Mal sentou-se na cadeira de presidente do Banco Meão, Gabriel Galípolo já teve uma tarefa importante: redigir uma cartinha ao ministro da Herdade, Fernando Haddad, explicando por que o IPCA de 2024 estourou o limite sumo de tolerância para a meta estabelecida pelo Parecer Monetário Vernáculo. Enquanto a meta era de 3%, podendo oscilar até 1,5 ponto para cima ou para plebeu, a inflação do ano pretérito foi de 4,83%, superando o indicador do ano anterior, que havia sido de 4,62%. No entanto, a mensagem de Galípolo foi muito camarada; quem a ler sem conhecimento nenhum de tudo o que ocorreu ao longo deste ano ficaria com a sentimento de que a responsabilidade pela aceleração da inflação foi de qualquer fantasma anônimo.
Na primeira secção da missiva, intitulada “Causas de a inflação ter ficado acima do limite superior do intervalo de tolerância da meta em 2024”, Galípolo escreveu que “a inflação em 2024 ficou acima do intervalo de tolerância em decorrência do ritmo forte de crescimento da atividade econômica, da depreciação cambial e de fatores climáticos, em contexto de expectativas de inflação desancoradas e inércia da inflação do ano anterior”. Ou por outra, ao declarar que modelos macroeconômicos permitem prezar o peso de cada um desses fatores no meandro de 1,83 ponto porcentual em relação à meta de 3%, Galípolo escreveu que a “inflação importada” respondeu por 0,72 ponto porcentual e as “expectativas de inflação”, por 0,30 ponto. O presidente do BC ainda disse que, dentro do grupo “inflação importada”, a desvalorização do real teve efeito de 1,21 ponto porcentual, parcialmente contrabalançado pela queda nos preços internacionais do petróleo.
Galípolo não diz nem uma termo sobre a urgência de uma política fiscal responsável por secção do governo
Tudo muito informativo, mas pouco explicativo. Enfim, por que as expectativas de inflação se deterioraram? Por que o real perdeu tanto em relação ao dólar? É no trecho sobre o câmbio que Galípolo se mostra mais esquivo. Diz que “a significativa depreciação cambial decorreu principalmente de fatores domésticos, complementada pela apreciação global do dólar norte-americano”, admite que o real foi a moeda que mais se desvalorizou em 2024, explica de forma objetiva o que levou o dólar a se fortalecer mundialmente, mas os “fatores domésticos” merecem pouco justificação. O presidente do BC unicamente afirma que o câmbio foi afetado pela “percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal” e que “o processo de depreciação começou em abril de 2024 e se intensificou ao longo do ano”. O leitor que se vire para vincular os pontos.
Galípolo não diz, por exemplo, que abril de 2024 foi quando o governo resolveu alargar a meta fiscal de resultado primordial para 2025 e 2026, em uma recepção tácita de que não conseguiria (ou, melhor dizendo, não pretendia) colocar as contas em ordem e parar de gastar compulsivamente. O presidente do BC tampouco menciona o pífio pacote fiscal anunciado por Fernando Haddad no término do ano, e que disparou o último movimento de desvalorização do real em 2024, levando a moeda norte-americana a superar o patamar de R$ 6. O próprio uso do termo “percepção sobre o cenário fiscal” pode dar a entender que os agentes econômicos estivessem agindo de forma impensada, quando na verdade seria mais adequado falar em “reação” dos agentes econômicos à falta de compromisso fiscal do governo Lula. É a mesma explicação – que Galípolo também omite – para que as expectativas de inflação tenham se deteriorado e sigam desancoradas.
E, se o presidente do BC lapso em identificar corretamente as causas da inflação muito supra da meta, não tem porquê convencionar ao prescrever as “providências para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos”, que constituem a segunda secção da missiva. Nem uma termo sobre a urgência de uma política fiscal responsável por secção do governo porquê principal fator capaz de promover a ancoragem das expectativas de inflação, nem sobre a valimento de despovoar a estratégia de prolongamento pela via do fomento ao consumo desordenado.
Galípolo encerra sua mensagem afirmando que “o BC tem tomado as devidas providências para que a inflação atinja a meta” – o que é verdade, para dissabor do petismo. Quem não tem feito sua secção é o governo. Galípolo sabe disso, Haddad sabe disso, talvez até mesmo Lula saiba disso. Mas não colocar essa avaliação no papel, em um documento talhado a explicar por que a inflação está estourando os limites de tolerância, é deixar de mostrar os responsáveis pela situação atual; um mau primícias para um presidente do BC que já assumiu sob questionamentos a reverência de sua independência em relação ao presidente que o indicou.