Sobre uma bancada branca cercada de pendentes, arandelas e afins, um homem manipula uma luminária de linhas simples. Parafusa a cúpula, delgada e arredondada, com base cilíndrica. De cabeça para baixo, a peça revela detalhes escondidos ao olhar não curioso: a luz difusa é filtrada por um vidro artesanal e texturizado com bolhas que parecem esporos. A cena seria coisa à toa não se tratasse de criador e criatura.
O homem é Guilherme Wentz, designer reconhecido internacionalmente como um dos principais nomes brasileiros da atualidade, que ajudava a montar uma das luminárias da sua recente coleção Fungi, pouco antes de evento realizado para o lançamento das peças em Curitiba, no showroom da Alma Light.
O momento resume bem a filosofia mão na massa adotada pela WENTZ, marca criada em 2019 após um início de carreira meteórico. Recém-graduado em Design de Produto, recebeu o prêmio IDEA Brasil em 2012, o iF Design Award em 2013; em 2016 foi nomeado “Rising Talent” pela Maison&Objet Americas, ganhou seu primeiro prêmio Museu da Casa Brasileira e mais um iF Design. Nos anos seguintes, 2017 e 2018, foi destacado pelo Prêmio Casa Vogue e pela T Magazine, suplemento de estilo do The New York Times.
Nesses mais de 10 anos de trajetória, Wentz destaca um amadurecimento sem abandonar o estilo que lhe é característico: organicidade e simplicidade, numa exaltação à natureza e à “terra brasilis”. A coleção em questão é uma ode ao reino dos fungos, “suas profundas e silenciosas conexões naturais e suas capacidades de expansão de consciência e, portanto, de luz”, descreve o designer.
Em entrevista exclusiva a HAUS, Guilherme Wentz fala sobre os caminhos do conceito à materialidade e reflete sobre os desafios da produção criativa.
GW – Não sei se estou certo, mas eu gosto de considerar que tem um amadurecimento criativo nesse equilíbrio entre a inspiração orgânica, natural vinda diretamente dos cogumelos, dos fungos, e essa abstração passando para o desenho do produto. E acho que o que é mais importante é que agora que nós temos uma produção própria de iluminação; para nós é um amadurecimento também na forma de produzir e utilizar técnicas mais complexas, tanto na parte eletrônica, na construção das placas de LED para seguir essa forma orgânica, quanto na parte industrial.
Foram processos mais complexos que a gente utilizou desta vez, como a fundição de alumínio e uma camada a mais de textura que não tinha sido vista ainda no meu trabalho com luminárias: é essa parte do vidro, que depois de aceso dá para ver que é um trabalho bem artesanal. Eu gosto desse encontro, da inspiração natural para levar para a indústria segundo processos industriais mais seriados, com algum elemento artesanal, que nesse caso é o vidro feito em forno, o que cria essas bolhas naturais que chamam a atenção para a parte de baixo da luminária.
Por mais que não seja aquilo que a gente vê num primeiro momento, é um elemento que causa quase que uma segunda impressão com a peça. Veio da ideia de que, nos cogumelos, a parte mais interessante está quando a gente os vira de cabeça para baixo, que é quando a gente vê toda a complexidade daquilo que parece tão simples e minimalista por fora.
Na SP-Arte nós apresentamos um conceito, que estava na forma de instalação, mas agora com a versão final deles, com todos os ajustes que eram necessários, é que a gente considera o lançamento oficial.
GW – É uma mistura de sentimentos. Primeiro, um orgulho de poder fazer um trabalho que está do lado de grandes nomes. Depois, dá até medo ter uma peça nossa do lado de uma da Flos, por exemplo. Falei mais cedo: “será que a gente consegue chegar [no mesmo nível]”?
GW – É uma faca de dois gumes. Nós temos a produção própria há um ano mais ou menos e ela nos dá muita liberdade de inventar histórias, mas nós temos que errar para aprender tudo aquilo que outras empresas que estão aí há décadas já aprenderam.
São duas coisas: muita empolgação com novidades e com esses desafios que a gente se permite colocar, que normalmente uma empresa não faria, “mas já que é nosso vamos tentar, acho que vai dar certo”. E umas frustrações naturais que vão acontecendo por erros do processo, porque é a primeira vez que estamos fazendo uma coisa específica.
Mas, voltando ao início da tua pergunta, eu acho que também é um amadurecimento da coleção nesse sentido de técnicas mais complexas por desejos mesmo. O fato de, como você falou, ter a produção própria e podermos fazer testes que, num primeiro momento, parecem que não vão valer a pena ou que não parecem possíveis.
