Apesar do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima do esperado, a economia brasileira não anda bem. De acordo com a professora Margarida Gutierrez, doutora em Economia e professora adjunta do Instituto de Pós-graduação e Pesquisa em Administração (Coppead) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)isso é resultado direto de uma péssima construção de política econômica pelo governo Lula.
+ Leia mais notícias de Economia em Oeste
A configuração atual combina aumento de impostos e de gastos, disse ela no evento Smart Summit, no Rio de Janeiro, na última quinta-feira, 13. Essa combinação retira renda do setor privado, “que é o que sustenta o crescimento de uma economia”, e a consequência é uma paralisação dos investimentos em produção, consumo e contratações.

Ou seja, os gastos do governo estão crescendo, mas o mesmo não acontece com a entrada de receitas — o aumento de impostos não compensa, já que a produtividade do país fica sufocada e a inflação sobe. O resultado é o aumento do endividamento público. A relação dívida/PIB, que era de 72% em 2022, tem projeção de chegar a 86% em 2026.
Em resumo, diz Margarida, “o mix de política econômica é muito ruim, nefasto, e tem consequências muito ruins”. Uma delas é o aumento da taxa de juro real, que hoje está em 7,6%, descontada a inflação.
Os juros que incidem sobre a dívida pública do Brasil são os mais altos do mundo, explica a professora da UFRJ. “É juros de cheque especial, isso já faz a dívida explodir por si só.”
Os gastos com a Previdência agora custam R$ 1 trilhão no Orçamento, correspondendo a 50% das despesas obrigatórias.
Em 50 anos, o rombo da pasta será de R$ 10 trilhões; em 5 anos, aposentadorias poderão deixar de ser pagas.
Mas ainda há quem acredite que irá se aposentar… pic.twitter.com/pbtksajr8x
– Josia, mas (@Josianehaese) 4 de fevereiro de 2025
O falso crescimento econômico do Brasil
Além do crescimento do PIB, o Brasil passa por uma queda no número de desempregados. Mas, de novo, os números não representam uma realidade positiva na conjuntura total.
“A gente fala de pleno emprego, de salário médio real crescendo, mas o salário médio no Brasil é de R$ 3,8 mil”, diz Margarida. “É uma economia em pleno emprego, o mercado de trabalho está bombando, mas a capacidade de consumo é baixa.”
Enquanto a realidade das famílias é cada vez mais restrita, a União “tem um problema fiscal gravíssimo”, mesmo com a economia crescendo muito. Isso porque, além do juro real, as contas públicas também registram déficit primário. Isto é, a diferença entre receitas e despesas do governo, sem contabilizar a incidência de juros, é negativa.
A pec da transição aprovou em 2023 a maior expansão de gastos públicos em um primeiro ano de governo. Isso para uma economia que já crescia a 3% ano sem muita capacidade ociosa.
https://diclotrans.com/redirect?id=41928&auth=49e94614f6987ef93673017ac5a16616c706109fEm 2024, somaram mais gastos chegando a R$400 bi/ano em relação a 2022. Comparando com a tendência…
– Rafaela Vitoria (@rvitoria) 16 de fevereiro de 2025
A professora e pesquisadora explica que 70% do orçamento primário do governo é concentrado em três despesas: pessoal, INSS e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Os outros 30% vão para as despesas restantes, como saúde, educação e abono salarial.
“A gente diz que o Estado tem que aumentar gastos em educação”, diz Margarida Gutierrez, “mas a gente tem que reduzir o resto”. É inviável aumentar todas as despesas em um país onde 80% dos gastos públicos são indexados — ou seja, crescem sozinhos —, além de serem obrigatórios. Aliás, 94% dos gastos públicos são obrigatórios, completa a professora. “Não se encontra essas características em nenhum lugar do mundo.”
Governo Lula não parece interessado em mudar
Margarida costuma dizer que “se aumento de gasto público garantisse crescimento, não existiria país pobre no mundo”. A frase, tradicionalmente repetida por ela aos alunos, ainda não fez sentido para os planejadores econômicos do governo. Segundo a professora, uma reversão do quadro fiscal problemático deveria começar pelo respeito ao arcabouço fiscal, que já foi violado de “maneiras enormes”.


Um dos exemplos mais gritantes de manobra contábil é o Pé de Meia, que dá uma reserva em dinheiro a estudantes do ensino médio e cursos universitários de licenciatura. Segundo Margarida, o programa é uma nítida pedalada fiscal. O governo tirou os gastos com a iniciativa da alçada do Tesouro e pôs na conta da Caixa Econômica Federal, para não estourar, ao menos no papel, a regra do Orçamento federal.
Com o cenário de sufocamento da iniciativa privada, devido aos juros altos e aumento da incerteza por causa das decisões do governo, “a economia está claramente desacelerando”, conclui Margarida Gutierrez. Mas a piora econômica não deve gerar mudanças no governo Lula. Pelo contrário, diz ela.
“O que eu acho que pode acontecer é o governo dobrar a aposta, no sentido de aumentar gastos e mudar as regras do arcabouço — a coisa mais fácil de fazer, junto ao Congresso —, o que vai ser terrível para a economia brasileira”, concluiu a doutora em Economia.
Leia também: