Os ex-comandantes do Exército, general Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Baptista Júnior, deram versões diferentes ao Supremo Tribunal Federal sobre como teriam comunicado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que os militares não adeririam a uma possível tentativa de interferir no resultado das eleições de 2022.
Baptista Júnior disse em depoimento nesta quarta-feira (21) que ele e o então comandante do Exército, Freire Gomes, disseram a Bolsonaro, em uma reunião em 14 de novembro de 2022, que não concordavam com o estabelecimento de uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem ou um decreto de estado de sítio ou de defesa para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência.
O então comandante da Aeronáutica disse que Freire Gomes teria dito a Bolsonaro: “Se o sr. fizer isso, terei que te prender”. Freire Gomes disse em depoimento na segunda-feira (19), por sua vez, que não deu voz de prisão a Bolsonaro, mas que o alertou que o Exército não iria tomar qualquer medida para interferir no resultado da eleição. Ele disse que Bolsonaro “concordou” quando ouviu o alerta.
Em suas manifestações sobre o caso, Bolsonaro admitiu que conversou, na época, sobre medidas constitucionais que poderia adotar – a GLO, o estado de defesa ou de sítio são previstos na Constituição. Por isso, não haveria golpe de Estado.
Na defesa apresentada ao STF após a denúncia, os advogados de Bolsonaro ressaltaram que ele não assinou nenhum decreto para rever o resultado das eleições, tampouco para prender ou executar autoridades.
“Nunca praticou e nem determinou que fosse praticada qualquer violência. E jamais tentou impedir ou restringir o exercício dos demais Poderes. Pois, no fim do dia e da História, o Peticionário (Bolsonaro) é aquele que não assinou nenhum decreto e não ordenou qualquer ação violenta para restringir ou impedir o exercício de um poder, bem como não tentou depor o governo constituído depois dele”, diz a defesa.
Alto Comando se posicionou contra intervenção antes de reunião em que Bolsonaro foi alertado sobre prisão
A reunião do dia 14 de dezembro entre Bolsonaro, os comandantes das Forças Armadas e o ministro da Defesa, relatada nas sessões desta semana no julgamento do suposto golpe de estado, foi o desfecho de uma decisão dos militares de não intervir.
O debate havia começado em de fato em julho de 2022. Segundo a Procuradoria-Geral da República, em uma reunião fechada com ministros, Bolsonaro pediu que seus subordinados apurassem possíveis falhas ou questionamentos sobre as urnas eletrônicas, prevendo que a eleição seria fraudada.
Membros das Forças Armadas foram incumbidos de analisar vulnerabilidades das urnas e produziram um relatório que concluiu que, embora não houvesse indícios concretos de fraude, não se poderia descartar a possibilidade das urnas serem violadas.
Uma série de reuniões aconteceram envolvendo Bolsonaro, seus assessores e membros das Forças Armadas sobre a possibilidade do uso do artigo 142 da Constituição para o reestabelecimento da ordem institucional do país por meio de intervenção das Forças Armadas.
Uma fonte do Exército familiarizada com as discussões disse à reportagem que o núcleo político de Bolsonaro não colocava claramente a possibilidade de golpe, mas o assunto era apresentado de forma de forma especulativa para testar o posicionamento dos militares.
A reportagem apurou que o assunto foi então debatido no Alto Comando do Exército formado por um colegiado de 17 generais. Quatro deles se manifestaram de forma favorável e quatro foram contrários. Os demais não se manifestaram abertamente e não houve uma votação. O então comandante Freire Gomes também foi contrário. A maioria dos comandantes de tropa então contiveram os ânimos nos quartéis.
Segundo a fonte ouvida pela reportagem, o posicionamento resultante de que o Exército não estava disposto a intervir teria sido levado ao conhecimento do núcleo político mesmo antes das eleições.
