No fatídico dia 8 de janeiro de 2023, segundo a grande mídia, teria havido uma tentativa de “golpe de Estado”, quando grupos de pessoas intentaram uma “violenta abolição do Estado Democrático de Direito”. A tese parece vir mais de uma justificativa do STF para aumentar seu próprio poder do que da veras: não havia nenhuma domínio relevante nos prédios — enfim, era um domingo sem expediente em Brasília — e muito menos alguém que tenha corrido risco de vida.
Tampouco se notou nos próprios manifestantes qualquer libido de suprimir o devido processo lítico, a democracia, a representatividade popular ou as eleições — ou mesmo transformá-las em processos secretos. Mas estes ainda não são os maiores problemas apontados pela defensora pública Bianca Rosière, em seu livro recentemente lançado, 8 de janeiro e o recta penal do inimigopela Editora EDA
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A autora, que tem vasta experiência trabalhando com o sistema penal do Província Federalista, se aprofunda em um dos pontos pouco comentados da reação do STF aos atos do 8 de janeiro: a extremamente controversa teoria do Recta Penal do Inimigo, criada pelo jurista teutónico Günther Jakobs que, basicamente, separa os “amigos do sistema”, que merecem a legítima proteção da lei, dos “inimigos do sistema”, contra os quais meios supra (e aquém) das leis passam a ser “permitidas”.
A teoria do Recta Penal do Inimigo foi amplamente utilizada pela gestão George W. Bush, em resposta aos ataques terroristas do 11 de setembro de 2001. Se pareceu válida contra verdadeiros terroristas, pessoas perigosas e capazes de chacinar milhares de inocentes de uma única vez, logo se viu a ameaço justamente ao sistema democrático quando passa a ser amplamente utilizada contra inocentes na população em universal, que só precisam ser chamados de “suspeitos de terrorismo” para terem seus direitos revogados.
Se a gestão Bush foi acusada de racismo pelo seu espaçoso uso contra estrangeiros, e granjeando amplas críticas da esquerda por isso, no Brasil de 2024, basta invocar qualquer manifestante de “golpista”, principalmente pela mídia, para que seus direitos evaporem — e, ironicamente, declare-se que o termo do Estado de Recta seja decretado para “defender a democracia”.
A defensora Bianca Rosière, pós-graduanda em Ciências Penais e Segurança Pública, rabino em Políticas Públicas pelo UniCeub/Meio de Ensino Unificado de Brasília (2013), conversou com exclusividade com Oeste para comentar o 8 de janeiro e o seu livro.
O seu livro, 8 de Janeiro e o Recta Penal do Inimigo, nomeia diversos “abusos” cometidos pelo Judiciário na investigação/punição do 8 de janeiro. Poderia referir alguns desses abusos?
Confira:
- 1 O seu livro, 8 de Janeiro e o Recta Penal do Inimigo, nomeia diversos “abusos” cometidos pelo Judiciário na investigação/punição do 8 de janeiro. Poderia referir alguns desses abusos?
- 2 O que a Constituição diz sobre esse ponto?
- 3 Quando começaram essas violações?
- 4 Quais regras do Recta foram desrespeitadas?
- 5 O que é a violação do “princípio do juiz natural”?
- 6 Alguns casos do 8 de janeiro chamam muito a atenção. Outrossim, dois suicídios já foram cometidos por conta do Judiciário. Há outros casos chocantes?
- 7 O 8 de janeiro é tratado uma vez que um novo marco histórico no Brasil: o dia em que a democracia estava “em risco”. Houve de veste risco à democracia ou a alguém naquele domingo?
- 8 O Recta Penal do Inimigo, proposta de Günther Jakobs, foi muito utilizado no governo Bush para punir terroristas fora do escopo da Constituição norte-americana — e, por isso, muito criticado pela esquerda. Porquê funciona essa teoria?
