A expressão “criado embaixo dos pés de café” faz completo sentido para o cafeicultor Ronaldo Ronquetti, 44, de Rio Bananal, município que fica no Norte do Espírito Santo e ostenta o título de segundo maior produtor de conilon do Estado.
“Eu não tinha com quem deixá-lo e precisava cuidar da lavoura, então, quando ele estava com 40 dias de nascido, o pai dele fez um caixote de madeira, eu forrava com panos, colocava-o dentro e levava para baixo dos pés de café para eu poder trabalhar”.
O relato da mãe de Ronaldo, o Roni, como é conhecido por todos, Luiza Zava Ronquetti, 69, narra o começo do que viria a ser o futuro do terceiro filho de uma família de quatro irmãos. O menino que cresceu em meio aos cafezais, aos sete anos, já colhia um saco de café por dia, e aos 15, já tocava a roça enquanto o pai trabalhava de pedreiro para ajudar no sustento da família.
O caçula, Reniki Ronquetti, 36, não foi tão cedo para a roça, mas aos quatro, cinco anos, já seguia a família, e aos sete, trabalhava na lavoura. Passado o período da infância e adolescência imersos na cafeicultura, o destino dos irmãos estava traçado: seriam produtores de café.
“O café na minha vida significa tudo. Eu cresci no meio da lavoura. Não é só uma questão de renda, tenho prazer em trabalhar com café; é uma planta muito bonita, gostosa de mexer. É uma satisfação andar no meio da lavoura, ver as plantas bem cuidadas, carregadas e sadias. É muito bom”, disse Roni, referindo-se ao cultivo do conilon.
A opinião do irmão mais novo não é muito diferente. “Aprendi a trabalhar cuidando das lavouras, cresci no meio dos cafezais. O café sempre foi a nossa fonte de renda, mas é também o que eu gosto de fazer, cuido com amor. Ver a lavoura carregada, produzindo, é uma alegria para o produtor, é uma alegria para mim. Cuidamos do café como quem cuida de um jardim, nossa lavoura é o terreiro da nossa casa”, conta Reniki.
Assim como o pai, Pedro Ronquetti, que se acidentou e faleceu quando ajudava os filhos a abrirem uma nova área para plantar café, os dois sempre foram meeiros. Em 2013, a mãe ganhou de herança do padrasto, que também era patrão da família, parte do Sítio São Pedro, no Distrito de São Francisco, onde cresceram e sempre trabalharam.

Os irmãos Ronquetti com a mãe Luiza Zava Ronquetti
“Eu e meu esposo já estávamos com uma certa idade para começar a investir no terreno, que na época era pasto, e os meninos eram novos, começando a vida, tinham vontade de ter um pedaço de terra, então resolvemos passar para eles com usufruto para nós”, explica Luiza.
O irmão mais velho conta que, quando os pais comunicaram a decisão, foi um momento, ao mesmo tempo, de alegria e medo. “No primeiro momento, foi um susto. Pegamos a terra, mas sem saber por onde começar e sem dinheiro para investir. Então, foi uma mistura de sentimentos, uma alegria, mas, ao mesmo tempo, assustador”.
Passado o impacto inicial, era hora de fazer a terra produzir. Para colocar no chão as primeiras 21 mil mudas, fizeram dois empréstimos que somavam R$ 160 mil.


“A gente nunca tinha mexido com banco, e era muito dinheiro para a nossa realidade. Deu medo. Foi bem difícil tomar a decisão, ficava martelando na cabeça, será que vai dar certo? Acordei muitas noites e perdi o sono, pensando se daria conta de pagar, mas, ou a gente fazia o empréstimo ou não teríamos como produzir, seria como se não tivéssemos a terra”, conta Roni.
Dez anos após iniciar o cultivo no próprio terreno, Roni e Reniki têm 49 mil pés de café plantados em uma área de 16 hectares e meio, 13 no terreno deles e o restante arrendado. Construíram galpão, alojamento e reservatórios de água, adquiriram secadores, máquina de pilar café e caminhão. Um investimento da ordem de 850 mil reais, cerca de 50% já feitos com recursos próprios.
“Foi uma surpresa para nós a mamãe receber a herança e passar para a gente. Foi um pontapé e, a partir dali, começamos. Fomos plantando café, foi dando certo. Montamos o secador e começamos a prestar serviço, deu muito certo e seguimos investindo. Não somos ricos, mas, graças a Deus, o que temos hoje vem do nosso terreno, vem do café”, pontua Reniki.
Preço do café facilita realização de sonhos


