O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está prestes a lançar uma Política Nacional de Data Centers. A tendência é de que uma das principais iniciativas seja a oferta de benefícios fiscais – ou seja, redução de impostos – a empresas do setor, muito embora o governo tenha dificuldade em colocar suas contas no azul.
A estratégia contraria inúmeros discursos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que desde o início da gestão alardeou sua intenção de reduzir as renúncias fiscais. Ainda em 2023, ele chegou a declarar que os benefícios tiram R$ 600 bilhões por ano do caixa do governo, e prometeu abrir o que chamou de “caixa-preta” das renúncias.
O objetivo da política de data centers, que o próprio Haddad vem propagandeando em visita oficial aos Estados Unidos nesta semana, é atrair cerca de R$ 2 trilhões em investimentos nos próximos dez anos. Atualmente, as principais empresas do setor são também grandes companhias de tecnologia, como Google, a AWS (Amazon Web Services) e a Microsoft.
“Para a área de data center, resolvemos antecipar os efeitos da reforma tributária já aprovada pelo Congresso Nacional, por emenda constitucional, ou seja, uma coisa absolutamente sólida do ponto de vista institucional”, disse o ministro da Fazenda em conferência no Milken Institute, um think tank de economia.
A previsão é de que as medidas para a implementação da nova política sejam enviadas ao Congresso Nacional por meio de medida provisória (MP). A proposta deve, a princípio, conter redução de alíquotas de IPI, PIS/Cofins e do Imposto de Importação sobre equipamentos usados na fase de implantação dos data centers, além de isentar a exportação de serviços prestados nessas instalações.
“A antecipação dos efeitos da reforma tributária vai permitir que todo o investimento no Brasil, no setor, seja desonerado e toda exportação de serviços a partir dos data centers também sejam absolutamente desoneradas”, disse o ministro.
A iniciativa ainda prevê a aprovação, também pelo Congresso, de um marco legal sobre data centers. Está em tramitação no Senado o Projeto de Lei (PL) 3018/24, que dispõe sobre a regulamentação dos data centers de inteligência artificial no país. No fim de abril, os senadores aprovaram a realização de uma audiência pública sobre a proposta.
Renúncia fiscal preocupa em meio a restrições orçamentárias
Confira:
- 1 Renúncia fiscal preocupa em meio a restrições orçamentárias
- 2 Setor privado vê desoneração para data centers como avanço estratégico
- 3 Governo busca protagonismo no cenário de tecnologia e aproximação com EUA
- 4 Rede elétrica e matriz limpa são trunfos na disputa global por data centers
- 5 Capacidade de transmissão pode limitar expansão do setor
As medidas do governo, porém, podem gerar controvérsia. O tributarista Carlos Eduardo Navarro, sócio do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, afirma que a maior dúvida está em torno do que o ministro anunciou como completa desoneração das exportações, “pois esse sempre foi um grande problema do Brasil”.
Navarro avalia que as expectativas são de que as regras sobre PIS/Cofins e, possivelmente, IPI aumentem os créditos passíveis de apropriação por parte dos contribuintes desse setor.
Outra possibilidade é a de que produtos e serviços que hoje não geram créditos possam ser adquiridos com suspensão de IPI e PIS/Cofins, condicionados a uma futura exportação por parte do contribuinte.
Outro ponto importante é que a renúncia fiscal implícita pressione ainda mais o equilíbrio das contas públicas, especialmente em um cenário de desaceleração econômica e alto comprometimento do Orçamento, conforme previsões do PLDO para 2026.
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Setor privado vê desoneração para data centers como avanço estratégico
TEM Gazeta do Povoum representante do setor de tecnologia disse que a carga tributária é o principal impedimento para o avanço de investimentos em data centers no país. De acordo com Marcio Aguiar, diretor da divisão de enterprise da Nvidia no Brasil, os impostos chegam a dobrar o valor dos insumos.
“Muitas vezes é possível que o valor (da importação) seja duplicado só por conta dos impostos. Isso, obviamente, retrai muitas empresas”, explicou. Nesse sentido, o diretor da Nvidia avalia que a iniciativa do governo contribui “para o avanço da infraestrutura tecnológica no Brasil e na América Latina, como um todo”.
As previsões de investimento podem ser expressivas. O Google, que tem data center em São Paulo em operação desde 2017, afirmou que planeja investir US$ 75 bilhões globalmente no setor somente em 2025. A maior parte do montante será destinada a infraestrutura técnica, incluindo servidores e data centers.
