Com 17 anos de condenação pelos atos do 8 de janeiro de 2023, a mineira Jaqueline Freitas Gimenez está no cárcere há cinco meses, sem contato com seu advogado, que mora no Distrito Federal (DF). Além da distância que inviabiliza reuniões pessoalmente, encontros virtuais só são autorizados para profissionais inscritos na OAB-MG. “Um completo desrespeito ao direito à defesa”, aponta o advogado Helio Junior. Jaqueline é dona de casa, casada, e mãe de duas crianças, de sete e dez anos. A família clama por ajuda.
“A Jaqueline foi presa faltando três dias para o aniversário do nosso filho Samuel, em maio deste ano”, relata o marido Wanderson Freitas da Silva. “Tem sido horrível para nossos filhos, para toda a família e para ela, que está com presas comuns sem ser criminosa, e não pode nem falar com seu advogado.”
De acordo com o Dr. Junior, o último contato que teve com a moradora de Juiz de Fora ocorreu na data da prisão, em 23 de maio, pois o sistema online da OAB mineira não aceita profissionais de outras regiões do país.
“Somente advogados cadastrados em Minas Gerais podem falar pelo sistema virtual, ou seja, quem mora perto pode ter acesso ao cliente por videoconferência”, disse, ao citar que o Estatuto da Advocacia permite que advogados atendam até cinco causas por ano em outros estados, sem necessidade de se cadastrarem em outra seccional da OAB. “E eu não tenho mais do que cinco causas”, pontuou.
À Gazeta do Povo, a OAB-MG explicou que o sistema de atendimentos online utilizado no estado é uma parceria com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) de Minas e beneficia os advogados mineiros. Com isso, profissionais de outros estados precisam conversar com seus clientes pessoalmente ou terceirizar o serviço.
“Só que os custos para a família aumentam muito”, argumentou Helio Junior, citando que Jaqueline também enfrentou um tumor na tireoide anteriormente e necessita de acompanhamento médico especializado. “A situação dela é um grito de desespero em meio à injustiça”, lamentou.
Defesa pediu prisão domiciliar, mas a solicitação foi negada
Confira:
A defesa já solicitou que a prisão em regime fechado seja convertida para domiciliar devido às condições de saúde da mulher e do fato de ter dois filhos menores de doze anos. A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou contrária ao pedido, e o ministro Alexandre de Moraes manteve o regime fechado.
“A prisão da ré foi decretada, neste caso, para permitir o início do cumprimento da pena definitiva, em razão de acórdão condenatório transitado em julgado, onde foi fixado o regime inicial fechado”, escreveu o magistrado em sua decisão, citando que o artigo 318, V, do Código de Processo Penal, trata da possibilidade de substituição de “prisão preventiva” para mulheres com filhos pequenos, mas que a prisão de Jaqueline é definitiva.
Meses antes, o magistrado também negou prisão domiciliar para a cabeleireira Débora Rodrigues, mãe de dois filhos menores de 12 anos, que ainda aguarda julgamento. A mulher foi presa dia 8 de janeiro e ficou mais de um ano e meio na prisão, sem denúncia do Ministério Público (MP). Ela segue no cárcere, afastada dos filhos.
“É um absurdo que, em pleno século XXI, ainda testemunhemos tamanha violação de direitos humanos”, pontuou o advogado Helio Junior.
A Gazeta do Povo entrou em contato com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), mas não recebeu retorno até a publicação dessa reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.
O que há contra Jaqueline?
Segundo a defesa, no caso da moradora de Juiz de Fora, o que existe contra ela são fotos nos prédios públicos já danificados no dia 8 de janeiro, e uma denúncia do MP que cita crimes multitudinários, em que todas as pessoas presentes nos atos seriam responsáveis pelo que ocorreu.
Jaqueline foi condenada, então, pelo ministro Alexandre de Moraes por associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça — com emprego de substância inflamável — contra o patrimônio da União, e também por deterioração de patrimônio tombado.
