Resumo do artigo
- Estudos que embasam a política canadense de fornecimento gratuito de drogas carecem de rigor científico e apresentam dados inconclusivos ou distorcidos.
- Pesquisas recentes indicam que o fornecimento mais seguro não reduziu a mortalidade a longo prazo e pode ter aumentado hospitalizações.
- Diante de críticas crescentes e desvio de medicamentos para o mercado ilegal, o Canadá recuou na implementação da política.
O Canadá, onde moro, é a única jurisdição no mundo que distribui gratuitamente drogas viciantes para dependentes químicos. Sob a política de “fornecimento mais seguro”, as autoridades de saúde canadenses distribuem hidromorfona — um opioide tão potente quanto a heroína — bem como, em menor grau, oxicodona, fentanil farmacêutico e estimulantes leves. Essas drogas são fornecidas gratuitamente e, até recentemente, raramente precisavam ser consumidas sob supervisão médica.
Alguns ativistas americanos da redução de danos afirmam que a experiência do Canadá — e seus estudos — comprovam que um fornecimento mais seguro salva vidas. Na realidade, os estudos que eles citam são profundamente falhos. Eles se baseiam em metodologias fracas, incluindo entrevistas tendenciosas e pesquisas autorrelatadas, e não conseguem isolar os efeitos do fornecimento mais seguro dos de outras intervenções. Formuladores de políticas públicas nos EUA deveriam resistir à tentação de adotar, com base em evidências instáveis, um modelo tão controverso.
O fornecimento mais seguro começou a ser testado no Canadá em 2016, mesmo sem evidências sólidas de sua eficácia. Alguns estudos clínicos realizados anteriormente sugeriam que a administração controlada de heroína de grau farmacêutico, sob rigorosa supervisão médica, poderia ajudar a estabilizar usuários com dependência grave. No entanto, defensores da nova abordagem passaram a utilizar esses estudos como justificativa para uma política bem distinta — na qual o consumo não era supervisionado, uma diferença crucial.
Nos anos seguintes, acadêmicos ativistas radicais produziram inúmeras avaliações e estudos declarando que o fornecimento mais seguro “salva vidas” e melhora a qualidade de vida dos beneficiários. À medida que o Canadá expandia o acesso ao programa em todo o país em 2020, os formuladores de políticas se apegaram a esse experimento “baseado em evidências”, condenando os críticos como anticientíficos.
Essas evidências são predominantemente compostas por estudos qualitativos, que se baseiam não em dados, mas em entrevistas com beneficiários e e profissionais envolvidos na política. Como é de se esperar, os entrevistados geralmente descrevem o programa de forma positiva. Seus relatos, no entanto, são apresentados como se fossem comprovações objetivas de sucesso.
Curiosamente, esses estudos raramente incluem a visão de médicos, dependentes que não participam do programa ou pessoas em recuperação, que poderiam oferecer avaliações menos entusiásticas. Especialistas canadenses em dependência química frequentemente descrevem tais estudos como meros testemunhos subjetivos.
Algumas pesquisas até tentam converter os relatos em dados estatísticos. O London InterCommunity Health Centre (LIHC), um dos principais centros prescritores do país, publicou avaliações sugerindo que cerca de metade dos pacientes teria reduzido o uso de fentanil após aderirem ao programa. No entanto, o fato de os dados serem autorrelatados — e, portanto, vulneráveis a distorções — compromete sua confiabilidade. Nada impede, por exemplo, que os pacientes mintam para manter os benefícios do programa.
Um estudo publicado em 2024 por Brian Conway, diretor do Centro de Doenças Infecciosas de Vancouver, deu força a essas críticas. Após aplicar questionários a 50 pacientes beneficiários do programa, Conway coletou amostras de urina. Embora apenas 4% dos entrevistados tivessem admitido desviar sua hidromorfona (isto é, vender ou trocar a droga), 24% não apresentavam qualquer traço da substância no organismo — sugerindo que um número significativo de usuários pode ter mentido.
Outras pesquisas analisaram dados administrativos de saúde e concluíram que a participação nos programas se correlaciona com melhores resultados clínicos. No entanto, essas análises não distinguem se os efeitos positivos decorrem das drogas fornecidas ou dos serviços complementares prestados, como acesso à moradia, assistência médica e apoio psicossocial. É como atribuir a perda de peso de uma pessoa ao consumo diário de bolo, ignorando o fato de ela também ter contratado um personal trainer.
