O governo do Paraná enviou para a Assembleia Legislativa do estado (Alep) um projeto de lei que permite a cessão onerosa do direito à denominação, o chamado Direitos de nomeaçãode bens públicos. O projeto que tramita na Casa de leis paranaense é mais um entre vários que se espalham por municípios e estados do país com três objetivos principais: aumentar a arrecadação, envolver a sociedade nos debates e dar segurança jurídica ao poder público e à iniciativa privada.
Ou use dois Direitos de nomeação não é algo novo, especialmente no setor esportivo privado. Estádios, por exemplo, são amplamente batizados com nomes de empresas, como Allianz ParqueAssim, MorumBis e Mentindo a arena — que já foi Arena Kyocera no início do século. No campo público, porém, as experiências nesse sentido são mais recentes e vêm esbarrando em questões jurídicas e de aceitação da sociedade.
No fim do ano passado, a prefeitura de São Paulo recuou na parceria feita com a PepsiCo para renomear o Largo da Batata para Long Da Batata Bruffles. O acordo, que previa uma doação de R$ 1,1 milhão para gerir a praça por dois anos, foi tornado sem efeito após repercussão negativa da população paulistana e também por não ter passado por licitação, consulta pública e análise da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana, órgão da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento.
Esse é um exemplo da equação complexa que se coloca entre a necessidade de aumentar receitas e a preocupação de lidar com eventuais processos na Justiça e manifestações contrárias por parte da população. Para tentar minimizar efeitos negativos, cidades e estados têm apostado em legislações específicas para tratar o assunto e melhorar a aplicação da cessão dos nomes, observando princípios como transparência, publicidade, concorrência e participação popular.
A primeira lei municipal no Brasil que versa sobre a cessão onerosa dos direitos de denominação é a nº 3.907 de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, aprovada em 2016. A partir dela, outros municípios aprovaram leis similares, como Blumenau (SC), Itapoá (SC) e Guarulhos (SP). Entre os estados, Amazonas, Goiás, Maranhão e Mato Grosso contam com legislações específicas.
“O gestor, muitas vezes, tem medo de fazer um contrato desse tipo e depois ser denunciado pelo Ministério Público ou parar no Tribunal de Contas. Com uma lei específica, com o instrumento normativo que autoriza a cessão onerosa, dá mais segurança jurídica”, opina o procurador do estado da Paraíba e mestre em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Nicolas Schuindt de Andrade.
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Cessão onerosa de Direitos de nomeação exige limites previstos em lei
A lei por si só, entretanto, não é suficiente, segundo o especialista. Para Andrade, é importante que a lei seja bem redigida e leve em consideração os limites para a cessão onerosa. “O que vai definir se Direitos de nomeação é um bom ou mau instrumento são os limites que vão ser colocados pelo poder públicocomo licitação para garantir impessoalidade e competitividade, e os limites sobre os próprios nomes. São situações que precisam ser analisadas caso a caso e com participação da sociedade por meio de consultas públicas”, comenta ele.
Em 2021, no Rio de Janeiro, a estação de metrô Botafogo passou a se chamar Botafogo/Coca-Cola após um acordo entre o Metrô Rio e a multinacional de bebidas. Além do fato de ser uma concessionária cedendo o nome de um bem público a terceiros — o que gerou manifestações na Justiça —, a reação da população carioca foi enfática. Organizações civis de educação alimentar e de direitos do consumidor organizaram protestos contra a concessionária.
Um manifesto assinado por várias instituições, como Observatório de Obesidade da UERJ, Greenpeace Brasil e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, pediu o fim da parceria pelo suposto incentivo ao consumo de bebidas açucaradas. A parceria acabou no fim de 2022 e a estação voltou a se chamar apenas Botafogo.
Por outro lado, o usuário do metrô de São Paulo está acostumado a embarcar e desembarcar em estações com nomes de marcas. Por enquanto não houve reações nas mesmas proporções que ocorreram no Largo da Batata ou o metrô do Rio. São sete estações batizadas:
- Jabaquara Comitê Paralímpico Brasileiro (Linha 1-Azul)
- Saúde-Ultrafarma (Linha 1-Azul)
- Penha-Lojas Besni (Linha 3-Vermelha)
- Carrão-Assaí Atacadista (Linha 3-Vermelha)
- Paulista-Pernambucanas (Linha 4-Amarela)
- Jurubatuba-Senac (Linha 9-Esmeralda)
- Morumbi-Claro (Linha 9-Esmeralda)
Para evitar conflitos, o projeto de lei do estado do Paraná, por exemplo, lista algumas vedações, incluindo marcas que promovam “atividades prejudiciais à saúde pública, como bebidas alcoólicas e alimentos com alto teor de açúcar ou gorduras trans”, além de tabagismo, uso de drogas, medicamentos sem prescrição, apologia ao crime, entre outras.
Além disso, o projeto prevê a criação do Conselho Curador de Bens Públicos, órgão colegiado e deliberativo formado por representantes do estado e da sociedade civil, que estabelecerá as regras gerais da cessão onerosa e as vedações, bem como a realização de consultas públicas prévias. Segundo o procurador do estado da Paraíba, esse tipo de mecanismo é importante porque coloca a sociedade dentro da discussão.
“Existe um sentimento de que o bem público está sendo privatizado, como se a sociedade entendesse que é uma privatização. Mas olhando sob o ângulo do Estado eficiente, é o Estado fazendo parcerias com o setor privado para benefícios do setor público. No fim, vai se converter em benefícios à sociedade.”