O depoimento do ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira (21), apresentou um relato mais grave sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no caso da suposta tentativa de golpe em 2022, do que a versão narrada na segunda-feira (19) perante a Corte pelo ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes.
A diferença na reconstituição dos encontros de Bolsonaro com os chefes militares não se limitou ao relato sobre a ameaça de prisão que Freire Gomes teria feito ao ex-presidente. Em seu depoimento, Baptista Júnior realçou, de forma mais clara, que Bolsonaro pretendia impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Os depoimentos fazem parte do processo criminal já aberto contra Bolsonaro e mais sete réus acusados de tentativa de golpe em 2022. Freire Gomes e Baptista Júnior foram chamados a depor, sob o compromisso de dizer a verdade, pela Procuradoria-Geral da República (PGR), órgão que fez a denúncia e fala pela acusação.
“Comecei a achar que o objetivo era para não haver assunção do presidente eleito”, disse Baptista Júnior, referindo-se a várias reuniões de Bolsonaro com os comandantes em novembro de 2022. Nessas ocasiões, o ex-presidente convocava os chefes militares para “análises de conjuntura” e os consultava sobre a possibilidade de decretar uma operação de garantia da lei e da ordem (GLO).
Em geral, GLOs são decretadas para empregar militares em ações de segurança pública em determinada localidade, em casos de distúrbios sociais. Para Baptista Júnior, Bolsonaro queria usar o instrumento, ou medidas mais drásticas, como um estado de sítio ou de defesa, para interferir no resultado da eleição presidencial.
As investigações do caso descobriram uma minuta de decreto para impor uma intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com o objetivo de rever o resultado da disputa presidencial e realizar uma nova eleição.
“A GLO que nós trabalhávamos era para o caso de convulsão social no Brasil. Não estávamos trabalhando com GLO para qualquer outro objetivo que não esse. Falei com presidente Bolsonaro ‘aconteça o que acontecer, no dia 1º de janeiro, o senhor não será presidente. A GLO que estávamos falando, era para problema em alguma cidade, algum estado, alguma convulsão social”, disse Baptista Júnior no STF.
“Em momento algum o presidente Bolsonaro colocou que estava objetivando um golpe de Estado. Mas nas discussões, no dia 11 ao dia 14 de novembro, começamos a imaginar que os objetivos políticos de estado de exceção não eram para garantir a paz social no dia 1º de janeiro”, afirmou ainda o ex-comandante da Aeronáutica.
Antes, o brigadeiro confirmou que, numa das reuniões, Freire Gomes advertiu Bolsonaro que ele poderia ser preso se usasse uma GLO, estado de defesa ou sítio, para impedir a posse de Lula. Em depoimento, o comandante do Exército negou que tivesse dado voz de prisão a Bolsonaro, mas contou que, de fato, fez esse alerta.
Freire Gomes disse que Bolsonaro concordou ao ser advertido
A suposta disposição do ex-presidente para obstruir a sucessão presidencial não ficou evidente no depoimento de Freire Gomes. Ao contrário. Ao ser interrogado no Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-comandante do Exército disse, ao menos duas vezes, que Bolsonaro “concordou” quando ele teria lhe dito, numa reunião, que a corporação não adotaria qualquer medida para interferir no resultado da eleição.
Freire Gomes afirmou que disse a Bolsonaro para considerar os “aspectos jurídicos” de um decreto de GLO, defesa ou sítio, para não ser “implicado juridicamente”. “Se ele saísse desses aspectos jurídicos, além de não contar com nosso apoio, poderia ser implicado. Ele concordou e não falou mais nada”, relatou o general no STF.
Indagado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, sobre foi como esse diálogo, Freire Gomes contou que disse a Bolsonaro que os militares não iriam aderir a uma iniciativa de revisão das eleições; repetiu que o ex-presidente “concordou”.
“O principal aspecto é que aquilo que competiria as Forças Armadas, não víamos como participar disso. Ele deveria atentar para todos os aspectos, concordou que não havia o que fazer. Não iríamos participar de assunto que extrapolasse nossa competência constitucional”, narrou Freire Gomes em seu depoimento.
