Larry Sanger não é apenas um dos fundadores da Wikipédia, a enciclopédia mais usada do mundo. Ele também é um doutor em Filosofia Analítica, uma disciplina que tem a lógica como um dos objetos principais. E, a partir de agora, ele também não se importa em ser chamado de cristão — um cristão recém-convertido após quase cinco décadas de descrença.
A conversão de Sanger foi um processo gradual, mas o anúncio definitivo foi feito por ele neste mês. Em 5 de fevereiro, Sanger publicou em sua página na internet um longo artigo em que detalha sua caminhada do agnosticismo para o Cristianismo. O relato, de 74 mil caracteres, recebeu o seguinte título: “Como um filósofo cético se torna um cristão”.
“Ao longo da minha vida adulta, tenho sido um devoto da racionalidade, do ceticismo metodológico e de um rigor um tanto obstinado e prático (mas sempre com a mente aberta). Tenho um doutorado em filosofia, e a minha formação é em filosofia analítica , um campo dominado por ateus e agnósticos”, Sanger escreve, no início do relato. Ou seja: esta não é uma história de conversão que envolve anjos ou visões místicas. Larry Sanger encontrou Deus quando estudou mais a fundo as justificativas racionais para a existência do Criador.
No artigo, Sanger conta que foi criado numa família cristã, que parou de ir à igreja quando ele estava no começo da adolescência. Ele deixou de acreditar em Deus por volta dos 15 anos. Dali, ele se formou em filosofia antes de fazer um doutorado na mesma disciplina.
Sanger era mais agnóstico que ateu, e mantinha uma certa distância de figuras mais controversas e, na visão dele, pouco propensas a debater o assunto seriamente. “Eu nunca me alinhei com os chamados Novos Ateus da estirpe de (Richard) Dawkins e (Daniel) Dennett. Eu os achava grosseiros e desagradáveis. Eu participei um pouco das discussões online sobre ateísmo e agnosticismo, mas, para minha surpresa, eu me vi discutindo mais sobre metodologia com os ateus do que sobre Deus com os teístas”, explica Sanger.
Do ponto de vista lógico, ele continuava interessado nos argumentos a favor e contra a existência de Deus. Ele não se via conhecido por nenhum deles, mas tinha seu favorito: “Como um descrente, eu sempre pensei que o Argumento do Ajuste Fino talvez fosse o argumento mais forte no arsenal teísta”, ele relembra. A Teoria do Ajuste Fino afirma que a existência de vida inteligente no universo depende de uma infinidade de condições específicas que seriam extremamente improváveis de acontecer de forma aleatória.
Nascimento de filho influenciou guinada
Mas o caminho de Sanger rumo ao Cristianismo também teve elementos pessoais. Ele diz que o casamento e o nascimento do primeiro filho colocaram por terra a filosofia radicalmente individualista pela qual ele tinha simpatia.
A partir dali, Sanger se tornou mais interessado no aspecto moral da existência humana. Até então, ele era um entusiasta da teoria ultra-libertária da autora Ayn Rand.
“Depois desses eventos, eu certamente não poderia mais endossar a noção ridícula de Ayn Rand (olhando em retrospecto) de que podemos de alguma forma justificar nossas obrigações morais para com outras pessoas em termos de nosso próprio interesse”, ele explica, antes de complementar: “Se eu estiver disposto a morrer por minha esposa e meus filhos, eu estaria agindo em meu próprio interesse? Eu sempre acreditei que a moralidade tinha algo a ver com cuidar de outras pessoas”.
Ele também encontrou pelo menos quatro aspectos “das constantes científicas e das leis naturais” que sugerem que, “se eles têm uma causa, então a causa precisa ser espiritual ou do tipo de uma mente” — ou seja, uma natureza semelhante à do Deus da Bíblia.
Em 2019, Sanger começou a ler a Bíblia de forma sistemática, como forma de entender a realidade do mundo espiritual. Com sua formação acadêmica em Filosofia e uma longa experiência lidando com textos complexos, ele não esperava muito. Mas acabou se surpreendendo.
“Quando realmente procurei entendê-la, achei a Bíblia muito mais interessante e — para meu choque e consternação — coerente do que eu esperava. Procurei respostas para todas as minhas perguntas críticas, pensando que talvez outros não tivessem pensado nas questões que eu vi. Eu estava errado. Eles não só pensaram em todas as questões, e mais nas quais eu não tinha pensado, como também tinham posições bem elaboradas sobre elas”, descreve.
Dali, Sanger começou a orar “de forma experimental”. O experimento deu certo.
Juntando diferentes argumentos a favor da existência de Deus, aquilo que encontrou na Bíblia e o ímpeto moral que apontava para um Criador da realidade objetiva, Sanger se converteu. Não foi de um dia para o outro, mas uma jornada cautelosa, em que cada passo foi calculado.
Como bom filósofo analítico, Sanger apresentou uma lista de 64 itens nos quais ele crê. Lá estão os pontos essenciais da fé cristã — incluindo a Trindade, o nascimento virginal de Jesus Cristo, e sua morte e ressurreição, a Bíblia como a “palavra inerrante” de Deus, a existência de uma vida após a morte onde todos serão julgados.
O co-fundador da Wikipédia diz que, agora, ele ainda conhecendo melhor as diferentes tradições cristãs antes de decidir qual igreja frequentar.
Ele também começou a trabalhar em livro intitulado “God Exists: A Philosophical Case for the Christian God” (“Deus Existe: o Argumento Filosófico a Favor do Deus Cristão”).
Outras conversões recentes
Sanger fundou a Wikipédia em 2001 ao lado de Jimmy Wales. Ele deixou o projeto no ano seguinte.
A trajetória espiritual dele não é inédita. É difícil saber se existe uma onda de conversões ao Cristianismo entre intelectuais respeitados. Mas, nos últimos anos, Larry Sanger foi precedido por outras figuras de peso.
Um deles foi o filósofo e autor britânico Philip Goff, que no ano passado tornou pública sua conversão do ateísmo ao Cristianismo (ainda que uma forma peculiar de Cristianismo). Ele afirma ter sido compelido pelos argumentos a favor da existência de Deus.
Em 2023, a escritora Ayaan Hirsi Ali também anunciou sua conversão à religião cristã.
Antes deles, outro filósofo conhecido pela defesa enfática do ateísmo, Antony Flew, passou a acreditar em Deus e escreveu um livro no qual explica ter sido convencido pelas evidências científicas a favor de um criador. A obra foi publicada em 2008 com o nome de “Deus existe”.
O ateu mais famoso do mundo, Richard Dawkins, continua descrente, mas afirmou em 2024 que se considera “culturalmente cristão”.
Dados do “Cooperative Election Study” (Estudo Eleitoral Cooperativo), da Universidade de Harvard, mostram que — pelo menos nos Estados Unidos — pessoas com diploma universitário vão à igreja com mais frequência do que as que têm menos anos de estudo.