- 9 Muitas decisões jurídicas de questões políticas posteriores (e mesmo anteriores) tentam fazer uma relação com o 8 de janeiro, uma vez que o julgamento da família Mantovani, a viagem não-existente de Filipe Martins e o relatório da Polícia Federalista sobre um suposto “plano de golpe” de Bolsonaro. Porquê a senhora vê isso?
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As violações dos direitos dos acusados pelos atos do dia 8 de janeiro foram registradas nos relatórios da Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de janeiro (Asfav) e do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura (MPCT), em parceria com a Defensoria Pública da União (DPU) e com a Defensoria Pública do Província Federalista (DPDF), que serviram uma vez que natividade de pesquisa para o livro. Todos aqueles que foram presos em 8 de janeiro permaneceram aproximadamente 24 horas sem sustento, o que foi fornecido quando chegaram nos estabelecimentos penais. No dia 9 de janeiro, por volta das 7 da manhã, as prisões continuaram no acampamento localizado na frente do Quartel-General do Tropa em Brasília. Por meio de artifícios enganosos, com o auxílio de um megafone, agentes do Estado simularam uma situação fictícia para animar as pessoas a entrarem nos ônibus, informando que seriam liberadas e encaminhadas à Rodoviária Interestadual de Brasília. Entretanto, foram levadas para Liceu Vernáculo da PF, em Sobradinho-DF, onde foram presas.
O que a Constituição diz sobre esse ponto?
A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) determina que toda pessoa detida deve ser informada das razões da sua detenção e notificada, sem vagar, da denunciação formulada contra ela. E a Constituição, por sua vez, que o recluso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer mudo, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de legista. Caso não informe o nome de seu legista, será enviado à Defensoria Pública. Quando chegaram aos estabelecimentos prisionais, passaram por privação de sustento, medicamentos e visitas de familiares, o que viola a pundonor dos presos e o recta humano à saúde, conforme Enunciação Universal de Direitos Humanos (DUDH) e CADH.
Quando começaram essas violações?
As violações de direitos continuaram no contextura judicial e começaram depois a prisão, haja vista que o item 310 do CPP determina que, em até 24 horas, o juiz deve receber o auto de prisão em flagrante e, em seguida, deve determinar entre relaxar a prisão proibido; transmutar a prisão em flagrante em preventiva (se houver pedido da domínio policial ou do Ministério Público); conceder a liberdade provisória com ou sem fiança; ou legislar outra medida cautelar diversa. Significa que em 24 horas a pessoa estará livre ou presa a outro título, o que não ocorreu.
Quais regras do Recta foram desrespeitadas?
Outrossim, os acusados não tiveram as audiências de custódia realizadas dentro do prazo lítico, o que viola a CADH e o Código de Processo Penal. Também houve delegação parcial de cultura para realização dessas audiências. O juiz de primeiro intensidade foi obrigado a unicamente formular perguntas, não determinar, mesmo constatando alguma ilegalidade. Exclusivamente o ministro relator, Alexandre de Moraes, decidia. A audiência de custódia é esvaziada e perde efetividade na preservação dos direitos fundamentais. Houve audiências de custódia realizadas sem os autos de prisão em flagrante e sem o número do processo. A Defensoria Pública da União (DPU) registrou as audiências de custódia nas quais o Ministério Público Federalista (MPF) manifestou pela licença de liberdade. Porquê não existe a possibilidade de manutenção de prisão, de ofício, pelo juiz, nesses casos as pessoas deveriam ter sido soltas, o que não aconteceu. Há notícia de que os exames de corpo de delito, imprescindíveis para se resguardar a integridade física e moral dos presos, não foram acostados aos autos.
O que é a violação do “princípio do juiz natural”?
