precisamos trabalhar juntos. É por isso que eu não me conformo com a chamada taxação que o presidente dos Estados Unidos tentou impor ao planeta Terra do dia para a noite”, afirmou Lula durante discurso de encerramento do Fórum Empresarial Brasil-China, que ocorreu nesta segunda-feira (12).
Trump adotou uma política econômica considerada protecionista, com sua política tarifária focada na elevação de tarifas de importação, especialmente sobre produtos chineses, com o objetivo de reduzir o déficit comercial dos Estados Unidos, proteger indústrias nacionais e incentivar a produção interna.
O americano impôs taxas a produtos como carros, aço e alumínio, além de ter imposto tarifas recíprocas aos países que, segundo ele, mantêm barreiras comerciais contra produtos e serviços dos EUA. O Brasil também foi um desses atingidos. Nesta terça-feira (13), durante discurso que na cúpula China-Celac, as críticas ao líder americano voltaram a aparecer em declarações de Lula.
“Sempre existiram distorções no comércio internacional, especialmente no intercâmbio de produtos agrícolas, cujo tratamento nunca avançou de forma satisfatória na Organização Mundial do Comércio. A imposição de tarifas arbitrárias só agrava essa situação”, declarou o mandatário brasileiro.
Durante passagem por Moscou na semana passada, onde esteve para comemorar os 80 anos da vitória soviética contra a Alemanha nazista na Segunda Guerra, Lula não poupou críticas a Donald Trump. Ao lado do ditador russo Vladimir Putin, o petista criticou a politica econômica adotada pelo republicano.
“As últimas decisões anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos de taxação de comércio com todos os países do mundo de forma unilateral joga por terra a grande ideia do livre comércio, joga por terra a grande ideia do fortalecimento do multilateralismo e joga por terra muitas vezes o respeito à soberania dos países que nós temos que ter”, disse Lula.
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Desdolarização está no foco da presidência do Brasil nos Brics
Apesar da moderação das últimas semanas, não está no radar de Lula abandonar iniciativas de desdolarização. Transações comerciais sem o uso da moeda americana se tornaram ainda uma das principais agendas do Brics (bloco de nações emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Indonésia).
Nos últimos anos, o grupo tem se articulado para viabilizar formas de pagamento entre os países do bloco por meio de suas próprias moedas, dispensando o uso do dólar. Os Brics têm desenvolvido ainda, com esforços do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, os membros fundadores do bloco, o Brics Pay, uma plataforma alternativa ao Swift.
O Swift é um sistema de mensagens de pagamentos bancários que viabiliza a maioria das transações de comércio internacional do planeta. A ferramenta em desenvolvimento nos Brics é vista ainda como uma manobra política, especialmente da Rússia, que está suspensa de utilizar o Swift para transações comerciais devido à invasão militar que promoveu contra a Ucrânia, em 2022.
O Brasil está na presidência dos Brics neste ano e pretende dar prosseguimento ao desenvolvimento da plataforma de transações do bloco. Em seu primeiro discurso na liderança do grupo, Lula reforçou o desenvolvimento do Brics Pay como uma das prioridades da presidência brasileira.
“É chegada a hora de avançar na criação de meios de pagamento alternativos para transações entre nossos países. Não se trata de substituir nossas moedas. Mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional. Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode ser mais adiada”, declarou.
O mandatário brasileiro defende que iniciativas como essa reforçam a ideia de um mundo multipolar, no qual o poder político e econômico não fica só com os Estados Unidos, mas é distribuído entre potências regionais, que dominam nações mais fracas ao seu redor. A Rússia, por exemplo, quer ser uma dessas potências regionais.
Por vezes, o petista mistura esse conceito com o de multilateralismo, que é entendido como um sistema de participação em órgãos e fóruns de debate internacionais, como a ONU ou a Organização Mundial do Comércio, que tentam mediar as relações entre os países por meio de um sistema respeito a normas e leis estabelecidas em conjunto.