Governo busca protagonismo no cenário de tecnologia e aproximação com EUA
Ainda durante sua viagem aos EUA, Haddad se reuniu com representantes do setor de tecnologia. Na terça-feira, o ministro participou de um evento com 40 representantes de empresas expoentes no mercado de infraestrutura digital, além de fundos de investimento no setor.
Estavam presentes AWS, Bytedance (TikTok), Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp), Microsoft, Nvidia e Oracle, entre outras. Durante o encontro, Haddad afirmou que o Brasil está pronto para liderar uma nova fronteira de investimentos em tecnologia.
“Estamos construindo uma política pública robusta, com base em diálogo com o setor privado, para garantir previsibilidade, eficiência energética e segurança jurídica aos investidores”, afirmou.
A medida não deixa de ser uma tentativa do governo brasileiro de se aproximar das grandes empresas de tecnologia e, desta forma, até mesmo dos Estados Unidos — as Grandes técnicos têm desempenhado papel relevante na gestão de Donald Trump.
O próprio ministro Haddad disse que o governo tem interesse de se aproximar dos Estados Unidos. “Fizemos isso na administração Biden e faremos isso na administração Trump. Há complementaridades importantes que podem e devem ser exploradas”, afirmou.
Fabrizio Panzini, diretor de Políticas Públicas e Relações Governamentais da Amcham Brasil, câmara de comércio que organizou a reunião entre o ministro e as empresas de tecnologia, reforçou essa possibilidade.
“Tecnologia e infraestrutura digital representam uma agenda ganha-ganha para Brasil e EUA, com geração de empregos e produção de alto valor agregado”, disse durante o evento.
Rede elétrica e matriz limpa são trunfos na disputa global por data centers
A nova aposta do governo almeja posicionar o Brasil como hub tecnológico e de inteligência artificial na América Latina, em um momento em que as Grandes técnicos disputam espaços e vantagens fiscais em escala global.
Países como Irlanda e Cingapura, por exemplo, já oferecem incentivos fiscais para atrair esse tipo de investimentos. Na América Latina, Chile e Colômbia também já oferecem benefícios para atração dos data centers.
Além das benesses tributárias com as quais o governo acena, as empresas de tecnologia podem ter outros atrativos para investir no país. Um deles é a rede elétrica.
De acordo com o Ministério de Minas e Energia, a matriz brasileira é composta de 88,1% de fontes renováveis ou energia limpa. A qualidade e a quantidade de energia e de água são pontos importantes para a instalação de data centers e, portanto, para os planos de investimento das empresas do setor.
Além de absorver muita água para refrigeração dos servidores, data centers de grande porte podem consumir energia elétrica equivalente à demandada por uma cidade de 100 mil habitantes.
Marcio Aguiar, da Nvidia, avalia que, por essas razões, o Brasil é um país “favorável” para receber os investimentos em data centers.
“Isso porque o território nacional é amplo e ‘abençoado por natureza’, visto que temos um potencial significativo em termos de energia eólica, solar e hídrica”, avaliou.
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Capacidade de transmissão pode limitar expansão do setor
Mesmo assim, há questionamentos sobre a própria capacidade do sistema elétrico, caso haja uma crescente demanda de data centers no país. Com o crescimento da oferta de energia eólica e solar, o sistema de transmissão tem recebido sobrecarga energética.
Há situações em que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) “desconecta” temporariamente parte da geração de fontes intermitentes para evitar sobrecargas do sistema. Ou seja, ainda que haja a possibilidade de ampliação da oferta, seria preciso robustecer a infraestrutura de transmissão para acomodar a demanda extra gerada pelos data centers.
Outra solução possível seria apostar em energia nuclear, como tem sido feito por outros países. Este ano, o Ministério de Minas e Energia precisará decidir sobre a retomada ou o abandono das obras da usina Angra 3 — Angra 1 e 2 estão em operação.
Por tudo isso, será necessário que o governo articule a iniciativa de atração de data centers, com a política tributária e a regulação do setor, além de garantir que haja recursos para os investimentos necessários, inclusive no setor de infraestrutura.
Ocorre que tudo isso deve ser feito em um momento no qual o caixa para investimentos não obrigatórios está cada vez mais exíguo, com falta anunciada de recursos já em 2027.