Poucos sabem que Daniel Libeskind, um dos mais importantes arquitetos contemporâneos, aos 17 anos se apresentava diante de grandes plateias. O menino prodígio, que aos 5 anos já tocava acordeão, chegou até mesmo a dividir o palco com o pianista russo Vladimir Davidovich Ashkenazy. O amor pela música jamais foi deixado de lado, mas com o tempo deu lugar a outra paixão deste polonês, nascido em Łódź, na Polônia, e que aos 11 anos mudou-se com a família para os Estados Unidos. “Eu digo que apenas troquei um instrumento pelo outro”, observa ele em entrevista a HAUS, por telefone, diretamente do seu escritório em Nova York. “A arquitetura é uma extensão da música. A música é como a arquitetura. São duas artes precisas, geométricas e que reverberam ideias”.
Croquis são interpretados como partituras por Daniel Libeskind, desde que estabeleceu seu primeiro escritório em Berlim (Alemanha), em 1989, após vencer o concurso para a construção do Museu Judaico na capital alemã. Como arquiteto, o seu processo criativo se distingue a cada projeto. Não há um modelo ou um sistema.
“Reconheço que alguns colegas se orientam em uma única direção, mas eu não tenho essa visão. Para cada obra é preciso um método de trabalho próprio que resolva seus próprios problemas e encontre soluções adequadas”, explica ele que tem mais de 40 projetos espalhados pelos quatro cantos do planeta, inclusive no Brasil. Em 2016, assinou a Torre Vitra, um edifício envolto por “pele” de vidro que abriga 14 luxuosos apartamentos na zona Oeste de São Paulo, em colaboração com o escritório PSA Arquitetura (Pablo Slemenson Arquitetura).
Os desafios contemporâneos da arquitetura, como as mudanças climáticas, o crescimento demográfico e as novas tecnologias, são temas recorrentes nas obras de Libeskind. Sua preocupação se reflete, principalmente, em projetos com cunho social e sustentável, como o complexo de moradias populares no bairro do Brooklin, em Nova York, e na cidade de Long Island, ambas nos Estados Unidos.
“Cerca de 30% dessas casas serão destinadas à pessoas que vivem nas ruas. Para mim é muito importante criar espaços que garantam ao indivíduo uma vida digna, que estejam tempo associados ao uso de materiais de baixo impacto ambiental e, é claro, à revitalização urbana de locais degradados”, comenta ele que assinada, em parceria com a arquiteta iraniana Zaha Hadid e o japonês Arata Isozaki, a requalificação do antigo bairro Fiera Milano, em 2015, considerado um dos mais importantes planos arquitetônicos de sustentabilidade e urbanização da capital econômica italiana.
“CityLife se revela como uma ideia ambiciosa que defende a metamorfose de toda uma área no centro da cidade, e é também um modelo a ser copiado em termos de eficiência energética, tecnologia e sustentabilidade em uma grande metrópole”, aponta.
O afeto pela cidade italiana vai além do trabalho. “Morei por alguns anos e minha filha é milanesa. É o berço do design, sem dúvida nenhuma e, o país como um todo nos encanta por suas obras renascentistas, barrocas e contemporâneas. É uma grande fonte de inspiração para mim”, diz Daniel Libeskind sem deixar de mencionar a culinária e sua predileção pela cotoletta, o bife à milanesa.
Atualmente, o arquiteto vive em Nova York para onde se mudou em 2003 após ser escolhido para desenhar o novo World Trade Center, mais conhecido como Ground Zero, após os ataques de 11 de setembro de 2001. Repensar a arquitetura tendo como narrativa a memória é uma das suas bandeiras. “Quero que essas obras contribuam para relembrar a história do que aconteceu no passado. Esse é um dos compromissos da arquitetura: projetar memórias para o futuro da humanidade”, diz ele que rebate as críticas de ser um adepto do desconstrutivismo. “Sou um arquiteto contemporâneo que vive no presente, não no passado; um profissional que deve enfrentar os desafios atuais e buscar respostas”.
Nesses quase 40 anos de carreira, o menino prodígio que abandonou o acordeão ainda se comove quando fala de suas criações. Não há uma que o represente 100%. Todos são filhos amados. Não há predileção. “O meu entusiasmo é sempre endereçado ao que está por vir. Ao que está para ser concluído, como nosso projeto de hospital para o tratamento de câncer, em Londres, por exemplo”, revela o arquiteto que adverte não ter intenção de se aposentar. Pelo menos não nos próximos 10 anos. O motivo: o amor pelo que faz, pela arquitetura.
Já o acordeão ficou na memória e no armário. “Para quem tocou profissionalmente, é impossível encarar agora como um hobby. Hoje, o meu instrumento é a arquitetura”, finaliza.