No interrogatório, Freire Gomes não usou a palavra “golpe” para se referir ao teor da conversa com Bolsonaro. Quando o advogado do ex-ministro da Justiça Anderson Torres o questionou se ele havia participado de uma reunião “golpista”, ele rechaçou o termo. “Não entendi o que você falou sobre ‘reuniões golpistas’. As reuniões que participei foram normais, com o presidente da República e demais comandantes, nada mais que isso”, disse Freire Gomes.
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Comandantes fizeram relato parecido sobre reunião sobre minuta de decreto
Baptista Júnior, por sua vez, insinuou que havia, por parte de Bolsonaro, uma intenção de usar a GLO, o estado de defesa ou sítio, para impedir a sucessão presidencial. Numa das reuniões, em 14 de novembro, contou que ao chegar para uma reunião com os demais comandantes militares, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, mostrou a eles um documento sobre a mesa, dentro de um plástico.
Nesse momento, Baptista Júnior teria perguntado a Paulo Sérgio Nogueira se o documento previa “a não assunção do presidente eleito”. O ministro da Defesa, segundo seu relato, teria ficado calado, consentindo. “’Não admito sequer receber esse documento, não fico aqui’. Levantei e fui embora”, relatou Baptista Júnior.
Em seu depoimento, Freire Gomes confirmou o caso. “O ministro da Defesa abriu a reunião tocando em outros assuntos. Mencionou que ia ler o documento que já havia sido estudado. Quando começou a descrever, o brigadeiro Baptista interrompeu e perguntou se o assunto se referia a posse do novo presidente. O ministro da Defesa ficou calado e o brigadeiro falou ‘não quero mais saber’ e eu disse que não tinha mais nada para conversar sobre isso”, relatou o ex-comandante do Exército no STF.
Baptista Júnior, por sua vez, confirmou no depoimento desta quarta que a minuta do decreto discutida entre os comandantes previa a prisão do ministro Alexandre de Moraes, que na época presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Isso era num ‘brainstorm’ das reuniões, isso aconteceu. Lembro bem. ‘Vai prender o Alexandre de Moraes, o presidente do TSE? E se amanhã o STF soltá-lo com um habeas corpus, vai fazer o quê?’”, contou Baptista Júnior, reproduzindo o teor das conversas.
O que diz Bolsonaro sobre o decreto submetido aos comandantes
Em suas manifestações sobre o caso, Bolsonaro admitiu que conversou, na época, sobre medidas constitucionais que poderia adotar – a GLO, o estado de defesa ou de sítio são previstos na Constituição. Por isso, não haveria golpe de Estado.
“Golpe é tanque na rua, é arma, é conspiração. Nada disso foi feito no Brasil. Por que continuam me acusando de golpe? Porque tem uma minuta de decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição?”, disse, em fevereiro de 2024, durante manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo.
Em ocasiões anteriores, o ex-presidente negou a existência da chamada “minuta do golpe”. “Não existe golpe com respaldo jurídico. Golpe é pé na porta e arma na cara, meu Deus do céu. Golpe tem que depor alguém. (Artigo) 142, GLO, tudo isso são remédios previstos na Constituição (…) Golpe não tem papel, tem fuzil. Dá pra entender isso?”, disse em fevereiro de 2023.
Na defesa apresentada ao STF após a denúncia, os advogados de Bolsonaro ressaltaram que ele não assinou nenhum decreto para rever o resultado das eleições, tampouco para prender ou executar autoridades.
“Nunca praticou e nem determinou que fosse praticada qualquer violência. E jamais tentou impedir ou restringir o exercício dos demais Poderes. Pois, no fim do dia e da História, o Peticionário (Bolsonaro) é aquele que não assinou nenhum decreto e não ordenou qualquer ação violenta para restringir ou impedir o exercício de um poder, bem como não tentou depor o governo constituído depois dele”, diz a defesa.
A GLO, em geral, é decretada para empregar os militares em ações de segurança pública, para reforçar o trabalho das polícias em locais de risco.
O estado de defesa serve “para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”.
Já o estado de sítio pode ser decretado em casos de “comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa”, ou de “declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira”. Nessas duas situações, mais graves, o Congresso deve ser consultado para aprovar ou rejeitar a medida.