Assim uma vez que acontece nos demais inquéritos ilegais do STF, aqueles que se referem aos atos de 8 de janeiro também violam o princípio do juiz procedente, pois não há livre distribuição dos inquéritos, com sorteio, e julga pessoas que não fazem jus ao pensão por regalia de função. Também violam o sistema acusatório, que prevê a separação dos papéis de vítima, investigador, arguidor e julgador. Outrossim, há informações de que a resguardo dos acusados, por exemplo, não teve aproximação à decisão que determinou, a pedido do ministro Alexandre de Moraes, a designação de audiências de julgamento de recebimentos de denúncias em plenário virtual, que não se confunde com audiência por videoconferência, onde há participação de forma síncrona. Verifica-se ainda que tanto as denúncias quanto os acórdãos de recebimento de denúncias são genéricos e não analisam as alegações da resguardo. Há 98% de identidade, de concordância com a Asfav. Há uma produção em série de julgamentos de pessoas presas à baciada. Também há uma série de violações nas audiências de instrução, uma vez que a licença do recta de resguardo ao réu sem que ele tenha tempo suficiente para prepará-la, isso é o mesmo que não lhe oportunizar o manobra do recta de resguardo.
Alguns casos do 8 de janeiro chamam muito a atenção. Outrossim, dois suicídios já foram cometidos por conta do Judiciário. Há outros casos chocantes?
No livro, além dos casos específicos da Débora e do Clezão, trato da prisão do Filipe Martins, que foi recluso e mantido recluso de forma proibido, apesar de todas as provas que eram acostadas aos autos pela resguardo para rechaçar os fundamentos da prisão preventiva. Essas provas eram ignoradas e Filipe Martins permaneceu recluso, aproximadamente, por seis meses. Aparentemente, houve uma tentativa para que ele fizesse uma delação premiada. Também abordo e considero chocante o caso de perseguição ao legista Amauri Saad, por ressuscitar o delito de hermenêutica, violar escritório de advocacia, confiscar, por tempo indeterminado, aparelhos eletrônicos com dados e documentos de clientes, essenciais ao manobra da advocacia, e destruir a reputação, ao se atribuir, ainda que em tese, condutas “golpistas” consistentes na suposta “assessoria jurídica” relacionada ao tema, o que, ainda que fosse verdadeiro, não poderia configurar não delito.
O 8 de janeiro é tratado uma vez que um novo marco histórico no Brasil: o dia em que a democracia estava “em risco”. Houve de veste risco à democracia ou a alguém naquele domingo?
Na minha concepção, não houve esse risco. Não houve violência ou grave ameaço contra representantes dos Poderes da República, pois as invasões ocorreram no domingo, durante o recesso parlamentar. Outrossim, os atos de vandalismo praticados não podem sequer podem ser considerados suficientes para obter o suposto propósito de alguns manifestantes de provocar mediação militar, uma vez que as Forças Armadas não sinalizaram qualquer adesão a esse movimento.
O Recta Penal do Inimigo, proposta de Günther Jakobs, foi muito utilizado no governo Bush para punir terroristas fora do escopo da Constituição norte-americana — e, por isso, muito criticado pela esquerda. Porquê funciona essa teoria?
O Recta Penal do Inimigo origina-se da união entre o Recta Penal simbólico, que detecta um tipo específico de responsável, e o punitivismo exacerbado. Trata-se de um protótipo que identifica e discrimina pessoas que serão rotuladas uma vez que inimigos, uma vez que, por exemplo, os terroristas. Uma vez selecionadas uma vez que inimigos pelo Estado não lhes são assegurados os mesmos direitos dos demais indivíduos. É exatamente o que está acontecendo no Brasil nesse momento.
Muitas decisões jurídicas de questões políticas posteriores (e mesmo anteriores) tentam fazer uma relação com o 8 de janeiro, uma vez que o julgamento da família Mantovani, a viagem não-existente de Filipe Martins e o relatório da Polícia Federalista sobre um suposto “plano de golpe” de Bolsonaro. Porquê a senhora vê isso?
Vejo uma vez que uma tentativa desesperada de varar a oposição política, o que é o exato oposto do Estado Democrático de Recta.