A defesa da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) apresentou um relatório jurídico detalhado à Justiça contestando os fundamentos da condenação imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A parlamentar foi condenada a 10 anos de prisão, em decisão unânime da Primeira Turma do STF. A condenação se refere ao episódio de invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ocorrido em janeiro de 2023.
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O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, determinou o cumprimento da pena em regime fechado, além da perda do mandato parlamentar e o pagamento de multa no valor de R$ 2 milhões por danos materiais e morais. A perda do mandato será analisada pela Câmara dos Deputados após o trânsito em julgado da ação — quando não houver mais possibilidade de recurso.
Walter Delgatti Neto, hacker envolvido no caso, também foi condenado: 8 anos e 3 meses de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento solidário da multa imposta.
Segundo a acusação, Delgatti teria inserido no sistema do CNJ um falso mandado de prisão contra o ministro Moraes, a mando de Zambelli, com o objetivo de desacreditar o Judiciário e provocar instabilidade institucional. Ambos foram condenados por invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica.
No documento, os advogados Daniel Bialski, Bruno Borragine e André Bialski argumentam que a acusação contra Zambelli na Ação Penal nº 2.428/DF se baseia exclusivamente no depoimento “inconsistente e contraditório” de Walter Delgatti Neto, classificado como “mitômano” pela própria Polícia Federal.
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De acordo com os advogados, não há qualquer prova material que vincule Zambelli aos crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica, que motivaram a sentença. “As ações ilícitas foram resultado da vontade isolada de Walter Delgatti, que agiu por conta própria e, posteriormente, tentou envolver a deputada de forma artificial nos fatos”, argumenta o relatório.
A peça sustenta que não há provas técnicas, testemunhais ou materiais que vinculem a deputada à invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou à elaboração do falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes, atribuindo os atos criminosos à “ação isolada” de Delgatti.
O documento também denuncia o que considera falhas processuais, como a falta de acesso a elementos probatórios e a recusa do Supremo em ouvir uma testemunha apontada como chave pela defesa. Para os advogados, tais omissões comprometeram o direito de defesa e violaram o devido processo legal.
A tese central da defesa é que Zambelli jamais ordenou, orientou ou teve conhecimento prévio da inserção de um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes no sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Não há mensagens, e-mails, áudios ou qualquer outra prova que indique participação, coautoria ou instigação por parte da parlamentar”, afirma o relatório.
“Réu confesso” e narrativa estratégica
Confira:
Segundo a defesa, Delgatti agiu estrategicamente como “réu confesso” desde o início da investigação, buscando benefícios penais ao incriminar Zambelli. Ele teria apresentado seis versões diferentes dos fatos — três à Polícia Federal, duas no Congresso (CPI e CPMI) e uma em juízo — todas com contradições relevantes sobre locais de encontros, elaboração do mandado de prisão falso, e invasões a sistemas.
Os advogados anexaram um quadro comparativo com as mudanças nos depoimentos e reforçaram que o hacker já foi classificado como “mentiroso contumaz” por outras testemunhas e autoridades.
Provas negadas e cerceamento de defesa
Outro ponto levantado é o cerceamento de defesa, já que, segundo os advogados, a defesa não teve acesso a 700 GB de dados armazenados em nuvem por Delgatti, apesar de constantes requerimentos. Esses arquivos teriam embasado a denúncia do Ministério Público e conteriam elementos essenciais para análise técnica da defesa, que foi impedida de realizar perícia independente.
Além disso, a defesa denunciou que uma testemunha considerada essencial, Thiago Eliezer Martins, conhecido por integrar os mesmos esquemas de Delgatti, teve o depoimento indeferido, apesar de ter sido localizado posteriormente.
Relação lícita e conduta ética
O relatório também tenta afastar qualquer intenção criminosa no relacionamento entre Zambelli e Delgatti. Segundo os advogados, o primeiro contato ocorreu de forma lícita, com o objetivo de verificar a segurança das urnas eletrônicas, a pedido do PL. Quando Delgatti e seu advogado sugeriram o “preço da democracia”, Zambelli teria recusado e desaconselhado a contratação, por motivos éticos — versão confirmada por Valdemar da Costa Neto em juízo.
Posteriormente, o hacker teria sido contratado apenas para prestar serviço de integração de redes sociais, diante de sua situação financeira. A PF confirmou que o pagamento inicial e a proposta de trabalho se referem unicamente a esse serviço, sem qualquer relação com atividades ilícitas.
Outras alegações da defesa
- A Polícia Federal identificou que o pagamento de valores feito por um assessor de Zambelli a Delgatti se referia à compra de bebidas alcoólicas — e não à contratação para crimes cibernéticos.
- Não há provas periciais ou testemunhais que confirmem que Zambelli redigiu ou enviou a minuta do mandado de prisão falso ou compartilhou o documento com jornalistas.
- A perícia técnica não identificou qualquer envolvimento de Zambelli na criação de alvarás de soltura falsos ou nas invasões aos sistemas RENAJUD e GitLab.
- O usuário utilizado por Delgatti para acessar o CNJ foi criado em 2020, antes do contato com Zambelli, o que, segundo a defesa, comprova a ausência de vínculo para a prática dos crimes.
Pedido de absolvição
Com base nos argumentos apresentados, os advogados pedem a absolvição da deputada, sustentando que a condenação foi baseada apenas em suposições e no testemunho de um delator cujas versões mudaram diversas vezes ao longo do processo.
A defesa ainda aguarda a publicação do acórdão para apresentar embargos de declaração e reforçar os pontos que considera obscuros ou contraditórios na decisão da Primeira Turma do STF.