No ano passado, o Centro de Controle de Doenças da Colúmbia Britânica (BCCDC) publicou um estudo no British Medical Journal examinando os dados de saúde de 5.882 usuários de drogas durante um período de 18 meses, entre 2020 e 2021. O estudo constatou que indivíduos que receberam opioides de fornecimento mais seguro tiveram 61% menos probabilidade de morrer na semana seguinte do que aqueles que não receberam. Esse número subiu para 91% para aqueles que receberam opioides de fornecimento mais seguro por quatro ou mais dias em uma única semana.
À primeira vista, os números parecem promissores. Mas uma análise posterior feita por sete médicos especialistas em dependência revelou uma distorção importante: muitos dos pacientes do grupo “fornecimento mais seguro” também recebiam medicamentos tradicionais de tratamento de dependência, como metadona e Suboxone — terapias com eficácia comprovada para redução de overdoses e mortalidade. Quando se excluíam os pacientes em tratamento com essas substâncias, a taxa de mortalidade era igual à dos que não participavam do programa. Ou seja: o efeito benéfico se deve, provavelmente, à terapia agonista opioide (OAT, na sigla em inglês), e não ao fornecimento de opioides gratuitos.
Os dados do estudo também não mostraram reduções significativas na mortalidade após um ano de acesso a um fornecimento mais seguro. É de se perguntar por que os pesquisadores optaram por se concentrar nos números de acompanhamento de uma semana.
Mais recentemente, um estudo publicado no JAMA Health Forum constatou que, entre 2020 e 2022, a política de fornecimento mais seguro da Colúmbia Britânica foi associada a um aumento de 33% nas hospitalizações por opioides e a nenhuma mudança na mortalidade relacionada a medicamentos. Os pesquisadores chegaram a essa conclusão comparando os dados de saúde publicamente disponíveis da província com dados de um grupo de controle composto por algumas outras províncias canadenses. O estudo levantou novas dúvidas sobre a base científica do fornecimento mais seguro.
Nos últimos dois anos, os formuladores de políticas canadenses reconheceram abertamente, embora com relutância, que o fornecimento mais seguro não é tão bem fundamentado quanto alegavam. Os protocolos de fornecimento mais seguro de fentanil da Colúmbia Britânica de 2023 afirmam claramente, por exemplo, que “não há evidências disponíveis que sustentem esta intervenção, dados de segurança ou melhores práticas estabelecidas sobre quando e como fornecê-lo”. Da mesma forma, o principal médico da província divulgou um relatório no início de 2024 admitindo que o experimento “não é totalmente baseado em evidências”. No outono passado, a Iniciativa Canadense de Pesquisa em Questões de Substâncias reconheceu, em uma importante apresentação, que o fornecimento mais seguro é apoiado por “evidências essencialmente de baixo nível”.
Essa reviravolta foi acelerada por reportagens investigativas da mídia que confirmaram que medicamentos de fornecimento mais seguro estavam sendo desviados para o mercado negro, enriquecendo o crime organizado e farmácias corruptas no processo. O apoio público à política aparentemente diminuiu, à medida que críticas antes tabu se normalizam entre políticos e analistas canadenses. O governo federal canadense agora silenciosamente retirou o financiamento de seus programas de fornecimento mais seguro (embora prescritores independentes ainda operem), enquanto a Colúmbia Britânica determinou, no início deste ano, que todos os medicamentos de fornecimento mais seguro sejam consumidos sob supervisão.
Ativistas da redução de danos, no entanto, sustentam que a reação contra um fornecimento mais seguro representa um “pânico moral” e que a política está se sobrepondo à formulação de políticas baseadas em evidências. “Um fornecimento mais seguro salva vidas! Siga a ciência!”, insistem.
É essencial que formuladores de políticas nos Estados Unidos — e também em outros países — analisem com cuidado essas evidências e evitem importar modelos que, apesar de bem-intencionados, podem se basear em fundamentos frágeis e produzir consequências imprevistas.
Adam Zivo é diretor do Centro Canadense para Políticas de Drogas Responsáveis.
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©2025 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês: Why the U.S. Shouldn’t Copy Canada’s Experiment with Free Drugs