Se juntar todo o salário que recebe no ano, um deputado estadual de New Hampshire conseguirá comprar uma TV de 24 polegadas de uma marca pouco confiável. E zero mais.
Cada um dos legisladores do estado, no nordeste americano, ganha exatos US$ 100 (pouco mais de R$ 600) anuais.
Nos Estados Unidos, ser deputado estadual não é necessariamente um trabalho em tempo integral. Em muitos estados, os parlamentares se reúnem dois ou três meses por ano. Ou nem isso.
New Hampshire é um caso extremo. Mas há muitos estados em que os deputados estaduais ganham valores baixos — proporcionais aos dias trabalhados.
Salário de parlamentares maranhenses dá inveja aos do Texas
Confira:
Mesmo com a subida do dólar, um deputado estadual do Maranhão recebe mais que um deputado estadual do Texas. Dez vezes mais, para ser exato.
O salário dos deputados maranhenses é de R$33.448 por mês. Incluído o décimo-terceiro, e feita a conversão cambial, o vencimento anual é equivalente a US$ 72 milénio.
Já os deputados estaduais texanos recebem US$ 7.200 fixos por ano, mais um per diem de US$ 221 por dia trabalhado para arcar com despesas de transporte, sustento e hospedagem. Mas isso só costuma suceder a cada dois anos.
Sim, a tertúlia estadual do Texas, um estado com uma economia maior que a do Canadá, o território maior que o da França e a população três vezes a da Suécia, só se reúne em anos pares. Ou seja: o calendário está vazio para 2025. E, mesmo nos anos pares, o período regular de atividades não pode ultrapassar 140 dias (geralmente, de janeiro a maio).
Assim uma vez que em outros estados, o governador do Texas pode convocar o legislativo de forma sensacional se houver qualquer tema urgente a tratar. Caso isso não aconteça, os deputados estaduais seguem dedicados aos empregos que mantêm fora da política.
Razões históricas
Nos primeiros anos de sua existência uma vez que país independente, os Estados Unidos não tinham presidente da República e nem um Congresso que se reunisse em tempo integral. A evolução para um protótipo profissional, com parlamentares atuando em tempo integral, só se completou na metade do século 20.
No projecto estadual, nem todas as partes dos Estados Unidos seguiram a tendência do Congresso. As sessões legislativas de duração limitada ajudam a reduzir custos e permite que os parlamentares estejam perto dos seus eleitores durante a maior secção do ano.
Victor Missiato, professor de História na Universidade Presbiteriana Mackenzie, diz que o sistema tem razões históricas. “O federalismo americano promove uma autonomia local muito forte. Isso faz com que a necessidade de um político ativo toda a semana definindo regras, leis, e políticas públicas não seja tão grande quanto no Brasil”, analisa.
“Para o Brasil se inspirar em um modelo americano de política regional, é fundamental que o nosso federalismo consiga trazer de fato autonomia para essas regiões”, diz Missiato. Ele lembra que a legado do coronelismo atrela os poderes municipais aos estados, e os estados à União. Consequentemente, seria difícil adotar o protótipo americano — que, para ele, “é muito funcional”.
Verificação exige cautela
Observador político e professor da Universidade Federalista de Minas Gerais (UFMG), Carlos Ranulfo Melo acredita que o Brasil não deve simplesmente reproduzir um protótipo que, na visão dele, tem pós e contras. “Nos Estados Unidos os estados têm Senado, o que é totalmente disfuncional”, ele lembra.
Os senadores estaduais, que atuam para simbolizar seus condados, geralmente estão sujeitos ao mesmo calendário (e mesmo salário) dos deputados estaduais. Somente o Estado de Nebraska (onde o salário é de US$ 12 milénio por ano) tem um legislativo unicameral.
Ranulfo diz que, se a prioridade for poupar, a prioridade deve ser as verbas indenizatórias — que costumam ser mais caras que o próprio salário. “O que poderia melhorar é o controle e transparência, especialmente sobre as verbas indenizatórias”, analisa o observador político.
Vereadores custam bilhões
No Brasil, os deputados estaduais podem receber até 75% do salário do deputado federalista — ou seja, R$ 34.774.
Já o salário dos vereadores varia de combinação com o tamanho da cidade. O teto para municípios com menos de 10 milénio habitantes é de R$6.601. Nas capitais, o valor supremo é de 75% do salário dos deputados estaduais — R$ 24.754.
A remuneração dos vereadores (obrigatória por lei) é outra diferença entre Brasil e Estados Unidos.
Em boa secção das municipalidades americanas, os vereadores não são remunerados ou têm somente salários simbólicos.
No Brasil, para o professor Missato, eventuais mudanças na forma de funcionamento do Legislativo deveriam ter início pelas Câmaras Municipais. “Eu vejo que é fundamental começar por uma transformação na figura do vereador. O problema é que nós ainda temos, em vários lugares, uma lógica muito patrimonialista”, diz.
Já Robson Roble, rabino em Ciência Política e pesquisador da Universidade de Brasília, acredita que a adoção desse protótipo no Brasil seria problemática.“Isso faria com que o interesse pelo cargo, que já não é tão grande, diminuísse, ou despertaria ainda mais interesses não republicanos no exercício do cargo, no intuito de se obter algum tipo de ‘remuneração’ extra-oficial”, ele opina.
O professor Carlos Ranulfo Melo, por sua vez, afirma que mudanças no protótipo de vereadores ou deputados estaduais têm chance nula de passar pelo Congresso Pátrio.
“Tudo isso dependeria de mudanças na Constituição, e esbarraria no fato de que exigiria um quórum alto no Congresso e os deputados não vão mexer com suas bases. Afinal de conta, os vereadores são cabos eleitorais de luxo”, diz.
O Brasil tem 60.311 vereadores — todos eles remunerados. Somente no Estado de São Paulo, as 644 Câmaras Municipais custaram R$ 3,7 bilhões em 2023.