Aí tem uma busca não só conceitual, de design, de querer fazer diferente e atender ao conceito inicial, mas também para complicar um pouco, porque o grande desafio do design muito “simples”, muito limpo, é que ele pode ser fácil de reproduzir e a gente já sofre muito com cópias. Usamos técnicas que não são tão comuns no mercado de iluminação para tentar complicar o projeto.
GW – De novo vou falar que tem dois lados. O primeiro lado bom é que quanto mais nós entendemos o processo, mais rica fica a próxima criação. O lado ruim é que realmente toma tempo criativo, mas eu não diria que o processo de desenvolvimento do produto é o que toma mais tempo; esse tempo eu considero como parte da criação porque muitas decisões a gente vai tomando ao longo do processo.
Eu começo o desenho no papel muito simples, como eu espero que seja o resultado final, são poucas linhas e aí no meio do processo tem muitas decisões que a gente tem que tomar para esconder parafusos, para o LED, para que seja o mais fino possível. Eu faço questão de fazer parte do processo e, obviamente, são muitas cabeças funcionando, muitas mãos. Agora nós temos a produção centralizada, a parte de finalização, acabamento, montagem e embalagem, nós temos fornecedores que trabalham com vidro, que trabalham com fundição de metal, com repuxo de metal, até mesmo pintura; são muitas cabeças e mãos e fica muito rico o processo.
O que leva ainda mais tempo do que tudo isso é o processo de gestão do negócio em si, financeiro, administrativo, logística, pessoas, RH. A gente trabalha com o canal de atacado, com parceiros como a Alma Light, mas nós temos a loja própria (em São Paulo) e agora temos um showroom em Caxias [do Sul, RS]. Essa complexidade que é o mais difícil. Mas, tem o lado bom, de entender o negócio para saber como fazer os próximos. Sempre tem o lado bom.
GW – Meu sonho é ser só designer, não ter que fazer [todo o resto]… Mas é inevitável e no fim a gente aprende muito e pode tomar decisões. Uma das coisas que eu queria na hora de ter uma marca própria era poder controlar coisas como direção de arte, embalagem, posicionamento de mercado. Parece simples, mas tudo isso envolve também fornecedores, posicionamento envolve clientes, revendas, no fim é bem maior e é uma visão que acreditamos que a empresa pode seguir. E, claro, eu não trabalho sozinho, tenho uma sócia que faz parte da operação que é a Cintia [Ferro], e tem a Flávia [Scola], que além de ser minha esposa também trabalha no comercial. Todos gostariam de estar mais dedicados à parte mais criativa e intelectual dos seus trabalhos, mas enfrentam as dificuldades do dia a dia.
GW – Percebo que estamos num momento de muita efervescência do design brasileiro. Quando eu comecei a trabalhar com isso, pouco mais de 10 anos atrás, eram poucos nomes e eu acho que eu entrei bem no início dessa aproximação da indústria com os designers. Tem uma história econômica aqui. Os designers eram muito independentes, com um trabalho mais artesanal, no estúdio, mas com a alta do dólar ficou mais difícil consumir produtos importados e a indústria começou a olhar para dentro, para o que a gente pode fazer aqui. Bem, o reflexo inicial para a grande maioria foi fazer cópias do que tinha lá fora, mas depois, talvez ali em 2010, começou esse número muito maior [de designers autorais]. Claro que sempre existiu, mas falo de quantidade, desse número muito maior de empresas procurando designers e eu acho que foi o que permitiu o início da minha carreira, junto com outros designers da minha idade.
A gente está num momento interessante. É exatamente o nosso caso: ainda aprendendo como fazer, uma vez que a gente vai mostrar o nosso trabalho fora do Brasil e tem essas empresas italianas com mais de 50 anos, mais de 100 anos. Muita coisa que eles sabem a gente não sabe ainda, como produzir, sobre mercados, o próprio nível de complexidade do desenho, mas eu acho que a gente está em um momento muito rico, tem muita gente criando, experimentando, é um momento de amadurecimento. Não acho que a gente está 100% pronto, falo por mim mesmo, não estou 100% para competir lá fora, tenho muito a aprender, mas já estamos numa fase interessante, onde alguns olhos estão se voltado para cá.
*A entrevista foi realizada antes do lançamento da coleção UNTITLED, em novembro de 2023.