A condenação da deputada Carla Zambelli (PL-SP), consumada na semana passada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), apontou, segundo o voto do ministro Alexandre de Moraes, um suposto plano para justificar uma intervenção das Forças Armadas sobre o processo eleitoral de 2022 por interesse do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
No processo, Zambelli foi condenada a 10 anos de prisão por, supostamente, ordenar que o hacker Walter Delgatti – que ficou conhecido por invadir celulares de procuradores da Lava Jato – emitisse, em janeiro de 2023, um mandado falso de prisão contra Moraes, por meio da invasão de um sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em depoimento no processo, o hacker contou que, num dos encontros com Zambelli, ocorridos entre julho e agosto de 2022, conversou com Bolsonaro por telefone.
Após essa ligação, relatou Delgatti, a deputada teria manifestado o desejo de que ele invadisse o sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para acessar o código-fonte da urna eletrônica. Ele, então, teria dito a ela que era impossível, uma vez que o arquivo ficava num computador protegido no TSE sem acesso à internet.
Com isso, ela então teria pedido a ele “que invadisse qualquer sistema da Justiça, porque era uma forma do Presidente, segundo ela, de convencer as Forças Armadas a intervir no processo eleitoral e anular uma eventual eleição e refazer ela com o voto impresso”.
“Nesse dia, eu estava no posto de combustíveis falando com ela e com o Presidente. Por telefone, o Presidente me falou sobre um eventual grampo que teria acontecido já com o Ministro Alexandre de Moraes e que eu teria que assumir esse grampo porque seria uma forma de validar a invasão. Porque, segundo ele, quem realizou o grampo eram de outros países. Não me lembro de que países ao certo”, contou Delgatti.
“E, após a ligação, a Carla me disse que eu precisava invadir um sistema… Na verdade, ela queria que eu invadisse o sistema do TSE e pegasse o código-fonte da urna. Foi quando eu falei ‘Não, Carla, eu já analisei tudo isso e o código-fonte hoje devido à invasão de 2018, ele fica numa sala-cofre e o computador que manipula o código-fonte não tem acesso à internet’. E, ela pediu que eu invadisse qualquer sistema da Justiça, porque era uma forma do Presidente, segundo ela, de convencer as Forças Armadas a intervir no processo eleitoral e anular uma eventual eleição e refazer ela com o voto impresso”, narrou ainda o hacker.
“A ideia dela era que todos soubessem que eu havia invadido um sistema da Justiça. (…) Se eu apenas invadir, na minha opinião, ficará isso abafado, e a única forma de eu conseguir fazer isso é emitir uma ordem de prisão dele mandando prender ele mesmo. Uma sátira. E, isto deve ser levado a público. (…) Seria uma forma de comprovar que eu invadi (…). Ela ia enviar para o jornal Metrópoles, que estava aqui hoje (…) Era o que precisava, segundo ela e o Presidente, para entrega às Forças Armadas”, disse Delgatti no depoimento, reproduzido por Moraes no voto para condenar Zambelli.
No STF, Moraes também conduz o processo em que Bolsonaro e ex-ministros do governo são acusados de tramarem uma suposta tentativa de golpe em 2022.
Segundo a denúncia, desde 2021, Bolsonaro disseminava dúvidas sobre as urnas eletrônicas com o objetivo de descredibilizar o sistema e, com isso, legitimar uma intervenção militar no TSE para rever o resultado das eleições e, assim, impedir que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumisse o novo mandato.
O caso de Zambelli e Delgatti, embora envolva uma suposta estratégia para justificar uma intervenção militar no processo eleitoral, não fez parte da denúncia nem integra o processo contra Bolsonaro. A defesa do ex-presidente também foi questionada pela Gazeta do Povo sobre o relato do hacker, mas não houve resposta.
Defesa de Zambelli diz que hacker mente e que vai apontar contradições em recurso
No processo, Delgatti também foi questionado pela defesa de Zambelli sobre o caso. O advogado o indagou se a deputada efetivamente teria pedido a ele a emissão do mandado de prisão contra Moraes. No processo, a defesa da deputada alegou que não há qualquer prova disso. Na investigação, a PF não encontrou uma mensagem, gravação ou áudio da deputada com um pedido para a emissão do documento falso.
No depoimento, Delgatti respondeu ao advogado de Zambelli esclarecendo que ele mesmo teve a ideia de invadir o sistema do CNJ para emitir um mandado de prisão falso de Alexandre de Moraes em nome do próprio ministro.
A ideia seria expor o documento publicamente para ficar claro que era uma ordem falsa de prisão, o que evidenciaria a fragilidade de um dos sistemas da Justiça.
“É perfeito pra mostrar que realmente alguém invadiu, porque salvo melhor juízo, em hipótese alguma ele (Moraes) iria mandar (prender) ele mesmo. Então essa ideia, realmente quem teve fui eu. E ela (Zambelli) chancelou essa ideia”, disse o hacker.
No depoimento, a defesa da deputada ainda questionou Delgatti se ela teria o incentivado a emitir o mandado de prisão, emitido em 4 de janeiro de 2023 e publicado na imprensa na mesma ocasião. “Ela me incentivou no todo, eu, eu fiz, eu tive a ideia por incentivação dela, não incentivação da ideia”, disse Delgatti.
A defesa de Zambelli sustenta que Delgatti é um “mitômano”, ou seja, um mentiroso contumaz, e que mentiu ao atribuir a ela o pedido para emitir o mandado de prisão.
“Ele deu 6 versões diferentes. E mente e inventa a cada vez. A palavra dele de nada vale”, disse à Gazeta do Povo o advogado de Zambelli, Daniel Bialski. Ele informou que, no recurso que pretende apresentar ao próprio STF contra a condenação, vai expor essas contradições do hacker, que foram omitidas nos votos pela condenação.
Na acusação contra Zambelli, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou como prova o relacionamento travado pela deputada com o hacker entre agosto de 2022 e o início de 2023. Ela chegou a levá-lo para um encontro com Bolsonaro em Brasília e para uma reunião com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto. No processo, Zambelli disse que contratou o hacker para prestar serviços para seu site.
Junto com Delgatti, Zambelli foi condenada a 10 anos de prisão, com perda do mandato e inelegibilidade por mais 8 anos após o cumprimento da pena. A defesa já anunciou que tentará uma prisão domiciliar, em razão de condições frágeis de saúde da deputada.
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