Segundo o depoimento de Baptista Gomes, mesmo assim Bolsonaro se reuniu com comandantes das Forças Armadas pelo menos cinco vezes em novembro, nos dias nos dias 1, 2, 14, 22 e 24 daquele mês.
O brigadeiro afirmou ter entendido inicialmente que o objetivo dessas reuniões era promover a “paz social”. Isso porque havia risco de uma “convulsão social”, devido a protestos que começavam a ocorrer em frente a quartéis militares e também pelo risco de ocorrer uma paralisação geral de caminhoneiros nas rodovias.
“Estávamos entendendo que a sociedade, que o povo estava rachado ao meio, radicalizado, e trabalhamos com hipótese de acirramento. Nosso medo era de ser necessário uma GLO, com base no artigo 142 da Constituição, por iniciativa de um dos poderes, de forma pontual, para resolver o problema. Essa era a hipótese que os comandantes avaliavam”, contou o brigadeiro ao STF.
Na reunião do dia 1º de novembro, segundo ele, um dos assuntos tratados foi a fiscalização das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas. Nesse encontro, segundo Baptista Júnior, o ex-presidente foi informado que os militares não haviam encontrado qualquer fraude na votação.
O então comandante da Aeronáutica disse que entre os encontros dos dias 11 e 14 de novembro começou a desconfiar que o objetivo da Operação de Garantia da Lei e da Ordem não seria lidar com uma desordem social, mas sim impedir a posse de Lula.
A reportagem apurou que a maioria dos generais do Alto Comando do Exército começou a ver as manifestações em frente aos quartéis e próximo da casa do comandante como uma forma de pressão e se aferraram ainda mais à decisão de não intervir.
Ainda segundo o depoimento de Baptista, no dia 14 de novembro, o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, apresentou um documento para que os comandantes analisassem. Nesse momento, Baptista Júnior teria perguntado a Paulo Sérgio Nogueira se o documento previa “a não assunção do presidente eleito”. O ministro da Defesa, segundo seu relato, teria ficado calado, consentindo. “’Não admito sequer receber esse documento, não fico aqui’. Levantei e fui embora”, relatou Baptista Júnior.
O documento seria a minuta de decreto para intervenção militar no TSE, o mesmo documento encontrado pela Polícia Federal com o ex-ministro da Justiça Anderson Torres em 2023. Bolsonaro negou a existência de uma “minuta do golpe”.
“Não existe golpe com respaldo jurídico. Golpe é pé na porta e arma na cara, meu Deus do céu. Golpe tem que depor alguém. (Artigo) 142, GLO, tudo isso são remédios previstos na Constituição. (…) Golpe não tem papel, tem fuzil. Dá pra entender isso?”, disse em fevereiro de 2023.
O então comandante do Exército, Freire Gomes, disse em depoimento na segunda-feira (19) que Bolsonaro não deu qualquer orientação aos comandantes sobre medidas a serem tomadas.
“Foi apresentado um documento, em que foi lido alguns ‘considerandos’ e que remetiam a possível GLO (operação de garantia da lei e da ordem), estado de defesa ou de sítio, mas muito superficial. Não estava o Batista Júnior (ex-comandante da Aeronáutica). Apresentou apenas como informação, apenas para que soubéssemos e que estava desenvolvendo estudo. Não nos deu qualquer orientação”, afirmou.
Freire Gomes disse ainda que todos os “considerandos” – parte inicial em que um ato normativo apresenta justificativas – eram “embasados em aspectos jurídicos, embasados na Constituição”. “Não nos chamou a atenção. Como estava sendo estudado, aguardamos outra manifestação do sr. presidente”, narrou.
Foi nesse momento em que Freire Gomes disse ter feito o alerta de que o presidente considerasse os “aspectos jurídicos” do decreto para não ser “implicado juridicamente”. Freire Gomes tria dito então a Bolsonaro que os militares não iriam aderir a uma iniciativa de revisão das eleições e que o ex-presidente “concordou”.