Primeira e única ministra do Superior Tribunal Militar desde sua instalação, há mais de dois séculos, a mineira Maria Elizabeth Rocha voltou ao noticiário nos últimos dias em seguida realizar outro feito histórico: ser eleita presidente daquela Incisão.
O que praticamente não se comenta, no entanto, é sua relação — também histórica — com Lula, Dilma e outros políticos do Partido dos Trabalhadores.
Procuradora federalista, a magistrada de 64 anos já trabalhou porquê advogada dos petistas João Paulo Cunha e Virgílio Guimarães (ambos personagens do mensalão). Em 2003, tornou-se assessora da subchefia de Assuntos Jurídicos da Morada Social, na gestão de Dilma Roussef. Quatro anos depois, Lula a indicou ao STM.
Em 2010, a ministra foi acusada de tentar impedir uma repórter da Folha de S. Paulo de acessar o processo que levou Dilma à prisão durante o regime militar. Ela paralisou o julgamento de uma ação apresentada pelo jornal, alegando precisar de mais informações.
Questionada se os seus laços com o PT a impediam de atuar no caso, Maria Elizabeth disse na idade que não havia motivos éticos e legais para tanto. Dois meses depois, acabou votando pela divulgação do material, com a salvaguarda de manter os relatos de tortura em sigilo, para preservar a intimidade da logo presidente.
Magistrada quer tornar o STM “mais aberto e inclusivo”
Vencedora em um pleito apertado, por somente um voto (o dela mesma), a novidade mandatária do Supremo Tribunal Militar tem sugerido à prensa que foi vítima de uma pronunciação fracassada para barrar sua chegada ao topo da instituição.
“Foi doloroso, não vou negar. Mas quebrei o teto de vidro. E os estilhaços caíram em cima de uma sociedade patriarcal e sexista”, disse à Folha, num tom alinhado com as narrativas contemporâneas da esquerda.
E mesmo que sua principal pauta seja a integração do STM ao Conselho Nacional de Justiça (para que a Corte “tenha mais voz”), a magistrada faz questão de enfatizar seus planos de tornar o tribunal “mais aberto e inclusivo”.
Feminista assumida, ela defende a introdução da Lei Maria da Penha no Código Militar e a criação de uma “assessoria de gênero, raças e minorias”.
“Sou o voto contramajoritário”, afirmou ao Estado de S. Paulo a ministra — que em 2009 decidiu conceder aos servidores da Justiça Militar da União o direito de incluírem companheiros do mesmo sexo como beneficiários em planos de saúde.
Maria Elizabeth, no entanto, parece não querer se envolver com as propostas do governo para revisar supostos privilégios dos militares.
Casada com o general da reserva Romeu Costa Ribeiro Bastos (irmão de Paulo Costa Ribeiro Bastos, guerrilheiro do Movimento Revolucionário 8 de Outubro e considerado desaparecido político), ela apenas lembra que a categoria “tem uma carreira diferenciada”.
“O militar não ganha horas extras, não ganha adicional noturno. O militar cumpre uma jornada de trabalho muito maior do que um civil”, disse ao Estadão.
Nova presidente é contra a participação das Forças Armadas na política
Mas a ministra — que assume a presidência do STM em março, para um mandato de dois anos — não pega leve quando o assunto é a participação de militares na política.
“Sem dúvida alguma, política e Forças Armadas são azeite e água: não se misturam. Quando a política entra nos quartéis, a hierarquia e a disciplina saem pela janela”, disse para a CNN.
Para a GloboNews, afirmou que “militar sobe em varanda só no 7 de Setembro”. “É um desastre [o envolvimento de militares no cenário político]. Isso nunca funcionou no Brasil”.
Em uma enunciação um pouco mais antiga, de julho de 2022, Maria Elizabeth fez críticas implícitas ao logo presidente Jair Bolsonaro e membros de seu governo. Durante um almoço com empresários, falou sobre “ameaças à democracia” e “discursos nas redes sociais que desafiam as instituições”.
Não mencionou nomes, porém afirmou ser irônico que a “hecatombe da democracia” viesse sob um verniz de legitimidade, a partir de argumentos porquê o combate à devassidão e à segurança pátrio (bandeiras da direita brasileira).
No mesmo evento, repetiu ideias contidas no livro “Como as Democracias Morrem”, dos cientistas políticos Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, usado pela esquerda para associar governantes conservadores ao autoritarismo.
“Democracias têm sido subvertidas por líderes autoritários que terminam por transformá-la em um regime autoritário sem precisar de armas”, disse, numa menção direta à obra.
Com Bolsonaro e seus aliados enfrentando processos em diversas instâncias judiciais (incluindo, possivelmente, o STM), é importante escoltar de perto a atuação da novidade presidente da Incisão — uma magistrada historicamente ligada à esquerda e ao PT.
A reportagem da Jornal do Povo entrou em contato com a assessoria de prensa do Superior Tribunal Militar para solicitar uma entrevista com a ministra Maria Elizabeth Rocha, mas não obteve retorno até a desfecho deste texto.