As eleições municipais de 2024 deixam como seu principal legado o prenúncio de um embate nacional entre dois grupos políticos: de um lado, a direita contrária ao status quo e “antissistema”; do outro, as forças institucionais do Centrão, que consolidam seu poder por meio do fisiologismo e de alianças.
O conflito foi um dos principais marcos do pleito, que mostrou que a força da máquina pública ainda é grande, mas que as candidaturas “antissistema” têm potencial para incomodar os partidos do Centrão.
“O Brasil entendeu que a gente precisa de novas lideranças, e que qualquer um de nós que se preste a se colocar a serviço da sua cidade, do seu estado ou do seu país tem espaço. A gente passa por batalhas muito difíceis. A máquina do estado, do poder econômico, do poder político é acachapante, mas não é intransponível”, afirmou Cristina Graeml (PMB), um dos principais nomes antiestablishment das eleições deste ano, após ser derrotada por Eduardo Pimentel (PSD) no segundo turno da disputa pela Prefeitura de Curitiba.
A maioria dos resultados nas grandes cidades confirmou a força de partidos mais vinculados ao sistema, como o PSD e o MDB. Mesmo em alguns locais onde candidatos apoiados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) conseguiram vencer, a direita dificilmente pôde prescindir de alianças com o centro para obter o resultado positivo.
Isso ficou especialmente claro em São Paulo, onde o discurso antissistema de Pablo Marçal (PRTB) criou uma onda forte, mas não conseguiu levá-lo ao segundo turno. Também ficou demonstrado em Belo Horizonte, onde Bruno Engler (PL), apoiado por nomes importantes da direita, não conseguiu derrotar o centrista Fuad Noman (PSD), e também em Goiânia, onde o novato e fenômeno direitista Fred Rodrigues (PL) perdeu para Sandro Mabel (União), representante da velha política.
O cientista político Antonio Flávio Testa avalia que as candidaturas antissistema, embora tenham forte popularidade entre uma parcela grande do eleitorado, têm limites claros quando disputam cargos majoritários, por causa da força da máquina pública. A tendência que fica mais clara nas eleições municipais, para ele, “é a vitória do sistema e a consolidação do poder do Centrão”.
“Candidatos antissistema não têm futuro, porque a máquina partidária e os governos municipais, estaduais e federal é que controlam os recursos para bancar os aliados, para fazer as obras que os prefeitos precisam fazer para cumprir os compromissos de campanha. Então, o que resta para esses personagens [antissistema] é manter o mandato parlamentar”, opina.
Eleições mostraram que o mercado está aberto para novas figuras antissistema, diz analista
Um ponto emblemático do fortalecimento do Centrão foi a aproximação de Bolsonaro com os partidos que o compõem, especialmente em São Paulo, onde ele apoiou a candidatura de Ricardo Nunes, do MDB, em vez de buscar nomes da direita.
O cientista político Leonardo Barreto observa que esse movimento abriu espaço para que figuras como Marçal se identificassem como antissistema e ganhassem projeção.
“Ao caminhar para o centro, ele abriu um espaço na direita, e esse espaço foi ocupado pelo Pablo Marçal”, diz. “Hoje, a direita é um mercado muito dinâmico. Ao contrário da esquerda, que tem uma fadiga de material, no lado da direita, o mercado de oferta está pulsante, não existe ninguém que domine. Aliás, o Bolsonaro descobriu isso. Embora ele mantenha uma influência muito forte – e o desempenho do PL nas grandes cidades atesta exatamente isso –, ele não domina”, acrescenta.
Para Barreto, Bolsonaro “abriu um flanco para que os votos antissistema fossem para outro candidato”. Por outro lado, diz ele, “embora [o eleitorado antissistema] seja um eleitorado importante, a gente está falando de cerca de 30% no caso de São Paulo de 40% no caso de Curitiba”. “É um eleitorado que não tem força para ganhar a eleição majoritária. Então, é uma franja do universo ideológico que deve fazer muito sucesso para o Legislativo”, destaca.
Para as eleições majoritárias, Barreto acredita que o eleitorado antissistema tem um teto, “e a existência desse teto inclusive é o que justifica o Bolsonaro ir para o centro”. “E esse é o desafio que está lançado para o Bolsonaro [para as eleições de 2026], de ele achar o ajuste fino, sabendo que, com essa caminhada para o centro, ele tende sempre a perder alguma coisa de eleitores. Mas ele não tem outra opção se quiser se constituir como uma candidatura viável, competitiva, seja com ele como titular da chapa, seja com alguém apoiado por ele”, afirma.
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