Trabalho árduo à frente da propriedade, coragem e planejamento dos irmãos Roni e Reniki. No registro, aos fundos, área de beneficiamento de café, que será ampliada
Às voltas com o setor cafeeiro, ao longo dos anos, os irmãos assistiram a inúmeros altos e baixos no mercado do conilon. “Eu era muito pequeno, mas me lembro que o café chegou a R$ 36 reais a saca na década de 1990. No que tenho de lembrança, do que ouvia as pessoas falarem, foi a pior época para os produtores; desvalorizou muito”, conta Reniki.
O mercado estava bem diferente do que se vê nos últimos meses, com a saca do café cotada na casa dos R$ 2 mil reais. E, aproveitando este momento histórico, os irmãos se preparam para dar mais um passo. O sonho de ampliar a área de secagem e beneficiamento do café vai sair do papel mais rápido que o previsto.
Um investimento que pode chegar a um milhão e duzentos mil reais e contempla a construção de um novo galpão, novos equipamentos para beneficiar os grãos e a compra de mais um caminhão. A ideia dos sócios era começar este ano, logo após a colheita e terminar em 2026, com recursos da próxima safra, mas, com o café negociado neste preço, devem começar e finalizar ainda este ano, com recursos próprios.
“O café neste preço ajuda muito o produtor, tem um impacto positivo e vai nos ajudar muito na ampliação do nosso serviço de secagem e pilar de café. Vamos conseguir fazer em um ano o que levaríamos dois. O que o produtor precisava de 100 sacas de café para fazer, está fazendo com apenas 50, com esse preço, é uma alavancada muito grande”, destaca Roni.
Tecnologia a favor
Independentemente do valor do café, se tem uma coisa que para os irmãos Ronquetti é inegociável é o acompanhamento de profissionais capacitados nas lavouras e os tratos culturais em dia. O resultado dessa iniciativa é percebido nos números. Enquanto a média estadual de produção é de 44 sacas por hectare, os produtores colhem anualmente entre 85 e 90 sacas por hectare. Vale ressaltar que cerca de 90% do cultivo está em áreas íngremes e só 10% em terra plana.
“Desde 2015, quando nos tornamos proprietários, temos esse propósito. Por mais que o café caia de preço, nós nunca deixamos os tratos da lavoura de lado ou investimos menos. Pelo contrário, aí sim que a gente intensificava os cuidados com o cafezal. Quando o preço melhorava, tínhamos uma boa produção e, assim, conseguimos realizar nossos projetos”, conta Roni.
Se, quando eram meninos, os cuidados despendidos na lavoura eram mínimos e a produção idem, a tecnologia atravessou as porteiras e transformou o cultivo do grão. “Nosso serviço era capinar, era o trato que se fazia naquela época. Adubação era muito pouco, uma, duas vezes por ano, tudo feito à mão, uma desbrota próximo ao período da safra e a colheita”, lembram.


As lavouras dos irmãos produzem, em média, 85 a 90 sacas de café por hectare/ano
Sem os cuidados necessários, mudas adequadas e irrigação, a produção era baixa e mal pagava os custos. Eles lembram que, por vários anos, quando eram meeiros, quando terminavam a colheita, não sobrava nada ou quase nada de café.
“Aderir às tecnologias foi um ponto fundamental para o sucesso da nossa produção, foi o que nos alavancou. Com a implementação de tecnologias e acompanhamento técnico, uma área onde a família colhia no passado no máximo 400 sacos de café maduro, nós chegamos a colher 420 sacos de café pilado. Uma pena que muitos produtores não usam”, disse Roni.
“A agricultura vem acompanhando as tecnologias e nós aderimos a elas. Saímos de uma irrigação feita por canhões para o gotejamento localizado, tudo automatizado, passamos a adubar quase 100% na fertirrigação, várias adubações por ano, pulverizações por drone, análises de solo, podas programadas, cuidados e acompanhamento contínuo, e o resultado veio”, salienta Reniki.
Continuidade
Roni tem dois filhos, Pedro Henrique, com 14, que já acompanha o pai na roça, e Joyci, com cinco. Reniki tem uma menina, Heloara, de quatro anos.


Roni Ronquetti com a esposa Nazaré e os filhos Joyci e Pedro Henrique
O irmão mais velho disse que “se eles quiserem ficar na roça, com certeza, vai ser muito bom para manter e dar continuidade ao que começou. Sonho que eles fiquem, e que juntos prossigamos melhorando e crescendo cada vez mais, mas essa é uma decisão deles, não interfiro”.
Já para o caçula, vai ser motivo de orgulho ter a filha trabalhando com ele. “Tenho prazer em trabalhar com café e tudo que posso dar a ela vem do café, se ela resolver ficar, por livre e espontânea vontade, vai ser motivo de orgulho. Ter ela me ajudando vai ser muito bom”, destaca.


Reniki Ronquetti, sua esposa Angélica e a filha Heloara
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Sou a irmã mais velha dessa família de quatro irmãos, filha da Luiza e do Pedro Ronquetti, personagens citados nessa matéria que acabou de ler. Quando nossa editora Kátia Quedevez me pediu para contar a trajetória dos meus irmãos, foi uma surpresa e um desafio.
Afinal, essa também é a minha história. Além do meu irmão dentro do caixote, mamãe também levava para a roça eu, com quatro anos, e minha irmã Rosimar, com três. Também crescemos em meio às lavouras de café e aprendemos a trabalhar desempenhando as mesmas tarefas que meus irmãos.
Ver meus irmãos prosperando depois de tanto trabalho de nossos pais e deles, em meio a tantas adversidades do cultivo do café, é uma honra. Por fim, contar essa trajetória é, de certa forma, uma oportunidade de agradecer aos meus pais por nos ensinarem tudo de podiam e por formarem uma família linda e unida.
Obrigada, Kátia, pela oportunidade.