As eleições municipais deste ano aceleraram a tendência de reconfiguração da polarização nacional entre o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com as urnas fortalecendo a direita, isolando mais a esquerda e ampliando ainda mais os espaços para o centro e a centro-direita.
Esse arranjo emergido das urnas colocou partidos como PSD, MDB e União Brasil em posições de destaque para negociações políticas voltadas para as eleições presidenciais de 2026, exigindo que tanto Lula quanto Bolsonaro ajustem suas estratégias levando mais em conta os partidos do Centrão.
A julgar pelos resultados de primeiro e segundo turnos das corridas municipais, as próximas disputas eleitorais deverão não depender exclusivamente do peso e da decisão dos dois grandes rivais nacionais, Lula e Bolsonaro. Segundo analistas, outros fatores deverão induzir mais ações para acordos amplos, moderação contra extremos e favorecimento de líderes emergentes, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Para Antônio Flávio Testa, professor de ciências políticas, a tendência no plano nacional continua sendo de polarização entre esquerda e direita, com a diferença de que ambos os lados vão buscar parceria com partidos centristas para garantir a vitória. “PSD, PP e MDB darão o tom da sucessão presidencial”, prevê. Ele lembra que o presidente do PSD, Gilberto Kassab, hoje joga com Lula, “mas é figura volátil, fica com quem pode ganhar”.
Para o especialista, embora a centro-direita tenha crescido muito, terá que se unir em torno de “uma chapa forte que represente tanto quem produz e paga impostos quanto os dependentes de programas sociais”. A seu ver, se a direita se unir e lançar um candidato competitivo com alianças fortes no Nordeste, pode vencer Lula.
Testa acredita que a piora na avaliação popular do governo ao longo de mais dois anos deverá reduzir a competitividade da candidatura do atual presidente. Ele não descarta o lançamento de uma chapa de centro apoiada por PSD, Republicanos e União Brasil.
Modelo de Kassab, baseado em arco de alianças ampliado, mostra força com SP
Confira:
- 1 Modelo de Kassab, baseado em arco de alianças ampliado, mostra força com SP
- 2 Bolsonaro mostrou força para impulsionar o PL, mas limites para ampliar votações
- 3 Nas nove disputas de segundo turno, Bolsonaro colheu apenas duas vitórias
- 4 Liderança de Bolsonaro na direita é testada em embates com PP e União
- 5 PSD saiu das urnas como partido com mais prefeituras seguido pelo MDB
- 6 Para analista, eleições levaram partidos de centro a se aproximarem da direita
Ricardo Nunes (MDB), prefeito reeleito de São Paulo, sintetizou o recado das urnas para o Brasil ao afirmar que “o equilíbrio venceu todos os extremos”. Ele também fez questão de enaltecer a figura de Tarcísio de Freitas como seu “líder maior”, deixando Bolsonaro em segundo plano. Nunes foi apoiado não só pelo governador, mas também pelo PSD, de Gilberto Kassab, que se revelou como o partido de resultados mais positivos nas eleições municipais.
O adversário de Nunes, Guilherme Boulos (PSol), reconheceu derrota generalizada da esquerda nos pleitos de 2024 e pediu diálogo com a população. Durante a campanha do segundo turno, ele iniciou esforço ignorado pelo PT para entender o “novo trabalhador”, como o vinculado a serviços por aplicativos – que quer menos regulação do Estado para empreendedores e não proteção das leis trabalhistas.
Boulos reconheceu o “resultado eleitoral adverso” para a esquerda “não só em São Paulo, mas em todo o Brasil”. Ainda assim, o deputado tentou manter o engajamento da militância: “nessa campanha, a gente recuperou a dignidade da esquerda brasileira. É apenas o começo. O futuro é nosso”.
Bolsonaro mostrou força para impulsionar o PL, mas limites para ampliar votações
Apesar de o seu partido ter crescimento destacado nos pleitos municipais de 2024, obtendo a liderança em volume de votos no primeiro turno, com mais de 17 milhões, e ao menos 4,3 milhões no segundo turno, Bolsonaro evidenciou seus limites para transferir votos, revelando a necessidade de composições com outras legendas. Este fenômeno já apontado por dirigentes do PL se somou ainda ao fato de a direita ter se expandido também graças ao dinamismo e à independência de novos líderes.
Em óbvio contraste, a esquerda segue muito centrada em Lula, mostrando-se limitada e presa a leituras distorcidas dos anseios do eleitorado, o que limita o avanço do campo progressista e a aproxima do isolamento político, com reveses importantes em redutos históricos do Nordeste e em Porto Alegre para candidatos apoiados por Bolsonaro.
A máquina de poder também mostrou papel relevante, com governadores sendo bem-sucedidos como cabos eleitorais e prefeitos em busca de reeleição vencendo. Analistas destacam que legendas de centro e centro-direita na base do governo podem ser atraídas para alinhamento à direita. Para Lula e o PT, a profunda reavaliação do cenário político e de sua própria plataforma torna-se cada vez mais premente para garantir a sobrevivência política.
Nas nove disputas de segundo turno, Bolsonaro colheu apenas duas vitórias
Apesar de Bolsonaro ter visto muitos de seus candidatos serem derrotados no segundo turno, obteve vitórias valiosas e terá de lidar com a “doutrina” do presidente do PSD, Gilberto Kassab, aplicada na campanha de Nunes e pela gestão do governador Tarcísio de Freitas.