“Em vídeos e imagens, Jaqueline Freitas Gimenez aparece em postura de claro apoio ao movimento”, diz Moraes em seu voto, afirmando que a mulher estava na capital federal dia 8 de janeiro de 2023 “para participar de atos golpistas visando a extinção do Estado Democrático de Direito, com a decretação de intervenção militar e a derrubada do governo democraticamente eleito”, continua.
Jaqueline foi condenada por crimes impossíveis, afirma jurista
Entretanto, o professor universitário Pedro Sérgio dos Santos, doutor em Criminologia e Direito Processual Penal pela Universidade Federal de Pernambuco, explica que esses crimes são impossíveis, segundo o artigo 17 do Código Penal (CP).
“Um crime não pode ser punido se existiu incapacidade do meio ou impropriedade do objeto”, aponta, ao esclarecer que, segundo a legislação brasileira, o meio utilizado para execução de um crime precisa ser eficaz para a concretização dele. “Não há como envenenar alguém com açúcar comum ou matar um indivíduo usando balas de festim”, exemplifica. “O meio é ineficaz e nunca chegará ao que se propõe”, continua.
Além disso, o artigo 17 do CP também estabelece que o objeto utilizado para execução de um crime precisa ser próprio para esse crime. “Se o indivíduo atirar em uma pessoa que já morreu por ataque cardíaco ou tentar furtar o próprio carro, não estará cometendo crime porque o objeto é impróprio”, exemplifica o doutor em Criminologia, atribuindo a lei ao que o que ocorreu no dia 8 de janeiro.
“Quebrar uma cadeira ou uma porta não é dar um golpe de Estado porque o Estado está personificado nas pessoas que o dirigem, ou seja, no presidente, parlamentares e ministros”, explicita, ao afirmar que o vandalismo aos prédios públicos não interferia no desempenho das funções dos representantes do Estado.
“Se aquelas pessoas quisessem mesmo dar um golpe, os meios que utilizaram não foram eficazes, e não se pune tentativa quando o meio é ineficaz ou o objeto é improprio”, reafirma, apontando que o crime cometido por alguns no dia 8 de janeiro foi de dano ao patrimônio público. “Assim como ocorreu em 2017, quando manifestantes atearam fogo nos prédios dos ministérios. E o Supremo condenou aquelas pessoas?”, questiona o jurista.
Família de Jaqueline pede justiça
De acordo com o caminhoneiro Wanderson Freitas da Silva, marido de Jaqueline, o “crime” de sua esposa foi “carregar nas costas a bandeira do Brasil”, já que a mulher viajou a Brasília para pedir, pacificamente, um país melhor para seus filhos.
“Mas o local se tornou um campo de guerra e, no meio de bombas de efeito moral e balas de borracha, era necessário respirar com o nariz coberto por um pano e se abrigar em algum lugar”, relata, informando que, quando a esposa entrou no Palácio do Planalto, já “encontrou tudo quebrado, revirado”.
Segundo ele, a família nem foi informada a respeito da prisão de Jaqueline e ele só teve notícias da mulher mais de 30 dias depois. “Gastamos o que não tínhamos com um advogado na época, e minha esposa passou dois meses presa”, recorda.
Jaqueline ficou, então, mais de um ano com tornozeleira eletrônica e permaneceu cuidando dos filhos até ser julgada, condenada e presa novamente. “Ela é uma mãe super dedicada e está arrasada longe das crianças”, afirma o esposo, ao garantir que o sofrimento dos pequenos é maior. “O tempo passa muito depressa e, infelizmente, eles estão crescendo longe dos cuidados da mãe”.
Resposta da Sejusp
Em nota enviada à Gazeta do Povo, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) informou que o Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG) realizou contato com o advogado de Jaqueline informando os meios para efetivação do atendimento à sua cliente.
O advogado confirmou o contato e enviou um novo e-mail na tarde desta terça-feira (12) para solicitar autorização de videoconferências com a cliente. “Estou aguardando retorno”, finaliza Helio Junior.