O modelo de Kassab consolida buscas por amplo apoio do centro e centro-direita, a exemplo da articulação vitoriosa na capital paulista. Mesmo apoiado por Bolsonaro, Nunes creditou a vitória a Tarcísio, a quem chamou de “líder maior”, destacando o governador como aliado fiel e dedicado.
Bolsonaro venceu com os apoiados Ricardo Nunes (MDB), em São Paulo; Sebastião Melo (MDB), em Porto Alegre; Abilio Brunini (PL), em Cuiabá; Emilia Correia (PL), em Aracaju. E perdeu com Marcelo Queiroga (PL), em João Pessoa; Cristina Graeml (PMB), em Curitiba; Delegado Eder Mauro (PL), em Belém; Janad Valcari (PL), em Palmas; Fred Rodrigues (PL), em Goiânia; Bruno Engler (PL), em Belo Horizonte; e André Fernandes (PL), em Fortaleza.
O PL chegou ao segundo turno disputando nove capitais, mas acabou perdendo em sete. Venceu em Aracaju, com Emília Corrêa batendo Luiz Roberto (PDT), e em Cuiabá (MT), com o deputado Abílio Brunini superando Lúdio Cabral (PT). O partido levou Maceió e Rio Branco no primeiro turno.
O União Brasil venceu em Goiânia e Natal e o PT, com desempenho fraco, garantiu apenas Fortaleza com Evandro Leitão, retornando ao controle de uma capital após quatro anos e configurando o seu segundo pior desempenho em capitais desde 1980, superado só pelas eleições de 2020.
Liderança de Bolsonaro na direita é testada em embates com PP e União
Uma prova de maior independência do campo conservador da figura de Bolsonaro veio das articulações conduzidas pelo presidente nacional do PP, senador Ciro Nogueira (PI). Ele considerou um erro do ex-presidente não ter apoiado Adriane Lopes (PP), prefeita reeleita de Campo Grande, com empenho da ex-ministra da Agricultura e senadora Tereza Cristina (PP).
Outra vitória importante do PP se deu em João Pessoa, com Cícero Lucena, que venceu no segundo turno o ex-ministro da saúde Marcelo Queiroga (PL). Ciro aposta na retomada da elegibilidade por Bolsonaro, para que possa ser candidato à Presidência em 2026, mas sinaliza colocar o nome de Teresa como opção, caso o ex-presidente continue impedido. Ciro foi ministro da Casa Civil e homem de confiança de Jair Bolsonaro, responsável pela articulação política do ex-presidente durante o mandato dele.
No embate do segundo turno em Goiás entre o governador Ronaldo Caiado (União Brasil) e o ex-presidente, o primeiro levou a melhor. Eles apoiaram candidatos rivais nos maiores municípios. Em Goiânia, Sandro Mabel (União Brasil), escalado por Caiado, venceu Fred Rodrigues (PL), apadrinhado de Bolsonaro.
Durante a campanha em Goiás, Bolsonaro e Caiado trocaram ataques diretos. O governador buscou reafirmar o domínio político no estado para alcançar projeção nacional e disputar a Presidência em 2026. O ex-presidente busca, por sua vez, manter o cacife de maior expoente da direita.
PSD saiu das urnas como partido com mais prefeituras seguido pelo MDB
Nas eleições municipais de 2024, o PSD confirmou sua força ao eleger 887 prefeitos, liderando a lista dos nove mais bem colocados. Em segundo lugar, o MDB manteve a tradição de influência regional, elegendo 853. O PP aparece em seguida, com 747, reforçando sua presença no interior do país.
O União Brasil, com 583 prefeituras conquistadas, assegurou a quarta posição, seguido pelo PL, que garantiu 516, alcançando o posto de quinto maior partido em número de administrações locais. Os Republicanos vêm atrás, com 435, mostrando também crescimento significativo no pleito de 2024.
O PSB, tradicionalmente mais alinhado à esquerda, elegeu 309 prefeitos, enquanto o PSDB, que vem enfrentando desafios para manter a relevância, conquistou 273 prefeituras. Fechando a lista, o PT elegeu 252 prefeitos, seu segundo pior desempenho histórico, apesar de governar o país com Lula.
Para analista, eleições levaram partidos de centro a se aproximarem da direita
Para o cientista político Leonardo Barreto, da Think Policy, o PT teve um desempenho fraco nas eleições, mas vislumbra um caminho. O partido deve reduzir sua “Lulodependência” e apostar em alianças com o centro e no recrutamento de novas lideranças, priorizando qualificação ao invés de fidelidade ideológica.
“Embora Lula tenha apoiado candidatos em 26 cidades e vencido apenas em quatro, o resultado expõe a necessidade de o presidente focar no legado de seu governo até 2026 e na preparação de sua sucessão, fortalecendo o partido para o futuro”, disse.
Bolsonaro, por sua vez, acrescenta o especialista, teve um resultado ambíguo. O PL, seu partido, expandiu do controle de duas para 16 cidades entre os maiores centros urbanos, um feito incomum para um partido de oposição. “Esse sucesso pode indicar que Bolsonaro seja mais eficaz como influenciador eleitoral do que como líder absoluto”, sublinha.
Barreto acredita que, caso insista em comandar diretamente, o ex-presidente pode enfrentar resistência, já que o centro deseja apoio dos eleitores de direita, mas sem seguir a liderança dele. “A vitória dos partidos de centro parece reduzir a polarização, mas os pólos ideológicos continuam fortes. Mesmo partidos de centro como o Republicanos têm inclinação conservadora”, disse.